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I. Introdução

Neste paper, apresentarei partes da pesquisa de doutorado na qual estou trabalhando. O tema dela é o poder econômico do capital, isto é, os processos e mecanismos através dos quais a lógica do capital se reproduz como “a potência econômica da sociedade burguesa que tudo domina”.[1]MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 87. Através de um debate crítico com a crítica da economia política de Marx, a pesquisa consistirá numa tentativa de contribuir para o desenvolvimento de um aparato teórico que nos permitirá alcançar uma compreensão melhor de como a lógica do valor que se autovaloriza reproduz seu controle sobre a reprodução social.

O capitalismo veio ao mundo “escorrendo sangue e lama por todos os poros, da cabeça aos pés”[2]MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 539. , como afirma Marx em O Capital. Uma enorme quantidade de violência foi necessária para expropriar os camponeses e forçá-los “a uma disciplina necessária ao sistema de trabalho assalariado”.[3] Ibid., p. 526 Uma vez estabelecida, porém, a coerção física direta deixou de ser o principal meio pelo qual as relações de produção são reproduzidas. Como afirma Marx:

[…] a coerção muda exercida pelas relações econômicas sela o domínio do capitalista sobre o trabalhador. A violência extraeconômica, direta [Außerökonomische, unmittelbare Gewalt], continua, é claro, a ser empregada, mas apenas excepcionalmente. Para o curso usual das coisas, é possível confiar o trabalhador às “leis naturais da produção”, isto é, à dependência em que ele mesmo se encontra em relação ao capital, dependência que tem origem nas próprias condições de produção e que por elas é garantida e perpetuada.[4] Ibid, idem

Em certo sentido, minha pesquisa de doutorado é uma tentativa de compreender essa passagem. Que é esta “coerção muda”, como ela se distingue da “violência extraeconômica”, e o que significa dizer que a dependência do trabalhador “tem origem” nas e é “garantida e perpetuada” pelas “próprias condições de produção”?  

A ideia de Marx é a de que o capitalismo envolve uma forma específica de poder econômico — uma forma de poder que é abstrata, impessoal e estrutural. Meu argumento é que esta forma de poder tem sido negligenciada na tradição marxista. No marxismo tradicional do período da Segunda Internacional, considerava-se que as relações de produção eram determinadas pelas forças produtivas, as quais, por sua vez, presumiam-se como tendo uma tendência imanente ao desenvolvimento. Isto equivale a uma naturalização e, portanto, a uma despolitização da economia. Posteriormente, os marxistas inverteram esta conexão e insistiram na primazia das relações de produção. Isto não resultou, contudo, numa explicação satisfatória do poder econômico. Tem havido, e ainda há, uma tendência a tratar o poder nos termos da distinção entre violência/coerção/dominação e ideologia/consenso/hegemonia, uma distinção que muitas vezes tem sido implicitamente considerada exaustiva.[5] POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. São Paulo: Edições Graal: 1980, p. 87-89. Isto tem conduzido a um foco no Estado e na ideologia como as principais instituições e mecanismos através dos quais o poder é exercido. O poder coercitivo do Estado, bem como as formas ideológicas que emergem das relações capitalistas de produção são, é claro, partes integrantes do capitalismo e necessários para a reprodução das relações de produção. Mas não são as únicas formas de poder no capitalismo. A “coerção muda” do poder econômico é algo distinto — não pode ser reduzida nem à violência, tampouco à ideologia.

Uma teoria do poder econômico deve tomar como ponto de partida a rejeição que Marx consistentemente faz à despolitização da economia. A economia deve ser compreendida como um sistema de poder.[6] PALERMO, Giulio. “The ontology of economic power in capitalism: mainstream economics and Marx”. Cambridge Journal of Economics, vol. 31, n. 4, p. 539-561, jul./2007. Muitos críticos de Marx não reconhecem isso. Foucault, por exemplo, acreditava que a obra de Marx “trata-se de uma economia política ricardiana [c’est une économie politique de type ricardien]” [7]FOUCAULT, Michel. “Entretien avec Michel Foucault”. Dits et Écrits. Tome IV: 1980-1988. Paris: Gallimard, 1994, p. 70. e sustentava que “[…] enquanto o sujeito humano é colocado em relações de produção e de significação, é igualmente colocado em relações de poder muito complexas” [8]Os escritos de Foucault sobre o poder contêm insights muito bons, inclusive para a análise do poder econômico, e pretendo incorporar alguns deles em minha tese. Mas isto não altera o fato de que … Continue reading — como se relações de produção não fossem relações de poder. [9]FOUCAULT, Michel. “O Sujeito e o Poder”. In: DREYFUS, Hubert L.; RABINOW, Paul. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: … Continue reading A crítica de Poulantzas a ele (e a Deleuze) vai, portanto, direto ao ponto: “O processo econômico é luta de classes e, portanto, relações de poder.”[10]POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. São Paulo: Edições Graal: 1980, p. 41; Cf. WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra Capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São … Continue reading

II. Teoria da forma-valor   

          Há, naturalmente, algumas exceções importantes à tendência de negligenciar o poder econômico do capital na tradição marxista (ou marxiana/marxológica, se preferir). Uma delas é o marxismo político, especialmente a obra de Ellen Meiksins Wood. Ela constantemente enfatiza que “[a] coerção nas sociedades capitalistas é então exercida […] indireta e impessoalmente pelas compulsões do mercado”. [11]WOOD, Ellen Meiksins. O império do capital. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 22. Wood tem coisas muito boas a dizer sobre esse tema, mas aqui não vou me concentrar no marxismo político — em vez disso, vou examinar outra tradição marxista que também tem conseguido trazer à tona alguns dos funcionamentos do poder no capitalismo: a chamada teoria da forma-valor (TFV), uma categoria ampla e de certo modo imprecisa que abrange correntes como Neue Marx-Lektüre [Nova Leitura de Marx] (por exemplo, Hans-Georg Backhaus, Helmut Reichelt, Michael Heinrich, Ingo Elbe), Systematic Dialectics [Dialética Sistemática ou “Nova Dialética”] (por exemplo, Chris Arthur, Tony Smith, Geert Reuten), Wertkritik [Crítica do Valor] (por exemplo, as revistas krisis e Exit!, Robert Kurz, Roswitha Scholz, Anselm Jappe) e teóricos como Isaak Rubin, Roman Rosdolsky, Werner Bonefeld, Moishe Postone e Patrick Murray.

