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[1]Tradução do ensaio „Zur Dialektik der Wertform“, in : Backhaus, Hans-Georg. Dialektik der Wertform. Freiburg, Ça Ira, 1997, p. 41-64. As citações de Marx foram traduzidas diretamente do … Continue reading

Por meio de um exame crítico da literatura secundária sobre O capital, é possível apresentar provas de que a teoria do valor-trabalho é recebida ou criticada de uma forma grosseiramente simplificada e muitas vezes completamente deturpada. Logo, é próprio da interpretação positivista de Marx identificar a teoria clássica do valor com a teoria marxista do valor. Schumpeter representa outros quando contesta a independência da análise marxiana do valor:

A real compreensão de sua teoria econômica começa com o reconhecimento de que como teórico ele era um discípulo de Ricardo. […] Sua teoria do valor é a ricardiana. […] O argumento de Marx só é menos cortês, mais prolixo e filosófico no pior sentido da palavra. [2]Schumpeter (1993), p. 44, 46 et seq.

A interpretação “economicista” está fadada, contudo, a perder a intenção crítica da teoria marxiana do valor: a crítica da economia política se torna uma “teoria econômica” ao lado de muitas outras. A compreensão positivista leva necessariamente, além disso, a dissolver a teoria marxiana da sociedade em um pacote de hipóteses sociológicas e econômicas ou “observações de fatos”. Os argumentos descreditados por Böhm-Bawerk como “truques dialéticos” ou por Schumpeter como “filosóficos” se encontram, sobretudo, na teoria da forma de valor. Na medida em que ela é apresentada, ou ela é incompreensível ou se refere a ela sem comentários. A incompreensão do intérprete é tão espantosa porque Marx, Engels e Lenin chamaram a atenção repetidamente ao significado da análise da forma de valor. No Prefácio a O capital, Marx avisa expressamente antes que não se pode negligenciar a teoria da forma de valor: “Para a sociedade burguesa, porém, a forma-mercadoria do produto do trabalho, ou a forma de valor da mercadoria, constitui a forma econômica celular. Para o leigo, a análise desse objeto parece se perder em vãs sutilezas”. “O espírito humano tem procurado desvendá-la em vão há mais de 2 mil anos” (MEW 23, p. 12 [2013, p. 78]), inclusive a escola de Ricardo. Resulta da citação acima que Marx afirma ter desvendado pela primeira vez na história esta “forma enigmática”. Não se deve atribuir essa recepção defeituosa da análise da forma de valor a uma cegueira problemática dos intérpretes. Só se pode compreender a insuficiência de suas exposições com base na suposição de que Marx não deixara para trás uma versão terminada da teoria do valor-trabalho. Embora ele já a tivesse desenvolvido na Contribuição à Crítica da Economia Política, Marx se viu forçado a apresentar a análise da forma de valor em outras três versões, uma diferente da outra, “porque até mesmo boas mentes não compreenderam tão bem o assunto, então deve haver algo imperfeito na primeira apresentação, especialmente na análise da mercadoria” (MEW 31, p. 534). Marx entrega uma segunda e completamente nova apresentação na Primeira edição de O capital. Contudo, já durante a impressão, Engels e Kugelmann chamaram a atenção de Marx à “dificuldade de compreensão” da análise da forma de valor e, por isso, sugeriram o acréscimo de uma terceira apresentação, agora popularizada, como apêndice. Por sua vez, uma quarta versão diferente das apresentações anteriores seria desenvolvida para a segunda edição de O capital. Porém, dado que nesta quarta e última versão as implicações dialéticas da problemática da forma de valor desaparecem cada vez mais e Marx já tinha, na primeira edição, “popularizado a análise da substância do valor […] o máximo possível” (MEW 23, p. 11 [2013, p. 77]), devem surgir diferenças de opinião consideráveis acerca da interpretação do que Marx queria designar com os conceitos “substância do valor” e “trabalho abstrato”. [3]Cf. as contribuições para a discussão de O. Ledle e H. Schilar (1961) sobre a problemáticfa da Ware-Geld-Beziehung im Sozialismus [Relação mercadoria-dinheiro no socialismo]. Resta, por isso, um urgente desiderato na pesquisa marxista, que é reconstruir o todo da teoria do valor a partir das apresentações mais ou menos fragmentárias e das numerosas observações dispersas em outras obras.

No Prefácio à primeira edição de O capital, Marx fala expressamente que a “dialética” caracteriza sua apresentação da teoria do valor-trabalho (MEGA II.5, p. 11 et seq.[ 2013, p. 77 et seq.]). Se as interpretações tradicionais ignoram sem exceção essa dialética, é necessário perguntar se não se trata apenas da “insuficiência da apresentação” da análise da forma de valor, mas também das duas primeiras seções no primeiro capítulo de O capital. Lenin insiste no caráter dialético do procedimento de Marx: “Não se pode entender O capital de Marx e especialmente o primeiro capítulo sem estudar profundamente e compreender toda a Lógica de Hegel”. Disto ele deduz: “Logo, depois de meio século, nenhum dos marxistas entendeu Marx! [4] Lenin (1976), p. 170 ”. “Depois de meio século, nenhum dos marxistas entendeu Marx” ou Marx foi tão longe em sua popularização das duas primeiras seções do capítulo A mercadoria que não é mais possível entender a “dedução” do valor como movimento dialético?

Na primeira seção Marx procede, notoriamente, de modo tal que ele parte do fato “empírico” do valor de troca e define este como a “forma de manifestação de um conteúdo dele distinto”. Aquilo que deveria ser “o fundamento” do valor de troca se chama valor. Na evolução da análise, contudo, isto deve ser considerado independentemente de sua forma. A análise da essência, que independe da análise da forma de manifestação, agora leva Marx a retornar subitamente, sem demonstração de uma necessidade interna, à análise da forma de manifestação: “Partimos, na verdade, do valor de troca […] da mercadoria para seguir as pegadas do valor que nela se esconde. Temos, agora que retornar a essa forma de manifestação do valor” (MEW 23, p. 62 [2013, p. 125]). Este desenvolvimento ainda é compreensível como expressão daquele método que Marx caracterizou em sua introdução aos Esboços da Crítica da Economia Política [Grundrisse]como o elevar “do abstrato ao concreto” (MEW 42, p. 35 [2011, p. 54])? A “reprodução do concreto” que deve se representar [darstellen] a partir de agora como “rica totalidade de múltiplas determinações”, como “unidade da diversidade” (Ibid.), só se torna compreensível a partir do seguinte problema: como o valor se torna valor de troca e preço; por que e de qual maneira o valor se suprassumiu [aufheben] no valor de troca e no preço como o modo de seu “ser-outro”? Parece-me que o modo de exposição em O capital não realiza de modo algum claramente o motivo condutor do conhecimento da análise marxiana da forma de valor, a saber, o “porquê de este conteúdo assumir essa forma” (MEW 23, p. 95, grifo nosso [2013, p. 155]). A mediação insuficiente da substância e da forma do valor já está expressa no fato de que se pode apontar uma ruptura no desenvolvimento do valor: a transição da segunda para a terceira seção do primeiro capítulo não é mais razoável como uma transição necessária. Assim sendo, o que se fixa na memória do leitor é a aparentemente fácil de entender ideia central da teoria da substância do valor e do duplo caráter do trabalho, a qual é desdobrada nas duas primeiras seções. A terceira seção, porém – a teoria da forma de valor –, é entendida normalmente apenas como prova adicional ou como ornamento “dialético” daquilo que já foi deduzido, de qualquer maneira, nas duas primeiras seções. O fato de o “objeto universal” enquanto tal, isto é, o valor enquanto valor, não se deixar expressar, mas apenas “aparecer” de uma forma invertida, ou seja, enquanto “relação” entre dois valores de uso, escapa à compreensão do leitor. Porém, se o desenvolvimento valor de troca – valor – forma de valor não é mais compreensível como “movimento [dialético] do ‘ser’ imediato através da ‘essência’ até a ‘existência’ mediada”, de modo que “ a imediação é suprassumida e é posta novamente como existência mediada, [5]Herbert Marcuse (1979), p. 21 et seq. então a origem daquelas “intepretações dialéticas” que equivalem a uma caricatura dialética torna-se compreensível. A análise marxiana da mercadoria se apresenta então como “salto” – imediato – “do simples ao complexo, da substância à forma de manifestação”. [6] Rodolfo Banfi (1967), p. 172. A essência, ao contrário da forma de manifestação, pode ser definida a partir da lógica formal como “universal, típica e central”. A mediação da essência e da forma de manifestação só pode ser construída como um movimento pseudodialético de contradições pseudodialéticas: “O universal não existe […] independentemente das formas de manifestação particulares. Está contido neles como universal, invariante”.[7]W. Jahn (1968), p. 116 et seq.{/fn] Mesmo aqueles autores que podem afirmar que “estudaram profundamente e compreenderam toda a Lógica de Hegel” não fornecem explicações sobre como os … Continue reading O caráter fetichista da mercadoria e seu segredo. Este subtítulo caracteriza notoriamente a quarta seção do primeiro capítulo. É necessário falar de uma articulação não sistemática das primeiras partes e que, por isso, dificulta a compreensão da teoria do caráter fetichista, já que o “segredo” se torna visível pela primeira vez não na quarta, mas já na terceira seção e deve ser decifrado na teoria das três peculiaridades da forma equivalente. O fato de o conteúdo da quarta seção só ser compreensível a partir da terceira seção já está evidente na articulação do apêndice da primeira edição de 1867, a qual Marx prefaciou com o título de “Forma de valor”. Este apêndice – concebido apenas como uma versão popularizada da análise da forma de valor – contém a análise do fetichismo, naturalmente não como teoria independente, mas sim como “quarta peculiaridade” da forma-equivalente.

Essa classificação revela que a teoria do caráter fetichista – ampliada e concebida como quarta seção na segunda edição de O capital – deve ser entendida apenas segundo seu conteúdo como uma parte independente da terceira seção. A eliminação ou a apresentação sem comentários da terceira seção, que constitui a “obscuridade do primeiro capítulo de O capital sobre o valor”,[8]F. Petry (1984), p. 16. O caráter fragmentário da teoria do fetichismo da mercadoria é reconhecido por Sartre: “a teoria do fetichismo concebida por Marx em suas linhas essenciais nunca é … Continue reading se expressa, sobretudo, na seguinte má interpretação:

  1. Muitos autores ignoram a alegação da teoria do valor-trabalho de derivar o dinheiro enquanto dinheiro e, portanto, de inaugurar uma teoria específica do dinheiro. Não é mais surpreendente que estes intérpretes apresentem a teoria do valor e eliminem ou corrijam a teoria do dinheiro e, por isso, sejam praticamente incapazes de tornar plausível a diferença entre a teoria do valor-trabalho clássica e a marxista. Eles não entendem que os conceitos fundamentais da teoria do valor somente são compreensíveis, então, quando eles, por sua vez, possibilitam a compreensão dos conceitos fundamentais da teoria do dinheiro.[9]A interdependência entre a teoria do valor e a do dinheiro é discutida mais claramente por Wygodski: “Marx concebe a compreensão da categoria “dinheiro” como critério para saber se a … Continue reading O caráter histórico da análise da forma de valor consiste precisamente no fato “de que ela analisa imediatamente na forma mais simples, a da mercadoria, o caráter especificamente social e de modo algum absoluto da produção burguesa” (MEW 29, p. 463).

    A análise insuficiente da forma de valor por Ricardo teve, além da crítica subjetivista de Bailey e da doutrina do dinheiro-trabalho dos socialistas utópicos, a consequência adicional de a “forma […] – a determinação especial do trabalho como criador de valor de troca” não ser investigada. Ricardo “não percebe a interdependência entre a determinação do valor de troca da mercadoria pelo tempo de trabalho e a necessidade das mercadorias de progredirem rumo à formação do dinheiro” (MEW 26.2, p. 161 [1983, p. 597]). “Esse entendimento equivocado do dinheiro, porém, se baseia no fato de Ricardo ter em vista apenas a determinação quantitativa do valor de troca” (MEW 26.2, p. 504 [1983, p. 939]). A equivocada teoria do dinheiro de Ricardo é a teoria quantitativa, a qual é visada pela crítica da análise da forma do valor.

    Embora a percepção arduamente alcançada de que a crítica marxiana das categorias econômicas transcenda o âmbito da disciplina da economia, deve se entender a análise da forma do valor – orientada a categorias filosóficas – em sua função de superar as antinomias da disciplina econômica. Numa variação da quarta Tese sobre Feuerbach, é possível caracterizar a crítica de Marx a Ricardo da seguinte maneira: Ricardo parte do fato do autoestranhamento econômico, da duplicação do produto numa coisa de valor, imaginada, e numa coisa real. Sua teoria consiste em dissolver o valor em trabalho. Ele esquece que ainda falta fazer o principal. A saber, o fato de o produto se contrastar consigo mesmo e se fixar como um reino autônomo de categorias econômicas, além da consciência, só pode ser explicado justamente a partir do autoconflito e da autocontradição do trabalho social. Isto deve ser entendido primeiro em sua contradição e, então, ser revolucionado praticamente pela eliminação da contradição. Assim, por exemplo, depois de se descobrir o trabalho como o segredo do valor, ele deve primeiro ser criticado teoricamente e revolucionado praticamente. Metodologicamente, estamos abordando aqui a já mencionada problemática do ascender do abstrato ao concreto, do valor à forma de manifestação do valor.

    Dedicamo-nos a partir de agora à questão de como a relação quantitativa entre mercadoria e dinheiro é estruturada, aquilo que constitui, então, o “conteúdo formal da expressão relativa do valor”. Eu pressuponho o padrão-ouro, então 20 varas de linho = x gramas de ouro ou 20 varas de linho valem x gramas de ouro. Essa equação sugere que linho e ouro não só representam valores de igual grandeza, mas também estão interligados um ao outro de um modo particular: o linho é posto como de “igual grandeza” e “essencialmente igual”. Em vez de se expressar em ouro, o valor do linho pode ser expresso no valor de uso de qualquer outro produto, como, por exemplo, no casaco. “Seu ser-valor […] aparece, se expressa numa relação na qual outro tipo de mercadoria, o casaco, é igualado a ele ou é válido como essencialmente igual” (MEGA II.5, p. 629; grifos nossos [2021, p. 161]);. Como valor de uso, o linho não é substituível pelo ouro. Linho é linho e não ouro. Os produtos são “valores relativos”, então, apenas quando os termos relacionados já foram postos como valores, como “valores absolutos”, “essencialmente iguais” ao ouro. Como valor, o linho é igual ao ouro “como um ovo ao outro” (MEW 23, p. 67 [2013, p. 129]). “Como valor, é dinheiro” (MEW 42, p. 76; grifos do autor [2011, p. 91]): como valor, o linho é consequentemente ouro. “Toda a mágica e assombração que enevoam os produtos do trabalho na base da produção de mercadorias” (MEW 23, p. 90 [2013, p. 151]) se manifesta na relação paradoxal na qual a mercadoria é ela mesma e ao mesmo tempo seu outro: dinheiro. Ela é, portanto, identidade da identidade e não-identidade. A mercadoria é essencialmente igual ao dinheiro e, apesar disso, ao mesmo tempo diferente dele. Esta “unidade na diferença” é designada de “duplicação” na terminologia hegeliana. Esse conceito dialético é empregado por Marx para caracterizar a estrutura da equação mercadoria-dinheiro: a troca da mercadoria “produz uma duplicação da mercadoria em mercadoria e dinheiro, uma oposição externa na qual se representa sua oposição imanente entre valor de uso e valor” (2013, p. 119; grifos do autor [2013, p. 179]).