          Os teóricos desta tradição têm enfatizado a especificidade da forma abstrata, impessoal e estrutural de poder que emerge como um resultado da universalização da forma mercadoria. Em sua concepção de poder econômico no capitalismo, o valor exerce uma dominação universal à qual todas as pessoas estão sujeitas: um poder que transcende diferenças de classe. O poder do capital não consistiria na dominação de uma classe por outra, mas na dominação de todas as pessoas pelas estruturas sociais de uma sociedade em que as relações sociais são mediadas por coisas.[12]REITTER, Karl. “Vorwort”. In: REITTER, Karl (ed.). Karl Marx: Philosoph der Befreiung oder Theoretiker des Kapitals? Zur Kritik der “Neuen Marx-Lektüre”. Viena: Mandelbaum Verlag, 2015.

            A seguir, apresentarei uma análise crítica desta perspectiva sobre o poder econômico do capital. Argumentarei que a TFV gerou muitos insights valiosos sobre a natureza do poder no capitalismo, mas que não fornece um compreensão adequada do poder econômico do capital. A rejeição do poder de classe resulta, argumentarei, em uma compreensão abstrata e unilateral das relações de poder no capitalismo.

            Um dos grandes méritos da TFV é destacar que Marx estava elaborando uma crítica da economia política, e não construindo uma teoria econômica que pudesse competir com a economia política clássica. A teoria do valor não é uma teoria dos preços, mas uma análise crítica das relações sociais numa sociedade na qual a mercadoria é a forma social geral dos produtos do trabalho. O valor é um conceito elaborado para captar as determinações da forma social do trabalho no capitalismo.[13]Cf. ELSON, Diane. “The Value Theory of Labour”. In: ELSON, Diane (ed.). Value: The Representation of Labour in Capitalism. Londres & Nova York: Verso Books, 2015; HEINRICH, Michael. Die … Continue reading

            Mas qual é esta forma social do trabalho? Primeiramente, o trabalho é privado e independente. A ausência de uma organização central da divisão do trabalho e da produção total da sociedade antes do processo de produção significa que o mercado ocupa a função de regulação e alocação do trabalho social. Os produtores só entram em contato uns com os outros no mercado, onde trocam seus produtos. Ao fazê-lo, eles reduzem, na prática, os vários trabalhos concretos despendidos no processo de produção a trabalho homogêneo, abstrato. O valor é, assim, uma forma de “socialização retroativa [nachträgliche Vergesellschaftung]”, como denomina Heinrich: [14]HEINRICH, Michael. Indivíduo, personificação e dominação impessoal na crítica da economia política de Marx. Zero à esquerda. Disponível em: … Continue reading no capitalismo, a organização social da produção assume a forma de um processo de “validação” pelo mercado, por meio da redução de todo o trabalho a trabalho abstrato, um processo que ocorre após o processo de produção. O caráter privado do trabalho no capitalismo é, assim, um modo específico de organizar a interconexão social de diferentes processos de trabalho.

III. O desaparecimento da classe

O modelo de poder prevalecente na TFV é essencialmente feuerbachiano. A analogia entre o domínio da economia e a inversão religiosa entre sujeito e objeto é esboçada pelo próprio Marx, não apenas em seus escritos de juventude, mas também nos manuscritos dos anos 1860: “Assim como na religião o homem é dominado pelo produto de sua própria cabeça, na produção capitalista ele o é pelo produto de suas próprias mãos”. [15]MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 455. Cf. também: “E só existe porque tanto na realidade quanto … Continue reading

O poder do valor é, assim, entendido como a ossificação das estruturas sociais, que conduz à transformação destas em um “poder estranho” que confronta os membros da sociedade. Nesse sentido, o poder do capital não deve ser compreendido como a dominação de uma classe por outra, mas como “a autodominação do trabalho”.[16]POSTONE, Moishe. Tempo, Trabalho e Dominação Social. São Paulo: Boitempo, 2014, p 212 A concepção de Postone acerca das relações de poder capitalistas representa a maior parte da TFV:

[…] a dominação social no capitalismo, no seu nível mais fundamental, não consiste na dominação das pessoas por outras pessoas, mas na dominação das pessoas por estruturas sociais abstratas constituídas pelas próprias pessoas. Marx tentou apreender essa forma de dominação abstrata e estrutural – que abrange e se estende além da dominação de classe – com as suas categorias de mercadoria e capital. […] a forma de dominação social que caracteriza o capitalismo não é uma função da propriedade privada, da propriedade pelos capitalistas do produto excedente e dos meios de produção; pelo contrário, ela se baseia na forma de valor da riqueza em si […].[17]Ibid., p. 46.

  A forma de poder implícita na forma valor é caracterizada como abstrata, coisal, impessoal e estrutural. É abstrata porque o capital é o movimento autorreferente de abstrações reais materializadas, isto é, dinheiro e mercadorias. É impessoal porque este poder não sujeita as pessoas a alguém específico ou a um grupo específico de pessoas, mas ao capital como “sujeito automático”. Pessoas concretas são apenas as personificações de funções sociais. É coisal no sentido de que é o movimento de coisas — mercadorias e dinheiro — no mercado que domina as pessoas. É estrutural porque este poder é uma consequência da estrutura social básica da produção no capitalismo, isto é, o fato de que a produção ocorre de maneira privada e independente sendo mediada através do mercado.

  Esta configuração é oposta às formas predominantes de poder em modos de produção pré-capitalistas, que assumiam principalmente a forma da coerção direta, “extraeconômica”, e de relações de dependência pessoal. O escravo ou o camponês feudal estavam imersos em redes de dependência pessoal mantidas pela (ameaça de) violência, enquanto, no capitalismo, o “trabalhador livre” é dominado por um sistema de abstrações econômicas.