    A equação mercadoria-dinheiro é a supressão econômica do Princípio da Identidade. É necessário lembrar sempre da diferença estrutural entre a “medição” do valor e a medição de uma propriedade natural. Assim, um litro de água é chamado de um quilograma de igual massa. Uma quantidade de água é definida como uma unidade de medida de peso. Porém, isso não quer dizer de modo algum que o peso de uma coisa “aparece” na dimensão espacial da água e se “realiza”. Nem é a água enquanto água à forma de manifestação do peso. A coisa enquanto “objetificação” do peso não está em uma relação dialética com a água real, de modo que a coisa enquanto peso é idêntica à agua na aparência como fenômeno que preenche o espaço e ao mesmo tempo como qualitativamente determinado diferente desta. A coisa não se “parte”, não se “duplica” como “suporte” de peso e valor – ela não é ao mesmo tempo ela mesma e sua outra. Porém, é justamente dessa maneira que se obtém a relação entre mercadoria e dinheiro. O valor de uma mercadoria pode ser distinguido de seu valor de uso apenas pelo fato de ele expressar seu conteúdo em outro valor de uso; assim, o fato de “a mercadoria em sua existência imediata [Dasein] como valor de uso não ser valor, não ser a forma de valor adequada, = ao fato de ela só o ser enquanto outra coisa ou enquanto igualada a outra coisa” (MEW 42, p. 686 [2011, p. 670]). A mercadoria torna-se uma “outra coisa” e permanece, contudo, ela mesma em seu ser-outro. Na expressão “20 braças de linho valem 1 casaco”, o valor é uma coisa através da qual outra se expressa. Esta expressão de valor gera uma “inversão” estranha: o casaco “em carne e osso”, o casaco enquanto valor de uso, vale imediatamente como valor:

    No dinheiro, o valor da coisa é separado de sua substância. […] Porém, por um lado, o valor de troca continua, naturalmente, ao mesmo tempo uma qualidade inerente da mercadoria, ao passo que ele existe ao mesmo tempo fora dela. […] No dinheiro, o valor de troca se contrapõe a ela [a mercadoria] como algo distinto […] Todas as propriedades da mercadoria enquanto valor de troca aparecem como um objeto diferente dela. […] O valor de troca […] conquistou uma existência autônoma numa mercadoria específica, num material particular, independente dele. (MEW 42, p. 84-85, p. 119, p. 80, p. 119 [2011, p. 98-99, p. 135, p. 94, p. 135])

    A misteriosa equação de linho e casaco muda a determinação econômica do casaco. Ao mesmo tempo em que o linho

    “se iguala a ele enquanto valor, ao passo que se diferencia ao mesmo tempo enquanto objeto de uso, o casaco se torna a forma de manifestação do valor do linho em contraste ao corpo do linho […]. Uma vez que o valor é de essência igual à do casaco, a forma-natural casaco torna-se a forma de manifestação de seu próprio valor [do linho]” (MEGA II.5, p. 30 [2021, p. 130]).

    O dinheiro como dinheiro é definido por Marx como uma unidade estruturada contraditoriamente: um particular aparece imediatamente como seu próprio oposto, como universal.

    Ao invés de desmoronar, aqui as determinações contraditórias da mercadoria se refletem uma na outra. […] É como se ao lado e além dos leões, tigres, lebres e todos os outros animais reais […] também existisse o animal, a encarnação individual de todo o reino animal. Tal indivíduo, que compreende em si todas as espécies da mesma coisa é um universal, como animal, Deus, etc. (MEGA II.5, p. 32-37 [2021, p.132-139])

    Surge a questão de se a essência do valor também se torna palpável.

    Nós descrevemos o “movimento” de algo que possui a propriedade peculiar de se “transformar”, de se “duplicar”, de se “expressar”, de “sempre se manter de tempos em tempos no outro extremo”, de “se desfazer de sua forma natural” e de se “realizar”. Este algo – esse sensível imperceptível – é “medido”, “transferido”, etc. O “suporte” deste feito é uma “coisa do pensamento”, uma “objetividade abstrata sem outra qualidade e conteúdo”. A falta de reflexão de numerosos representantes da teoria do valor-trabalho que operam inconscientemente com estes conceitos e que nunca reconhecem seu estatuto lógico como problemático torna compreensível a tendência da crítica semântica de acusar a argumentação dos economistas marxistas como puro fetichismo verbal. Problematizar seus próprios conceitos parece-me ser uma tarefa urgente da economia marxista. Isso vale sobretudo para os conceitos fundamentais da teoria do valor: “valor absoluto” e “mercadoria”. Já mencionamos que o valor não é conhecido como algo “imanente” à consciência; ele se coloca como contrário à consciência como um estranho. É exatamente esta problemática, que motivou Simmel a determinar o valor como categoria metafísica: “como tal, ele está […] além do dualismo do sujeito e do objeto”. [10] georg Simmel (1989), p. 38 O valor é de fato algo pensado, mas não um “conceito” no sentido da lógica formal: pode se destacar tão pouco uma diferença específica quanto um correlato material. Ele não é um conceito genérico, mas “algo conceitual completamente diferente do escopo lógico, a unidade de características de qualquer elemento individual”. [11] Adorno (1993), p. 95. A referência ao conceito tradicional de Deus demonstra que Marx concebe o “universal” como uma unidade que contém em si a totalidade de todas as determinações em sua diferença. Agora, esta determinação que qualifica imediatamente apenas a essência do dinheiro também é válida para o “objeto universal” valor? O valor aparece apenas em “unidade” com o valor de uso. Essa “unidade” é chamada de “mercadoria” – uma “coisa sensível-suprassensível”. Coisa, no sentido da filosofia tradicional ou é uma coisa material ou um “objeto transcendental”. A mercadoria como algo ao qual o sensível e o suprassensível, o valor de uso e o valor pertencem como propriedades não é possível. Essas propriedades não são abarcadas por um terceiro, que uniria, como uma garra, as camadas em si puras numa unidade. Pode se descrever, provisoriamente, a mercadoria da seguinte maneira. Uma “relação” entre valores de uso está dada. Como valores de uso, as mercadorias, porém, são “existências indiferentes mutuamente e, na verdade, não relacionadas” (MEW 13, p. 30 [2008, p. 71]). Porém, o imediato é sempre também algo mediado. A relação de um valor de uso consigo mesmo como para com outro aparece como uma relação imediata entre dois valores de uso que são idênticos a si mesmos. Esquece-se que na equação de dois valores de uso um valor de uso é posto como diferente de si mesmo: “eu estabeleço uma relação na qual toda mercadoria = uma terceira; isto é, diferente de si mesma” (MEW 42, p. 78 [2011, p. 92]). O fato de que a mercadoria enquanto valor de uso não é valor pode significar apenas “que ela só é isto enquanto algo materialmente diferente ou enquanto igualada à outra coisa”(MEW 42, p. 686 [2011, p. 670]).  Como “algo diferente de si mesma”, a coisa permanece idêntica a si mesma na diferença que possui inerentemente em si mesma. Ela “se diferencia […] de si mesma enquanto valor de uso” (MEGA II.5, p. 29, grifos nossos  [2021, p. 129]) e obtém identidade concreta. A “unidade” de valor e valor de uso, a unidade na autodiferenciação, se apresenta como duplicação da mercadoria em mercadoria e dinheiro. “A oposição interna contida  na mercadoria […] também é representada através de uma oposição externa” (MEW 23, p. 75 [2013, p. 138]). Ao mesmo tempo ocorre uma “inversão”: o valor da mercadoria que primeiro transforma o ouro em dinheiro aparece na mercadoria ainda como quantidade ideal de ouro, ou seja, como valor de troca ou preço. “O movimento mediador desaparece em seu próprio resultado e não deixa nenhum vestígio para trás” (MEW 23, p. 107 [2013, p. 167]). Ao contrário da teoria clássica do valor-trabalho, para Marx o valor não é só o fundamento da determinação da grandeza do valor, mas sim, em seu “movimento mediador”, o constituinte que primeiro constitui a relação enquanto relação. Assim, o valor não é para Marx uma substância imóvel numa rigidez indistinguível, mas algo que se desdobra em diferenciações: sujeito.

    Contudo, a totalidade da circulação, considerada em si mesma, consiste no fato de que o valor de troca, o valor de troca como sujeito, se põe uma vez como mercadoria, outra vez como dinheiro, e é justamente o movimento de se pôr nesta dupla determinação e de se manter em cada uma delas como seu oposto, na mercadoria como dinheiro e no dinheiro como mercadoria. (MEW 42, p. 190 [2011, p. 206])

    É evidente, então, que a duplicação da mercadoria em mercadoria e dinheiro é decifrada primeiro quando se pode demonstrar que esta relação antagonista entre coisas se expressa numa relação entre seres humanos, a qual é estruturada antagonistamente da mesma maneira. Inversamente, estas “relações sociais entre pessoas” devem ser determinadas de maneira tal que a “relação” antagonista “das coisas” se torna compreensível a partir de sua estrutura.

    A coisa “sensível-suprassensível” designa uma realidade sui generis, que não pode ser reduzida nem aos aspectos tecnológicos e fisiológicos do processo de trabalho nem ao conteúdo da consciência e da inconsciência humana. Para Marx, a objetividade abstrata do valor é pura e simplesmente uma objetividade social. Assim, o fato de esta dimensão da realidade ser igualmente subjetiva e objetiva se distingue de todas as relações sociais que são constituídas somente pela ação consciente.

    A análise da forma de valor é importante para a teoria marxiana da sociedade em três aspectos: ela é o ponto de junção da sociologia e da teoria econômica; ela inaugura a crítica marxiana da ideologia e uma teoria específica do dinheiro que fundamenta a primazia da esfera da produção em relação à esfera da circulação e, portanto, das relações de produção em relação à “superestrutura”.

    As diferentes formas do dinheiro podem corresponder melhor à produção social em diferentes níveis, em que uma elimina males para os quais a outra não está madura; porém, nenhuma dela, na medida em que permanecem formas do dinheiro […], pode eliminar a contradição inerente à relação monetária, senão apenar representá-la numa ou noutra forma. […] Uma alavanca pode superar melhor a oposição da matéria inativa melhor que a outra. No entanto, todas se baseiam no fato de que a oposição permanece. (MEW 42, p. 58-59 [2011, p. 75])

    Para Marx, a “oposição” que se opõe a uma organização racional do processo de reprodução material é a objetividade abstrata do valor. Uma forma específica da reprodução material – o trabalho social de produtores privados – é o motivo pelo qual no materialismo histórico o processo de produção e reprodução é determinado como “base”, ao passo que as relações conscientes são determinadas apenas como “superestrutura” – “alavancas” que se baseiam no fato “de que a oposição permanece”. Na medida em que os indivíduos

    […] nem são subsumidos sob uma comunidade natural nem, de outro lado, a subsomem sob si mesmos como membros conscientes da comunidade, ela deve existir perante eles como sujeitos independentes como uma coisa igualmente independente, externa, acidental. É precisamente esta a condição para que eles, como pessoas privadas independentes, estejam simultaneamente em uma interconexão social. (MEGA II.2, p. 54)

    Dinheiro, para Marx, não é um “simples signo”, mas é ao mesmo tempo aparência e realidade: a interconexão social objetivada de indivíduos isolados. “Ele próprio é a comunidade e não pode admitir nada acima dele” (MEW 42, p. 149 [2011, p. 166]). Para a teoria nominalista do dinheiro, contudo, “ouro e prata” são “coisas sem valor, mas obtêm dentro do processo de circulação uma grandeza de valor fictícia como representantes da mercadoria. Ele é transformado pelo processo não em dinheiro, mas sim em valor” (MEW 13, p. 139 [2008, p. 207-208]). O meio de circulação é entendido exclusivamente como “véu monetário” do fluxo de mercadorias, então a circulação monetária é de todo apenas um movimento secundário. Esses teóricos ignoram, segundo Marx, a essência da inversão e, portanto, a gênese conceitual do dinheiro.

    O dinheiro é originalmente o representante de todos os valores; na prática as coisas se invertem e todos os produtos reais […] tornam-se os representantes do dinheiro. […] Enquanto preço, todas as mercadorias são de diferentes formas representantes do dinheiro. (MEW 42, p. 84, p. 122 [2011, p. 98, p. 138])

    Falta investigar se pode se comprovar uma interdependência entre a teoria nominalista do dinheiro e a teoria social pluralista.

    Voltamo-nos então, finalmente, para uma série de problemas que, embora tenham sido reconhecidos pelos autores positivistas, não foram resolvidos, mas que podem ser entendidos a partir da análise marxiana da forma de valor e demonstrar sua atualidade. A respeito da economia não-marxista, Jahn constata adequadamente:

    Para ela, o capital é ora dinheiro, ora mercadoria: de um lado, meios de produção, de outro, uma soma de valor. Permanece congelado na forma de manifestação isolada e não está em nenhuma interconexão com outros. […] O que é processado no circuito do capital não é dinheiro, nem mercadoria, nem meios de produção nem ‘trabalho’, mas sim o valor, aquilo que aparece alternadamente na forma-dinheiro, na forma-mercadoria e na forma produtiva. Apenas o valor é capaz desta metamorfose.[12]Jahn (1968), p. 332. Jahn, no entanto, erra em não apreciar suficientemente os argumentos de Erich Preisers, que define o capital apenas como capital-dinheiro. Jahn não está nem um pouco … Continue reading