            O desaparecimento da classe já era perceptível na obra de Adorno, que é, juntamente com Rubin, o mais importante precursor da TFV. Embora ele tenha apontado que “a relação de troca é na realidade pré-formada pela relação de classe [Das Tauschverhältnis ist in Wirklichkeit präformiert durch die Klassenverhältnisse]”,[18]BACKHAUS, Hans-Georg. Dialektik der Wertform: Untersuchungen zur marxschen Ökonomiekritik. Friburgo: ça ira, 1997, p. 506. a tendência geral em suas obras é a de afirmar que “todos devem se sujeitar às leis da troca”. [19]ADORNO, Theodor W. “Gesellschaft”. Gesammelte Schriften. Vol. 8. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1972, p. 14. Cf. também ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de … Continue reading Com Reichelt e Backhaus, que foram ambos alunos de Adorno, as classes simplesmente saem de cena. [20]ENDNOTES. Endnotes 2: Misery and the Value Form. Londres & Oakland: Endnotes, 2010, p. 99; REICHELT, Helmut. Neue Marx-Lektüre: Zur Kritik sozialwissenschaftlicher Logik. Friburgo: ça ira, … Continue reading As gerações posteriores de pensadores no interior da “Nova Leitura”, como Heinrich e Elbe, são mais explícitos quanto a essa questão. Elbe, Ellmers e Eufinger argumentam que o capitalismo é caracterizado pela “dominação das estruturas sobre todos os agentes na sociedade burguesa”.[21]ELBE, Ingo; ELLMERS, Sven; EUFINGER, Jan. “Einleitung”. In: ELBE, Ingo; ELLMERS, Sven; EUFINGER, Jan (ed.). Anonyme Herrschaft: Zur Struktur moderner Machtverhältnisse. Münster: Westphälisches … Continue reading

            O ataque mais agressivo ao conceito de classe vem da tradição da Wertkritik. [22]Cf. HANLOSER, Gerhard; REITTER, Karl. Der bewegte Marx: Eine einführende Kritik des Zirkulationsmarxismus. Münster: Unrast Verlag, 2008, p. 26. Kurz e Lohoff argumentam que “a forma mercadoria e o fetiche incorporado em seu núcleo produtivo são as reais categorias essenciais [die wirklichen Wesenskategorien] da relação de capital — classes e luta de classes são as aparências superficiais desta essência”.[23]KURZ, Robert; LOHOFF, Ernst. “Der Klassenkampf-Fetisch. Thesen zur Entmythologisierung des Marxismus”. krisis. Kritik der Warengesellschaft, 1989. De acordo com eles, a relação entre trabalhador e capitalista é meramente uma relação de mercado entre possuidores de diferentes tipos de mercadorias, e a classe trabalhadora é meramente a máscara personificada ou a personificação do capital variável. [24]Ibid.; Cf. também: KURZ, Robert. Geld ohne Wert: Grundrisse zu einer Transformation der Kritik der politischen Ökonomie. Berlim: Horlemann, 2012, p. 77, 252, 289; LINDEN, Marcel van der. Workers of … Continue reading Jappe defende a mesma perspectiva: a “contradição fundamental, real” no capitalismo é aquela entre “o valor e as atividades e necessidades sociais concretas”, e o antagonismo de classe é meramente uma forma “derivada” desta contradição principal. [25] JAPPE, Anselm. Die Abenteuer der Ware. Für eine neue Wertkritik. Münster: Unrast Verlag, 2005, p. 80ss. Cf. também p. 95. Postone também defende que a dominação de classe é “uma função de uma forma superior ‘abstrata’ de dominação”.[26] POSTONE, Moishe. Tempo, Trabalho e Dominação Social. São Paulo: Boitempo, 2014, p 150.

  Heinrich é, como frequentemente é o caso, mais nuançado do que os outros teóricos da forma-valor. Ele reconhece explicitamente que a universalização da forma mercadoria pressupõe que os produtores imediatos estejam separados das condições de trabalho, isto é, pressupõe a relação de capital compreendida como uma relação de classe. [27]HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition. Münster: Westphälisches Dampfboot, … Continue reading No entanto, relações de classe ainda ocupam apenas um lugar secundário em sua abordagem das relações sociais fundamentais e dos modos de dominação no capitalismo. Repetindo um argumento comum na TFV, ele destaca que as lutas de classe são “lutas no interior do sistema capitalista” que asseguram “a existência a longo prazo da exploração capitalista”.[28]Cf., por exemplo, sua análise das classes em HEINRICH, Michael. An Introduction to the Three Volumes of Karl Marx’s Capital. Nova York: Monthly Review Press, 2012, p. 191ss; Em sua obra principal … Continue reading Ele critica a noção de que o cerne da análise de Marx é demonstrar que categoriais como valor, dinheiro e capital são expressões de um antagonismo de classe: “Dessa maneira, acentua-se apenas o que uma sociedade capitalista tem em comum com todas as outras sociedades de classes. Marx está preocupado com a especificidade das relações sociais no capitalismo, ou seja, o que estas relações não têm em comum com as relações em outras sociedades: esta especificidade consiste precisamente no fato de que as relações econômicas entre os seres humanos estão ‘escondida[s] sob um invólucro material [dinglicher]’”. [29]HEINRICH, Michael. Indivíduo, personificação e dominação impessoal na crítica da economia política de Marx. Zero à esquerda. Este é um argumento comum na TFV, mas como meu foco neste paper … Continue reading Heinrich se distancia das “muitas correntes do marxismo tradicional [que] compreendiam a análise marxiana do capital primariamente como uma análise de classe” e destaca que “falar de classe não é algo específico a Marx”.[30]HEINRICH, Michael. Wie das Marxsche «Kapital» lesen? Leseanleitung und Kommentar zum Anfang des «Kapital». Teil 1. 2 ed. Stuttgart: Schmetterling Verlag, 2009, p. 181

Bonefeld ocupa um lugar especial na TFV, ao insistir na relevância crítica da categoria de classe. Ele explicitamente recusa a “tentativa corajosa, mas sem sucesso, de banir o antagonismo de classe da crítica da economia política” por Postone e pela Nova Leitura de Marx. [31]BONEFELD, Werner. Critical Theory and the Critique of Political Economy. Londres: Bloomsbury, 2014, p. 7; BONEFELD, Werner. “On Postone’s Courageous but Unsuccessful Attempt to Banish the Class … Continue reading Assim como Heinrich, ele destaca que uma “classe de trabalhadores sem acesso independente aos meios de subsistência é a premissa fundamental das relações sociais capitalistas”.[32]BONEFELD, Werner. Critical Theory and the Critique of Political Economy. Londres: Bloomsbury, 2014, p. 11, 79. No entanto, embora seja possível encontrar estas afirmações bastante claras sobre o status da dominação de classe no capitalismo, a tendência geral em seu argumento tende a minimizar o papel da classe ou a subsumi-la sob as inversões fetichistas, como quando ele escreve que “na melhor das hipóteses, a crítica da economia política de Marx não consiste em uma teoria social das classes. Ela consiste, na verdade, em uma crítica do ‘capital’ como uma ‘relação social entre pessoas que é mediada por coisas’”. [33]Ibid., p. 101. Seus textos estão impregnados com a retórica da inversão, perversão, fetichismo, reificação, loucura, absurdidade, mistificação, monstruosidade, irracionalidade e do mundo enigmático, oculto e encantado do valor — expressões que se referem à temática do fetichismo e da dominação universal, não específica a uma classe, do valor.*[34]* Esta retórica constantemente repetida é típica da TFV. É bastante dominante em Backhaus, Kurz, Jappe e Bonefeld, e menos presente em Postone e Heinrich. Algumas coisas que ele diz sobre classe são meras variações destes termos, com “fetiche” ou “inversão” substituídos por “classe”: “Uma teoria crítica das classes não trata da classificação de pessoas; ela pensa na e através da sociedade para compreender sua inverdade existente”; “Classe (…) é uma categoria sobre uma forma pervertida de objetificação social”.[35] Ibid., p. 10, 114, 101ss Bonefeld aborda brevemente a conexão entre valor e dominação de classe, mas, ao final, sua análise privilegia o poder universal, não específico a uma classe: o capitalismo é, em sua análise, antes de mais nada, um sistema pervertido e de ponta-cabeça em que os movimentos absurdos dos objetos econômicos dominam a todos.

IV. Classe e Valor

            Por que os produtos do trabalho assumem universalmente a forma de mercadorias? A resposta que a TFV fornece é a seguinte: porque a produção é organizada de maneira privada e independente. Alguns de seus teóricos acrescentam: porque os produtores estão separados do acesso direto aos meios de produção e de subsistência. Mas eles não desenvolvem efetivamente as consequências deste insight.

            No elevado nível de abstração dos quatro primeiros capítulos de O Capital, Marx está preocupado apenas com as relações entre unidades de produção, e não com as determinações posteriores ou a estrutura interna destas unidades. Num estágio posterior da exposição, a natureza destes produtores “privados e independentes” é revelada: não se trata de pequenos produtores individuais, mas de empresas capitalistas baseadas no trabalho assalariado. O que a TFV faz essencialmente é permanecer no mais alto nível de abstração e declará-lo como suficiente para fornecer uma descrição das estruturas básicas do capitalismo. Mas isso é um erro e resulta em uma abordagem unilateral das relações de poder no capitalismo. [36]ALBOHN, Jürgen. “Eine kurze Kritik der Wertkritik”. In: REITTER, Karl (ed.). Karl Marx: Philosoph der Befreiung oder Theoretiker des Kapitals? Zur Kritik der “Neuen Marx-Lektüre”. Viena: … Continue reading

  A análise de Marx da transformação do dinheiro em capital revela que a forma de circulação D-M-D’ pressupõe uma relação de classe específica: a relação de capital, isto é, a relação mediada pelo mercado entre possuidores de dinheiro e vendedores de força de trabalho.*[37]*Para uma reconstrução detalhada deste argumento, cf. MAU, Søren. “The Transition to Capital in Marx’s Critique of Political Economy”. Historical Materialism, vol. 26, n. 1, p. 68-102, 2018. Isto significa que a relação de capital, que é uma relação de dominação de classe, é o pressuposto necessário da universalização da forma mercadoria: “É apenas quando o trabalho assalariado constitui sua base que a produção de mercadorias se impõe a toda a sociedade”. [38]MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 437. Cf. também: “A troca individual corresponde, ela também, a … Continue reading

  Marx deduziu dialeticamente a necessidade da relação de capital a partir da universalização da forma mercadoria, mas ele também chegou ao mesmo resultado na análise histórica presente na última parte de O Capital, na “chamada acumulação original”: lá ele mostrou que o domínio do mercado foi o resultado da criação histórica da relação de capital. Sua análise tem sido desde então confirmada e desenvolvida por Robert Brenner e Ellen M. Wood — a expansão do mercado foi o resultado da mudança nas relações sociais de propriedade, e não o contrário.[39]BRENNER, Robert. “Property and Progress: Where Adam Smith Went Wrong”. In: WICKHAM, Chris (ed.). Marxist History-Writing for the Twenty-First Century. Oxford: Oxford University Press, 2007; WOOD, … Continue reading

   A consequência disso é que não faz sentido separar valor e classe da maneira feita pela TFV. [40]ENDNOTES. Endnotes 2: Misery and the Value Form. Londres & Oakland: Endnotes, 2010, p. 101; HANLOSER, Gerhard; REITTER, Karl. Der bewegte Marx: Eine einführende Kritik des Zirkulationsmarxismus. … Continue reading A dominação de classe é uma forma absolutamente central e necessária de poder no capitalismo. Mas o que significa “classe” aqui? A relação de classe em questão aqui é a relação de capital, ou seja, o conceito de classe se refere à posição de um grupo de pessoas em relação às condições de reprodução social (os meios de produção e de subsistência). A diferença entre os dois polos da relação de capital é uma diferença na relação de cada um deles com as condições de reprodução social, e esta diferença é responsável pela dominação inerente à relação: uma classe é dependente da outra porque esta última controla o acesso aos meios de subsistência. E é esta dependência que torna possível, para os capitalistas, extrair mais-trabalho dos trabalhadores.