    O capital é, por um lado, dinheiro, por outro, mercadoria. Aparente num terceiro. É justamente isso que irrita. Ele não é um nem a outra, e tanto um como a outra. É isso que se chama de “sobreposição”. Para pensar sobre essa sobreposição, se vê obrigado a pensar o que não se pode pensar com base na teoria do valor subjetivo: o “valor absoluto”. Algo que uma vez se representa na figura do ouro – sem, contudo, ser idêntico a este ouro enquanto ouro – e na outra como mercadoria ou até mesmo como força de trabalho. Este dilema parece ainda não se colocar na troca simples de mercadorias: a mercadoria aparece como coisa e se diferencia enquanto tal da outra coisa, o ouro. Aqui ainda se crê que é possível eliminar a análise do “nexo interno” e do “movimento interno”. Quanto ao capital, por outro lado, se é obrigado a construir uma “soma de valor abstrata”, a qual não pode ser idêntica ao ouro enquanto ouro, pois ela também deve se “encarnar” em outros bens de capital. “Todo o capital se encontra numa constante mudança de figura [Gestaltwechsel]”, escreve Zwiedineck-Südenhorst. [13]O. v. Zwiedineck-Südenhorst (1932), p. 102. Deve-se estranhar, contudo, quando os representantes da economia subjetiva falam de “mudança de figura”, adotam a fórmula marxiana da rotação do capital D1 – V – D2 e não conseguem, porém, indicar esse sujeito que possui a propriedade de executar estas “mudanças de figura”.

    Não se pode eliminar o conteúdo problemático da forma de valor ignorando-se a solução e a apresentação marxianas. Demonstra-se, a saber, o fato de os críticos da teoria do valor-trabalho constatarem ocasionalmente, num insight autocrítico, a insolubilidade justamente dos problemas que constituem o objeto da análise da forma de valor que eles ignoram. A ignorância desse nexo entre a teoria objetiva do valor, recém-criticada e rejeitada como “dogma metafísico” e os problemas quantitativos do valor apresentados nos parágrafos seguintes são expressos exemplarmente no ensaio Doktrinen der Wirtschaftswissenschaft [Doutrinas da Ciência Econômica] de Joan Robinson. A autora não compreende que com seu questionamento a respeito da qualidade das quantidades econômicas e da essência dos conceitos econômicos fundamentais, ela descreve exatamente essa problemática complexa ao redor da qual orbita o pensamento marxiano:

    Sempre é costumeiro construir modelos nos quais as quantidades de “capital” aparecem sem que se faça a menor indicação de qual deve ser esta quantidade. Assim como se contorna habitualmente o problema de dar um conteúdo prático ao conceito de utilidade desenhando um diagrama, também se foge do problema de dar um sentido à quantidade de “capital” por meio de sua tradução em álgebra. C é o capital, ΔC é o investimento. Mas o que é C? O que isso significa? Capital, naturalmente. Deve significar algo; nós queremos prosseguir com a análise e não nos cansar com sofistas pedantes que desejam saber o que significa.[14]Robison (1972), p.85

    Joan Robinson revela a situação paradoxal do economista moderno que desenvolve, por um lado, métodos matemáticos complicados para calcular o movimento dos preços e do dinheiro e, por outro, esqueceu como refletir sobre qual poderia ser o objeto de seus cálculos. No entanto, se se permanece no modo de pensar de Joan Robinson, a sua pergunta sobre a economia moderna – “Quantidade de quê?” – só pode ser caracterizada como “metafísica” a partir de sua posição; pois é precisamente esta problemática da questão da gênese da “propriedade sobrenatural” valor – ou o que dá no mesmo – da questão da “substância do valor” que é objeto das reflexões de Marx. O estilo positivista de eliminar os problemas qualitativos – “dinheiro e taxa de juros, assim como bens e poder de compra, se revelam como conceitos inconcebíveis se nós realmente buscamos apreendê-los” [15]Robinson (1972), p. 109. A teoria nominalista do dinheiro teria de lidar com o estranho fenômeno “de que os nomes dados a determinadas partes pesáveis alíquotas do ouro (metal nobre), da libra … Continue reading – corresponde àquele formalismo notório que Joan Robinson comenta da seguinte maneira:

    Os representantes modernos da economia neoclássica se refugiam em manipulações matemáticas cada vez mais complicadas e se incomodam cada vez mais com questionamentos sobre o conteúdo de suas presumidas manipulações. [16]Robinson (1972), p. 156.

    Se a apresentação determinante da teoria monetária moderna se limita nisso a definir o dinheiro como “meio de troca geral”, então ainda permanece aberta a questão do que constitui toda a diferença específica entre um meio de troca particular e esse meio universal da troca, mercadoria e dinheiro. Apenas quando se compreendeu a relação de ambos como unidade na diferença é que desaparece também o “fantasma” que força o pensamento econômico a fazer do dinheiro um “conceito inapreensível”. O fato de que a relação entre mercadoria e dinheiro só é apreensível como relação social, mas não como relação entre coisas, é uma visão em si mesma trivial e também é exprimida por representantes da economia subjetivista. Proveniente da constatação de que o valor subjetivo só tem como conteúdo uma relação psíquica entre o sujeito e um objeto, Amonn constata adequadamente: “Uma relação de natureza objetiva diferente em sua essência é daí levada à expressão no conceito do ‘valor de troca objetivo’. Esta é uma relação social“.[17] Ammon (1944), p. 134. Supõe-se que esta reflexão transforma a análise econômica numa análise sociológica. Relações sociais são, para Ammon, “fatos da consciência” e “relações de vontade”, como Estado, família, amizade, etc. “Capital, dinheiro e empresa são exatamente estes fatos sociais.[18]Ammon (1911), p. 409 et seq. Tentativas mais recentes de elaborar uma “teoria social do dinheiro” (Gerloff) ou de constituir a “economia nacional como sociologia” (Albert) não fogem da … Continue reading O capital é válido para ele como “poder social impessoal […] concentrado e abstrato”, o empresário “como portador do poder de disposição individual abstrato e concentrado”. É evidente que este conceito não satisfaz seu pedido de que se dissolva sociologicamente as categorias econômicas. “O poder de disposição abstrato” é apenas outro nome para aquela realidade econômica que deve ser explicada como relação social: o poder de compra. A transcrição tautológica de categorias induz Ammon a compreender o capital como amizade e a família puramente como “fatos da consciência”. No entanto, estas definições seriam negadas por ele quando ele constata que o poder de disposição abstrato está “vinculado a bens reais que, no entanto, são essencialmente diferentes dele”. A “vinculação” de um bem material diferencia, porém, qualitativamente o poder de disposição abstrato de outras relações sociais como a amizade ou a família. De certo modo, o que é vinculado a um bem real e que é ainda assim diferente dele coloca naturalmente um problema que foge à compreensão da teoria positivista da ação: a forma materialista da síntese.

    Uma teoria sociológica que busca deduzir as relações sociais de um consciente “relacionar-se com o outro” entre diversos indivíduos e coloca “reflexividade” e “intencionalidade” como características constitutivas das ações sociais deve fracassar, pois as categorias econômicas não podem ser reduzidas ao conteúdo da consciência e da inconsciência.

    Sua [dos produtores] “mind” [mente], sua consciência, pode não saber absolutamente nada, pois pode não existir, sobre como in fact [de fato] é determinado o valor de suas mercadorias ou de seus produtos. Elas são postas em relações que determinam sua mind [mente] sem que tenham necessidade de sabê-lo. Todos podem precisar do dinheiro enquanto dinheiro sem saber o que o dinheiro é. As categorias econômicas se espelham de maneira muito deformada na consciência. (MEW 26.3, p. 163)


    Tradução: Thiago Papageorgiou
    Revisão: Talles Lopes


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    1 Tradução do ensaio „Zur Dialektik der Wertform“, in : Backhaus, Hans-Georg. Dialektik der Wertform. Freiburg, Ça Ira, 1997, p. 41-64. As citações de Marx foram traduzidas diretamente do alemão, porém, para que o leitor possa conferi-las em seu devido contexto, incluí entre colchetes a referência às edições das mesmas obras em português (quando disponíveis). [N. T.]
    2 Schumpeter (1993), p. 44, 46 et seq.
    3 Cf. as contribuições para a discussão de O. Ledle e H. Schilar (1961) sobre a problemáticfa da Ware-Geld-Beziehung im Sozialismus [Relação mercadoria-dinheiro no socialismo].
    4 Lenin (1976), p. 170
    5 Herbert Marcuse (1979), p. 21 et seq.
    6 Rodolfo Banfi (1967), p. 172.
    7 W. Jahn (1968), p. 116 et seq.{/fn] Mesmo aqueles autores que podem afirmar que “estudaram profundamente e compreenderam toda a Lógica de Hegel” não fornecem explicações sobre como os conceitos fundamentais da teoria do valor são dialeticamente estruturados. O método dialético não pode se limitar apenas a conduzir a forma de manifestação de volta à essência: deve mostrar, a partir disso, precisamente por que a essência assume esta ou aquela forma de manifestação. Ao invés de se concentrar em interpretar trechos obscuros e inexplicáveis, a apresentação desses “filósofos” marxistas permanece no nível de uma simples referência.

    Porém, a ruptura entre as duas primeiras seções e a terceira seção não torna apenas a estrutura metodológica da teoria do valor problemática, mas dificulta, sobretudo, a compreensão do que Marx elabora com um subtítulo um tanto misterioso: [fn]Karl Korsch (1981), p. 96.

    8 F. Petry (1984), p. 16. O caráter fragmentário da teoria do fetichismo da mercadoria é reconhecido por Sartre: “a teoria do fetichismo concebida por Marx em suas linhas essenciais nunca é desenvolvida completamente” (1964, p. 64). Quando Sartre constata “a total falta de compreensão no que diz respeito a outras ideias marxistas” (p. 34) – “eles literalmente não entendem uma palavra daquilo que leem” (Ibid., nota de rodapé) –; essa acusação também se aplica a numerosos economistas marxistas no que diz respeito a sua total falta de compreensão em relação aos textos de Marx. Sua própria cegueira quanto ao problema é um exemplo perfeito para esse pensamento coisificado com o qual reprovam a economia subjetiva. Quando falam de “dialética” e “coisificação”, já pensam que já estão dispensados do esforço de “pensar em algo sob o valor” (MEW 26.3, p. 143 [1985, p. 1199]). Conceitos como “substância” do valor, “realização”, “metamorfose”, “forma de manifestação” são apresentadas com a mesma inconsciência categorial da qual Marx acusou os representantes da economia positivista.
    9 A interdependência entre a teoria do valor e a do dinheiro é discutida mais claramente por Wygodski: “Marx concebe a compreensão da categoria “dinheiro” como critério para saber se a essência da mercadoria foi realmente entendida” (1967, p. 54).{/fn] A teoria do valor foi interpretada adequadamente quando a mercadoria foi apreendida de modo tal que ela se pôs enquanto dinheiro num processo “imanente de ir além de si mesma”. Esta articulação interna da mercadoria e do dinheiro descarta aceitar a teoria marxiana do valor e rejeitar ao mesmo tempo a teoria do dinheiro estabelecida com ela. A “rudeza e a ausência de conceito de relacionar arbitrariamente” a esfera da produção e a esfera da circulação “uma à outra” – “a unidade complementar orgânica” –, de uni-las numa simples relação de reflexão, típica da intepretação da escola austromarxista, é demonstração da incapacidade de compreender a teoria do valor como análise da forma de valor.

    2. A relação entre a teoria do valor de marca marxista e o fenômeno da coisificação permanece obscura. No entanto, Marx sublinha expressamente na quarta seção: “A tardia descoberta científica de que os produtos dos trabalhos, na medida em que são valor, são meramente expressões materiais do trabalho humano despendido em sua produção inaugura uma época na história do desenvolvimento da humanidade, porém não afasta de modo algum a aparência objetiva do caráter social do trabalho. A determinação da grandeza do valor através do tempo de trabalho […] é um segredo ocultado sob os movimentos aparentes dos valores relativos das mercadorias. […] Sua descoberta elimina a aparência de determinação puramente acidental das grandezas dos produtos do trabalho, mas não elimina de modo algum sua forma coisificada” (MEW 23, p. 88-89 [2013, p. 149-150]). Esta afirmação clara, porém, não impede inúmeros autores de declarar precisamente esse “segredo ocultado sob os movimentos aparentes dos valores relativos das mercadorias” como o objeto de investigação da teoria marxiana do fetichismo da mercadoria. Segundo esta interpretação, o que constitui o “caráter místico” da mercadoria é o “segredo” da grandeza do valor, não o “segredo” desta “aparência objetiva” ou da “forma coisificada”. Mas então já se havia enxergado a gênese da coisificação com as descobertas da teoria clássica do valor-trabalho. Novamente se demonstra que uma apresentação isolada da teoria do valor não permite mais distinguir a diferença essencial entre a análise de Marx e a análise clássica.

    Pode se caracterizar assim a apresentação do fetichismo da mercadoria que não percebe a essência: os autores se referem a alguns trechos do capítulo de O capital sobre o fetichismo e os interpretam conceitualmente, na maioria das vezes terminologicamente, à essência da Ideologia Alemã – um manuscrito no qual Marx e Engels negligenciam a importância da teoria do valor-trabalho. A respectiva citação diz: aos produtores, “as relações  sociais entre seus trabalhos privados aparecem como são, ou seja, não como relações imediatamente sociais entre seus próprios trabalhos, mas, pelo contrário, como relações coisificadas entre pessoas e relações sociais entre coisas” (MEW 23, p. 87, grifo nosso [2013, p. 148]). Lê-se nesta citação que as relações sociais “se autonomizaram” em relação aos seres humanos, uma afirmação que constitui o tema dos primeiros textos [de Marx] e que se tornou o lugar-comum da crítica cultural conservadora sob o chavão “alienação” e “despersonalização”. O que importa para a crítica da economia política, porém, não é a mera descrição da situação, mas sim a análise de sua gênese.

    Uma interpretação genuína do caráter fetichista tem de dividir e investigar, então, este texto da seguinte maneira:

    1. Como é estruturada, para Marx, “a relação social entre coisas”?
    2. Por que e até que ponto pode se conceituar a “relação entre coisas” apenas como “uma mera forma de manifestação, externa à própria relação, sob a qual se ocultam as relações humanas?” Disto, seguem-se mais perguntas.
      a. As “relações humanas” são definidas como “relações sociais de trabalhos privados” ou definidas também como “relações sociais dos produtores com o trabalho total”. O que significam os conceitos “relação” e “trabalho total”?
      b. O que caracteriza o fundamento, por que as “relações sociais” necessariamente “aparecem” como um outro para a consciência?
      c. O que constitui a realidade desta aparência: de que maneira é esta aparência mesma ainda um momento da realidade?
      d. Como se deve entender a gênese da objetividade abstrata do valor; de que modo o sujeito se “objetiva” a si mesmo como objeto? Estas circunstâncias misteriosas podem ser descritas como segue: o valor de um produto enquanto pensamento é diferente de si mesmo como produto. Por outro lado, contudo, o valor só é valor de um produto e aparece como tal como “forma ideal” de algo material. Enquanto pensamento, o valor é “imanente” à consciência. Desta maneira, contudo, seu ser [do valor] não é conhecido; ele se coloca contrário à consciência como algo estranho. A realidade do produto do trabalho já está pressuposta. Problemático aqui é apenas o fato de os produtos do trabalho assumirem uma “figura fantástica diferente de sua realidade” e não a constituição do ens quas ens [ser enquanto ser].