  Várias consequências decorrem disso. Vemos agora que a aparente igualdade entre idênticos agentes de mercado era apenas um resultado da abstração de tudo que acontece fora do ato isolado de troca.[41]Ibid., p. 12. O reconhecimento da conexão necessária entre valor e classe nos permite enxergar como trabalhadores e capitalistas entram e saem do mercado de maneiras fundamentalmente diferentes — e que se abstrairmos deste fato, acabamos com uma descrição muito, digamos, abstrata do capitalismo. Marx resume a questão muito bem nesta passagem dos Resultados [do Processo Imediato de Produção]:

Não são o simples comprador e o simples vendedor que se contrapõem, mas capitalista e operário, que na esfera da circulação, no mercado, se defrontam como comprador e vendedor. Sua relação como capitalista e operário é a premissa para sua relação como comprador e vendedor. Diferentemente do que ocorre com outros vendedores de mercadorias, não se trata aqui de uma relação que surge pura e simplesmente da natureza da própria mercadoria, do fato de que ninguém produz diretamente os produtos para suas necessidades vitais, mas de que todos produzem determinado produto como mercadoria, com cuja venda cada qual adquire os produtos de outros. Não se trata dessa divisão social do trabalho, nem da independência recíproca dos diversos ramos do trabalho que convertem, por exemplo, o sapateiro em vendedor de calçados e comprador de couro ou pão, mas da divisão entre os elementos correspondentes do próprio processo de produção e de sua autonomização progressiva […] por meio da qual o dinheiro, como forma geral do trabalho objetivado se converte em comprador da capacidade de trabalho, da fonte viva do valor de troca, e, em consequência, da riqueza.[42]MARX, Karl. O capital: livro I: capítulo VI (inédito). São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1978, p. 46.

  As duas divisões mencionadas por Marx, nesta passagem, correspondem aos dois conjuntos de relações sociais que, de acordo com Brenner, constituem as relações de produção, ou o que ele denomina de “relações sociais de propriedade”. De um lado, há “as relações horizontais entre os próprios exploradores e os próprios produtores diretos” e, de outro, a relação vertical de classe entre exploradores e produtores diretos.[43]BRENNER, Robert. “Property and Progress: Where Adam Smith Went Wrong”. In: WICKHAM, Chris (ed.). Marxist History-Writing for the Twenty-First Century. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. … Continue reading As relações horizontais correspondem ao valor, e a relação vertical corresponde à relação de capital.

  O trabalhador ingressa no mercado para sobreviver, já o capitalista, para ganhar lucro. Após esta troca, o “comprador assume o comando do vendedor” no processo de produção, e “uma relação de dominação e servidão” passa a existir.[44]MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Collected Works. Vol. 30. Karl Marx Economic Works 1861-1863. Economic Manuscript of 1861-63. Nova York, Londres, Moscou: International Publishers, Lawrence & … Continue reading É verdade que o capitalista está “sob o jugo da relação de capital tanto quanto o trabalhador”,[45]Cf. MARX, Karl. Teorias da Mais-Valia. História Crítica do Pensamento Econômico. Vol. 1. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 72. mas é crucial acrescentar que o capitalista e o trabalhador são compelidos a fazer coisas diferentes. Como afirma Wood: “[…] as leis ‘abstratas’ da acumulação capitalista impõem ao capitalista — e as leis impessoais do mercado de trabalho lhe dão a capacidade de fazê-lo — precisamente o exercício de um grau sem precedentes de controle sobre a produção”. [46]WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra Capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 44. E qual é o resultado deste processo de produção? Não apenas mercadorias e mais-valor, mas também a própria relação de capital, isto é, a reprodução da relação de classe:[47]“[…] a produção capitalista é produção de mais-valia, e, enquanto produção de mais-valia (na acumulação) é ao mesmo tempo produção de capital e produção e reprodução de toda a … Continue reading “[…] a relação de capital cria a relação de capital […]”. [48]MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Collected Works. Vol. 34. Karl Marx Economic Works 1861-1864. Economic Manuscript of 1861-63 (Conclusion). Nova York, Londres, Moscou: International Publishers, … Continue reading

   Desse modo, a relação de troca é meramente “a forma mediadora” da “submissão [do trabalhador] ao capital”:[49]MARX, Karl. O capital: livro I: capítulo VI (inédito). São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1978, p. 93. “Na realidade, o trabalhador pertence ao capital ainda antes de vender-se ao capitalista. Sua servidão econômica é a um só tempo mediada e escondida pela renovação periódica de sua venda de si mesmo, pela mudança de seus patrões individuais e pela oscilação do preço de mercado do trabalho” (grifos nossos)*[50]MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 430. *“A relação de capital durante o processo de … Continue reading

  A relação de dependência entre as classes não se trata de uma dependência pessoal. Como Marx explica, “[o] operário, quando quer, deixa o capitalista ao qual se alugou […] Mas o operário, cuja única fonte de rendimentos é a venda da força de trabalho, não pode deixar toda a classe dos compradores, isto é, a classe dos capitalistas, sem renunciar à existência. Ele não pertence a este ou àquele capitalista, mas à classe dos capitalistas”. [51]MARX, Karl. Trabalho Assalariado e Capital. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1849/04/05.htm Assim, a relação de classe não é uma forma “subjetiva” ou “pessoal” de dominação, como defendem Kurz e Jappe, e é enganoso opor dominação de classe à dominação “abstrata”, como faz Postone. [52]Cf. KURZ, Robert. Geld ohne Wert: Grundrisse zu einer Transformation der Kritik der politischen Ökonomie. Berlim: Horlemann, 2012, p. 77, 252, 289; JAPPE, Anselm. Die Abenteuer der Ware. Für eine … Continue reading Primeiramente, a dominação abstrata do valor é, como vimos, uma premissa da relação de capital. Em segundo lugar, a relação de classe assume a forma de uma relação de mercado, o que significa que a dominação de uma classe pela outra é mediada pela dominação abstrata do valor.

V. Conclusão

  A TFV apresenta uma perspectiva abstrata e unilateral do poder econômico no capitalismo. Isto não significa, contudo, que toda a análise da TFV sobre dominação do valor está errada, tampouco que a dominação de classe é “mais importante” que a dominação universal do valor. A TFV gerou alguns insights importantes, que devem ser integrados a uma abordagem mais completa de como o poder econômico do capital funciona.

O capitalismo envolve, de fato, formas de poder às quais todas as pessoas estão sujeitas. Isto se torna evidente, também, quando consideramos o fenômeno da concorrência, que na realidade nada mais é do que a relação “horizontal” entre produtores, analisada no início de O Capital, apenas em um nível mais concreto de abstração. Como afirmado, no começo de O Capital os produtores aparecem simplesmente como “produtores privados e independentes”, sem outras determinações. Descobrimos, então, que estes produtores são, na realidade, empresas capitalistas, e assim podemos especificar a relação entre eles como uma relação de concorrência. A concorrência é a “pressão recíproca de uns sobre os outros”[53]MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro 3. O processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 1033. dos capitais individuais, uma coerção estrutural que garante a “execução” das leis do capital. [54]“A concorrência em geral, essa locomotiva fundamental da economia burguesa, não estabelece suas leis, mas é sua executora” (MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. … Continue reading Marx compreende a concorrência como uma forma de coerção estrutural que assegura a subordinação do capital individual à totalidade.[55]“Daí, por outro lado, a sandice que significa considerar a livre concorrência como o desenvolvimento último da liberdade humana; e [de considerar] a negação da livre concorrência = a … Continue reading O antagonismo que está em jogo na concorrência é, portanto, entre o indivíduo e a totalidade, e não entre classes. Além disso, não são apenas os capitais que concorrem: a concorrência entre os trabalhadores também deve ser compreendida como um mecanismo do poder econômico do capital, através do qual o trabalhador individual é submetido à totalidade econômica. [56]LEBOWITZ, Michael A. Beyond Capital: Marx’s Political Economy of the Working Class. 2 ed. Londres: Palgrave MacMillan, 2003, p. 83

Não faz sentido considerar uma destas formas de poder — a dominação universal do valor ou a dominação de classe da relação de capital — como mais “fundamental” que a outra. Eles se pressupõem e se reproduzem mutuamente, e devem ser compreendidas em sua função comum, que é a de reproduzir a totalidade capitalista. A relação de capital assegura que o trabalhador apareça no mercado em primeiro lugar, mas a troca subsequente entre capital e trabalho resulta, em retorno, no processo de produção capitalista, que contribui para reproduzir a relação de capital. Neste sentido, “o primeiro ato, a troca de dinheiro por força de trabalho (…) entra na produção da totalidade da relação”.[57]MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Collected Works. Vol. 34. Karl Marx Economic Works 1861-1863. Nova York, Londres, Moscou: International Publishers, Lawrence & Wishart, Progress Publishers, 1975, … Continue reading

O insight obtido pela discussão neste paper é o de que o poder econômico do capital envolve formas de poder que não são específicas de classe — ou seja, formas de poder que garantem a sujeição do indivíduo à totalidade — bem como a dominação de classe. Ambos contribuem, juntamente com outras formas de poder — como ideologia e violência —, para a reprodução da sujeição da vida social à lógica do valor que se autovaloriza.

  Para concluir, gostaria de sugerir uma maneira de conceber as diferentes subcategorias do poder econômico do capital. Proponho distinguir entre dois planos de poder econômico: um transcendental e um imanente. O campo de imanência em questão aqui é o circuito do capital, que abarca tanto a circulação como a produção: o circuito do capital é a totalidade da economia capitalista. O poder econômico imanente do capital, assim, refere-se às formas de poder inerentes aos processos envolvidos no circuito do capital. Ele pode ser subdividido em dois conjuntos de relações e mecanismos de poder: aqueles que “pertencem” à esfera da circulação e aqueles que pertencem à esfera da produção (Marx concebe estes últimos como disciplina, comando, subsunção real, despotismo e tirania). O que a TFV conseguiu trazer à tona foi o poder econômico imanente do capital como ele aparece na esfera da circulação.

  O conceito de um plano transcendental de poder tem sido proposto, embora não tenha sido de fato elaborado, por Hardt e Negri. O conceito tem o objetivo de captar formas de poder que “não impõem a obediência mediante o comando de um soberano nem mesmo primordialmente pela força, mas estruturando as condições de possibilidade da vida social. [58]HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Bem-estar comum. Rio de Janeiro: Record, 2016, p. 21. Esta me parece ser uma boa forma de compreender as relações de poder envolvidas na relação de capital. “Transcendental” deve ser entendido aqui como as condições estruturais de possibilidade para um determinado campo de imanência. A relação de capital é uma relação de dominação de classe estruturada em torno da distribuição das condições de reprodução social. Esta é uma forma de poder cujo exercício não pode ser “localizado” numa parte ou fase específica do circuito do capital — designa, ao contrário, a estrutura subjacente da economia capitalista, uma estrutura que, ao mesmo tempo, resulta nos e é reproduzida pelos processos econômicos envolvidos no circuito do capital.*[59]* Sobre esta dialética do pressuposto e do resultado, e a ideia do capital pondo seus próprios pressupostos, cf. MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica … Continue reading O capital se insere na brecha entre a vida e suas condições, tornando assim a reprodução da relação de capital em condição de possibilidade para a reprodução da vida social.[60]Kurz também propõe pensar o capital como um “transcendental a priori”, “que não pode aparecer diretamente como tal, mas que, no entanto, constitui a realidade social [die nicht unmittelbar … Continue reading

  Em resumo: o poder econômico do capital funciona em mais de um nível. Ele funciona num nível transcendental, estruturando as condições de possibilidade da reprodução social. Isto é captado pelo conceito de relação de capital. Ele também funciona num nível imanente, através do conjunto específico de mecanismos e técnicas envolvido na valorização do valor ao passar pelo circuito do capital. Na esfera da circulação, ele assume a forma de uma dominação universal à qual todas as pessoas estão sujeitas, e que assegura a sujeição do indivíduo à totalidade. Na esfera da produção — não discutido neste paper — ele assume a forma do comando, disciplina corporal, subsunção real do trabalho e da natureza*, etc. [61]* No que se refere ao interessante conceito de “subsunção real da natureza”, cf. MALM, Andreas. Fossil Capital: The Rise of Steam Power and the Roots of Global Warming. Londres & Nova York: … Continue reading Considerados em conjunto, estes diferentes momentos do poder econômico contribuem para a reprodução do capitalismo, isto é, a sujeição da vida à lógica do valor que se autovaloriza.