    Aqui lidaremos apenas com a primeira questão: como Marx descreve essa estrutura que ele caracteriza como “relação social entre coisas”? Primeiro, é preciso lembrar-se que os valores de uso sempre já estão postos na forma-preço. Neste sentido, a expressão de que a equação de dois valores de uso produz uma relação está equivocada: casaco e linho não são igualados, mas já estão igualados. A equação é feita porque eles são igualados a um terceiro, o ouro, e eles são iguais um ao outro por esse caminho tortuoso. A relação de valor é invariavelmente expressão de valor. Contudo, esta igualação é, então, apenas segundo os termos do conteúdo de valor, mas uma desigualação quanto à forma: um produto se torna mercadoria, o outro, dinheiro. A relação entre as coisas, a “relação de valor”, é como “expressão de valor” a relação entre mercadoria e dinheiro. Como preço, os produtos são “apenas quantidades diferentes do mesmo objeto” (MEW 13, p. 33 [2008, p. 75]), “apenas quantidades de ouro de diferentes grandezas” (MEW 13, p. 54 [2008, p. 100]). Na medida em que as mercadorias já são “representadas como preços em dinheiro […], eu posso compará-las; elas já estão de fato comparadas. No entanto, para representar os valores como preços, o valor das mercadorias deve ter representado a si mesmo anteriormente como dinheiro” (MEW 26.3, p. 161 [1985, p. 1215]).

    Este problema implica na resposta para a pergunta: “Como eu posso representar em geral uma mercadoria em outra ou representar mercadorias como equivalentes?” O conteúdo da análise marxiana da forma de valor é a gênese do preço enquanto preço. Ao contrário da teoria clássica do valor-trabalho, agora se reconhece a “transição” do valor ao valor de troca ou preço como problema:

    Uma das deficiências fundamentais da economia política clássica está no fato de ela nunca ter conseguido descobrir a partir da análise da mercadoria e especialmente do valor das mercadorias a forma do valor que o converte justamente em valor de troca. (MEW 23, p. 95, nota de rodapé 32 [2013, p. 155, nota de rodapé 32])

    Continuava oculto para os ricardianos que sua afirmação de que o trabalho determinava o valor da mercadoria permanece externo ao próprio conceito de valor: o fator determinante e o objeto determinante dessa declaração permanecem diferentes e não estão em uma “interdependência interna”. O trabalho ainda se relaciona, então, com o valor como algo estranho a ele, ao passo que a grandeza do valor é determinada como função da quantidade de trabalho despendido. Então, a premissa fundamental da economia clássica é meramente uma garantia – um “dogma metafísico”. Samuel Bailey, um precursor da teoria subjetivista do valor, atingiu um ponto dolorido da escola clássica com sua crítica: “Se os ricardianos respondem Bailey de maneira grosseira, mas não convincente, fazem-no apenas porque não encontram no próprio Ricardo nenhuma explicação sobre a interdependência interna entre valor e a forma do valor ou o valor de troca” (MEW 23, p. 98, nota de rodapé 36, grifos nossos, [2013, p. 158, nota de rodapé 36]). O “valor absoluto” da escola de Ricardo poderia, com base nisto, ser criticado por Bailey como uma “propriedade da mercadoria”, “intrínseca a ela” (Citado em MEW 26.3, p. 137-138[1985, p. 1194-1195]) e, assim, como uma “invenção escolástica”. Bailey coloca a questão: “‘Possuir um valor’, ‘transferir uma parte do valor, a soma ou a totalidade do valor, etc. […] eu não sei o que tudo isso quer dizer” (citado em MEW 26.3, p. 129 [1985, 1187]). Ele antecipa a crítica do subjetivismo moderno quando ele repreende Ricardo: “Uma coisa pode ser tão pouco valiosa por si mesma sem referência à outra coisa” (Citado em MEW 26.3, p. 140 [1985, p. 1197]). “O valor de uma mercadoria tem que ser seu valor em alguma coisa. […] É impossível determinar ou expressar o valor de uma mercadoria salvo através de uma quantidade de alguma outra mercadoria” (Citado em MEW 26.3, p. 144 [1985, p. 1200]). Para Bailey, valor e valor de troca são idênticos e definidos como uma relação puramente quantitativa de valores de usos. De fato, o valor é expresso apenas como “valor relativo”, como uma relação entre coisas. Porém, “a mercadoria não defronta simplesmente o dinheiro; mas seu valor de troca aparece como seu ideal como dinheiro, como preço ele é dinheiro ideal” (MEGA II.2, p. 69). A relação entre mercadoria e dinheiro também não é apenas estruturada de um modo quantitativo, mas misterioso: como mercadorias, os produtos são “quantidades ideais de ouro”; o ouro, porém, é a realidade de “seu próprio preço” (MEGA II.2, p. 69). A tentativa de Bailey de reduzir o valor a uma relação puramente quantitativa escamoteia, então, a problemática da equação mercadoria-dinheiro. “Porque ele a encontra expressa na expressão monetária, ele não precisa compreender como essa expressão se torna possível […] e o que ela de fato expressa” (MEW 26.3, p. 155 [1985, p. 1209]) – Marx critica a posição subjetivista de tal modo que seu sentido fundamental para a crítica do positivismo moderno, especialmente do positivismo da análise linguística, foi compreendido inadequadamente: “Isso nos mostra o tipo de crítica que gosta de afastar as dificuldades que se encontram nas determinações contraditórias das coisas mesmas como produtos de reflexão ou conflitos de definições” (MEW 26.3, p. 129 [1985, p. 1187]). “O fato de o paradoxo da realidade se expressar em paradoxos linguísticos que contradizem o senso comum, aquilo que os vulgares querem dizer e sobre o que acreditam estar falando, é óbvio. A contradição que resulta do fato de que […] o trabalho privado se representa como social geral reside na coisa, não na expressão linguística da coisa” (MEW 26.3, p. 134 [1985, p. 1192]). Porém, também se deve entender, a partir de sua minuciosa discussão com Bailey, que Marx leva a sério o “núcleo racional” da crítica semântica. O “valor absoluto” que expressa apenas sua “própria quota e quantidade” é de fato um paradoxo linguístico ou uma “mistificação”, mas um “paradoxo da realidade” ou uma “mistificação real” (MEW 13, p. 35; grifos nossos). Como uma “relação entre pessoas”, ela só se torna decifrável pela primeira vez quando a mediação entre valor “absoluto” e “relativo” é demonstrada.