Tradução: Talles Lopes
Revisão: Jade Amorim


References
1 MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 87.
2 MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 539.
3 Ibid., p. 526
4 Ibid, idem
5 POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. São Paulo: Edições Graal: 1980, p. 87-89.
6 PALERMO, Giulio. “The ontology of economic power in capitalism: mainstream economics and Marx”. Cambridge Journal of Economics, vol. 31, n. 4, p. 539-561, jul./2007.
7 FOUCAULT, Michel. “Entretien avec Michel Foucault”. Dits et Écrits. Tome IV: 1980-1988. Paris: Gallimard, 1994, p. 70.
8 Os escritos de Foucault sobre o poder contêm insights muito bons, inclusive para a análise do poder econômico, e pretendo incorporar alguns deles em minha tese. Mas isto não altera o fato de que ele não era um bom leitor de Marx.
9 FOUCAULT, Michel. “O Sujeito e o Poder”. In: DREYFUS, Hubert L.; RABINOW, Paul. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 232.
10 POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. São Paulo: Edições Graal: 1980, p. 41; Cf. WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra Capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 24.
11 WOOD, Ellen Meiksins. O império do capital. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 22.
12 REITTER, Karl. “Vorwort”. In: REITTER, Karl (ed.). Karl Marx: Philosoph der Befreiung oder Theoretiker des Kapitals? Zur Kritik der “Neuen Marx-Lektüre”. Viena: Mandelbaum Verlag, 2015.
13 Cf. ELSON, Diane. “The Value Theory of Labour”. In: ELSON, Diane (ed.). Value: The Representation of Labour in Capitalism. Londres & Nova York: Verso Books, 2015; HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition. Münster: Westphälisches Dampfboot, 1999, p. 203; POSTONE, Moishe. Tempo, Trabalho e Dominação Social. São Paulo: Boitempo, 2014, p 39-40.
14 HEINRICH, Michael. Indivíduo, personificação e dominação impessoal na crítica da economia política de Marx. Zero à esquerda. Disponível em: https://zeroaesquerda.com.br/index.php/2021/12/02/michael-heinrich-individuo-personificacao-e-dominacao-impessoal-na-critica-da-economia-politica-de-marx/
15 MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 455. Cf. também: “E só existe porque tanto na realidade quanto na teoria da produção capitalista, o trabalho realizado se revela oposição a si mesmo, oposição ao trabalho vivo. Do mesmo modo como no processo de pensamento prisioneiro da religião, o processo do pensamento, além de exigir, exerce o domínio sobre o próprio pensamento” (MARX, Karl. Teorias da Mais-Valia. História Crítica do Pensamento Econômico. Vol. 3. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 1324); “Na produção material, no verdadeiro processo da vida social — pois o processo de produção é isso — dá-se exatamente a mesma relação, que no terreno ideológico se apresenta na religião: a conversão do sujeito em objeto e vice-versa” (MARX, Karl. O capital: livro I: capítulo VI (inédito). São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1978, p. 21).
16 POSTONE, Moishe. Tempo, Trabalho e Dominação Social. São Paulo: Boitempo, 2014, p 212
17 Ibid., p. 46.
18 BACKHAUS, Hans-Georg. Dialektik der Wertform: Untersuchungen zur marxschen Ökonomiekritik. Friburgo: ça ira, 1997, p. 506.
19 ADORNO, Theodor W. “Gesellschaft”. Gesammelte Schriften. Vol. 8. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1972, p. 14. Cf. também ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 6; ADORNO, Theodor. Dialética Negativa. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, p. 152-154; REICHELT, Helmut. “Marx’s Critique of Economic Categories: Reflections on the Problem of Validity in the Dialectical Method of Presentation in Capital”. Historical Materialism, vol. 15, n. 4, p. 3-52, 2007; KLAUDA, Georg. “Von der Arbeiterbewegung zur Kritischen Theorie: Zur Urgeschichte des Marxismus ohne Klassen”. In: REITTER, Karl (ed.). Karl Marx: Philosoph der Befreiung oder Theoretiker des Kapitals? Zur Kritik der “Neuen Marx-Lektüre”. Viena: Mandelbaum Verlag, 2015; O’KANE, Chris. “‘The Process of Domination Spews Out Tatters of Subjugated Nature’: Critical Theory, Negative Totality and the State of Extraction”. In: Black Box: A Record of the Catastrophe, vol. 1. Oakland: PM Press, 2015. O foco específico de Adorno no processo de troca pode ter sido um resultado da influência de Sohn-Rehtel, bem como da tentativa de Adorno de acomodar a crítica da economia política a seu projeto filosófico mais geral de uma crítica da identidade.
20 ENDNOTES. Endnotes 2: Misery and the Value Form. Londres & Oakland: Endnotes, 2010, p. 99; REICHELT, Helmut. Neue Marx-Lektüre: Zur Kritik sozialwissenschaftlicher Logik. Friburgo: ça ira, 2013; REICHELT, Helmut. Sobre a estrutura lógica do conceito de capital em Karl Marx. Campinas: Editora da Unicamp, 2013; BACKHAUS, Hans-Georg. Dialektik der Wertform: Untersuchungen zur marxschen Ökonomiekritik. Friburgo: ça ira, 1997.
21 ELBE, Ingo; ELLMERS, Sven; EUFINGER, Jan. “Einleitung”. In: ELBE, Ingo; ELLMERS, Sven; EUFINGER, Jan (ed.). Anonyme Herrschaft: Zur Struktur moderner Machtverhältnisse. Münster: Westphälisches Dampfboot, 2012, p. 8.
22 Cf. HANLOSER, Gerhard; REITTER, Karl. Der bewegte Marx: Eine einführende Kritik des Zirkulationsmarxismus. Münster: Unrast Verlag, 2008, p. 26.
23 KURZ, Robert; LOHOFF, Ernst. “Der Klassenkampf-Fetisch. Thesen zur Entmythologisierung des Marxismus”. krisis. Kritik der Warengesellschaft, 1989.
24 Ibid.; Cf. também: KURZ, Robert. Geld ohne Wert: Grundrisse zu einer Transformation der Kritik der politischen Ökonomie. Berlim: Horlemann, 2012, p. 77, 252, 289; LINDEN, Marcel van der. Workers of the World: Essays toward a Global Labor History. Leiden & Boston: Brill, 2008, p. 39; GRIGAT, Stephan. Fetisch und Freiheit: Über die Rezeption der Marxschen Fetischkritik, die Emanzipation von Staat und Kapital und die Kritik des Antisemitismus. Frankfurt: ça ira, 2007, p. 208ss.