    A afirmação de Marx de que os ricardianos se interessam exclusivamente pelo determinante da grandeza do valor – “a forma enquanto tal” lhes é “indiferente precisamente porque é natural” (MEW 42, p. 249 [2011, p. 261]); as categorias econômicas “são válidas para sua consciência burguesa como […] uma necessidade natural óbvia” (MEW 23, p. 95-96 [2013, p. 156]) – vale também para a economia atual. A eliminação da problemática da forma, segundo Marx, deve reconduzir ao fato de que a economia da escola se atém às determinações da lógica formal: “Não é muito surpreendente o fato de os economistas, inteiramente sob impacto dos interesses materiais, terem negligenciado o conteúdo formal da expressão relativa do valor, quando, antes de Hegel, os profissionais da lógica negligenciaram o conteúdo formal dos paradigmas do julgamento e do desfecho (MEGA II.5, p. 32, nota de rodapé 20 [2021, p. 133, nota de rodapé 28]).

    Não se deve separar a análise da estrutura lógica da forma de valor da análise de seu conteúdo histórico-social. A teoria clássica do valor-trabalho, porém, não levanta a questão de acordo com a natureza histórico-social daquele trabalho que se apresenta como “constituinte de valor”. Não se reflete sobre a implantação do trabalho em uma forma que lhe é estranha: “Com Franklin, o tempo de trabalho se apresenta prontamente e de uma maneira unilateralmente economicista como medida dos valores. A transformação dos produtos reais em valores de troca é evidente” (MEW 13, p. 42 [2008, p. 85]). A “unilateralidade economicista” repreendida por Marx consiste no fato de que a economia opera como um ramo separado da divisão científica do trabalho no plano dos objetos econômicos já constituídos.

    A economia política analisou […], ainda que incompletamente, o valor e a grandeza do valor e descobriu nestas formas o conteúdo nelas oculto. Ela nunca levantou a questão, contudo, por que este conteúdo assumir essa forma, por que o trabalho se representar, então, no valor dos produtos do trabalho. (MEW 23, p. 94-95; grifos nossos [2013, p. 154-155])

    Os ricardianos de esquerda, que desenvolveram uma teoria do “salário justo”, perguntam então: “Se o tempo de trabalho é imanente à medida do valor, por que tomamos outra medida externa? Se o trabalho determina o valor da mercadoria, o cálculo deve ser visto apenas como um “desvio” e ser descartado em sua função de ocultar a exploração. Os produtos devem ser calculados imediatamente em unidades de tempo de trabalho e o dinheiro deve ser substituído por certificados de trabalho. Eles não levantam a questão de por que na produção de mercadorias o trabalho se expressa como valor de troca de um produto, como “uma propriedade objetiva possuída por eles” (MEW 19, p. 20). Marx enxerga o fundamento oculto para a existência do cálculo do valor numa contradição típica da essência da esfera da produção: na contradição entre o trabalho privado e o trabalho social, eminentemente importante para sua teoria social. O fato de na produção de mercadorias o trabalho social ser realizado apenas como trabalho social de produtores privados – esta contradição fundamental se exprime na contradição derivada de que a troca de atividades e produtos deve ser mediada por um produto particular e ao mesmo tempo universal. Com todo o rigor de sua crítica aos socialistas utópicos, Marx também considera que a demanda pela abolição do cálculo do valor era factível – naturalmente, apenas se a produção de mercadorias, isto é, a produção de indivíduos independentes para o mercado, fosse eliminada. Esta exigência é uma consequência imprescindível, um elemento fundamental substancial e não só acidental da teoria do valor de Marx. O sentido verdadeiro da “crítica das categorias econômicas” consiste, portanto, de indicar as condições sociais que tornam a existência da forma de valor necessária. “A análise da forma dominante do trabalho é simultaneamente análise dos pré-requisitos de sua abolição. […] [As] categorias [marxianas] são negativas e ao mesmo tempo positivas: elas detalham um estado negativo à luz de sua abolição positiva”. [fn] Marcuse (1979), p. 260.

    10 georg Simmel (1989), p. 38
    11 Adorno (1993), p. 95.
    12 Jahn (1968), p. 332. Jahn, no entanto, erra em não apreciar suficientemente os argumentos de Erich Preisers, que define o capital apenas como capital-dinheiro. Jahn não está nem um pouco preocupado em eliminar o conceito de “metamorfose”: “Me parece ser pouco adequado caracterizar como metamorfose do capital esta simples situação ou obscurecê-la por meio de outra imagem. O dinheiro não pode se transformar em mercadoria, a vida econômica não é um espetáculo de magia” (Bildung und Verteilung des Volkseinkommens [Produção e Distribuição da Riqueza Nacional], p. 106). A afirmação de que o paradoxo linguístico expressa um paradoxo da realidade permanece apenas uma mera promessa enquanto a teoria marxista não puder demonstrar como as relações sociais são constituídas de modo que se representa necessariamente como metamorfose da mercadoria e do dinheiro. No entanto, é duvidoso se a economia dominante é capaz de manter a eliminação do conceito de capital produtivo ou real em todas as subdisciplinas. Schneider concorda com a posição de Preiser de que é possível descrever exatamente os processos econômicos relevantes sem empregar o conceito do capital. Em sua apresentação da teoria do crescimento, os conceitos “capital-produtor” e “reserva de capital”, até então negados, surgem como a fênix das surge das cinzas.
    13 O. v. Zwiedineck-Südenhorst (1932), p. 102.
    14 Robison (1972), p.85
    15 Robinson (1972), p. 109. A teoria nominalista do dinheiro teria de lidar com o estranho fenômeno “de que os nomes dados a determinadas partes pesáveis alíquotas do ouro (metal nobre), da libra esterlina, do xelim, do pence, etc. através de algum processo inexplicável se comportam autonomamente diante da substância da qual elas são o nome” (MEW 42, p. 690 [2011, p. 674]). Diferentemente dos fundadores da teoria não metalista do dinheiro, a quem esse “processo inexplicável” ainda irritava, os manuais modernos sobre a teoria do dinheiro não consideram esses problemas nem sequer dignos de nota. Knapp constata afinal: “Dificilmente se poderia dar uma definição real do meio de pagamento” (Knapp, 1918, p. 6). Segundo seu aluno Elster, ele acreditava “que deveria considerar o conceito do meio de pagamento, cuja definição ele não poderia estabelecer com sucesso, como um daqueles conceitos finais e originais que não são mais definíveis de outra maneira” (Elster, 1923, p. 4 et seq.). O próprio Elster fala sobre o problema da ciência “em cuja solução não consigo acreditar. […] As relações mentais internas dos seres humanos com o objeto da ciência – o benefício, como o prazer, o qual o economista busca […], os fatos psíquicos não são capazes de nunca e em momento algum alcançar expressão numérica. Elas pertencem a dois mundo completamente diferentes: o valor e o número, isto é, o preço”. Os representantes da teoria subjetiva do valor estão aqui “diante de um daqueles problemas que não são mais compreensíveis pela consciência humana” (Knapp, 1918, p. 52 et seq.).
    16 Robinson (1972), p. 156.
    17 Ammon (1944), p. 134.
    18 Ammon (1911), p. 409 et seq. Tentativas mais recentes de elaborar uma “teoria social do dinheiro” (Gerloff) ou de constituir a “economia nacional como sociologia” (Albert) não fogem da posição de Ammon. Segundo Albert, “a interpretação sociológica da problemática do preço […]” conduz “da teoria do valor à análise do poder. […] O fenômeno do poder transforma-se com isso no problema central de uma economia nacional, a qual é entendida como parte essencial integrante da sociologia” (Albert, p. 49b).

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