25 JAPPE, Anselm. Die Abenteuer der Ware. Für eine neue Wertkritik. Münster: Unrast Verlag, 2005, p. 80ss. Cf. também p. 95.
26 POSTONE, Moishe. Tempo, Trabalho e Dominação Social. São Paulo: Boitempo, 2014, p 150.
27 HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition. Münster: Westphälisches Dampfboot, 1999, p. 264ss; HEINRICH, Michael. An Introduction to the Three Volumes of Karl Marx’s Capital. Nova York: Monthly Review Press, 2012, p. 91ss.
28 Cf., por exemplo, sua análise das classes em HEINRICH, Michael. An Introduction to the Three Volumes of Karl Marx’s Capital. Nova York: Monthly Review Press, 2012, p. 191ss; Em sua obra principal sobre a crítica da economia política, as classe são mencionadas quase que apenas nas quatro páginas explicitamente dedicadas ao assunto. Cf. HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition. Münster: Westphälisches Dampfboot, 1999, p. 263ss.
29 HEINRICH, Michael. Indivíduo, personificação e dominação impessoal na crítica da economia política de Marx. Zero à esquerda. Este é um argumento comum na TFV, mas como meu foco neste paper é a relação, no capitalismo, entre poder de classe e formas de poder não específicas a uma classe, não entrarei no debate sobre essa questão, que essencialmente se relaciona a saber se as lutas de classe podem ou não ser revolucionárias. Para as versões mais extremas deste argumento, Cf. KURZ, Robert; LOHOFF, Ernst. “Der Klassenkampf-Fetisch. Thesen zur Entmythologisierung des Marxismus”. krisis. Kritik der Warengesellschaft, 1989; JAPPE, Anselm. Die Abenteuer der Ware. Für eine neue Wertkritik. Münster: Unrast Verlag, 2005; GRIGAT, Stephan. Fetisch und Freiheit: Über die Rezeption der Marxschen Fetischkritik, die Emanzipation von Staat und Kapital und die Kritik des Antisemitismus. Frankfurt: ça ira, 2007, p. 208ss.
30 HEINRICH, Michael. Wie das Marxsche «Kapital» lesen? Leseanleitung und Kommentar zum Anfang des «Kapital». Teil 1. 2 ed. Stuttgart: Schmetterling Verlag, 2009, p. 181
31 BONEFELD, Werner. Critical Theory and the Critique of Political Economy. Londres: Bloomsbury, 2014, p. 7; BONEFELD, Werner. “On Postone’s Courageous but Unsuccessful Attempt to Banish the Class Antagonism from the Critique of Political Economy”. Historical Materialism, vol. 12, n. 3, p. 103-124, 2004.
32 BONEFELD, Werner. Critical Theory and the Critique of Political Economy. Londres: Bloomsbury, 2014, p. 11, 79.
33 Ibid., p. 101.
34 * Esta retórica constantemente repetida é típica da TFV. É bastante dominante em Backhaus, Kurz, Jappe e Bonefeld, e menos presente em Postone e Heinrich.
35 Ibid., p. 10, 114, 101ss
36 ALBOHN, Jürgen. “Eine kurze Kritik der Wertkritik”. In: REITTER, Karl (ed.). Karl Marx: Philosoph der Befreiung oder Theoretiker des Kapitals? Zur Kritik der “Neuen Marx-Lektüre”. Viena: Mandelbaum Verlag, 2015, p. 173ss; HANLOSER, Gerhard; REITTER, Karl. Der bewegte Marx: Eine einführende Kritik des Zirkulationsmarxismus. Münster: Unrast Verlag, 2008.
37 *Para uma reconstrução detalhada deste argumento, cf. MAU, Søren. “The Transition to Capital in Marx’s Critique of Political Economy”. Historical Materialism, vol. 26, n. 1, p. 68-102, 2018.
38 MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 437. Cf. também: “A troca individual corresponde, ela também, a um modo de produção determinado que, por sua vez, corresponde ao antagonismo entre as classes” (MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. São Paulo: Global, 1985, p. 79); “Por um lado, se esquece que, desde logo, o pressuposto do valor de troca, como o fundamento objetivo da totalidade do sistema de produção, já encerra em si a coação sobre o indivíduo de que seu produto imediato não é um produto para ele, mas só devém para ele no processo social e tem de assumir essa forma universal e, todavia, exterior; que o indivíduo só tem existência social como produtor de valor de troca e que, portanto, já está envolvida a negação total de sua existência natural; que, por conseguinte, está totalmente determinado pela sociedade; que isso pressupõe, ademais, a divisão do trabalho etc., na qual o indivíduo já é posto em outras relações distintas daquelas de simples trocador etc. Que, portanto, o pressuposto não só de maneira alguma resulta da vontade e da natureza imediata do indivíduo, como é um pressuposto histórico e põe desde logo o indivíduo como determinado pela sociedade. Por outro lado, se esquece que as formas superiores nas quais [aparece] agora a troca, ou as relações de produção que nela se realizam, de forma alguma permanecem nessa determinabilidade simples, na qual a maior diferença a que se chega é uma diferença formal e, por isso, indiferente. Finalmente, não se vê que na determinação simples do valor de troca e do dinheiro já está contida de forma latente a oposição entre salário e capital etc.” (MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 302-303); “Mas na sociedade burguesa o valor de troca deve ser compreendido como a forma dominante, a tal ponto que desapareceu qualquer relação imediata dos produtores com os seus produtos enquanto valores de uso; todos os produtos devem ser considerados comercializáveis. Um operário numa fábrica moderna, numa fábrica de tecidos de algodão, por exemplo: se ele não produzisse valor de troca, não produziria absolutamente nada, visto que nem sequer pode pegar num único valor de uso tangível e dizer: este é o meu produto […] Uma análise da forma específica da divisão do trabalho, das condições de produção em que ela se baseia, das relações econômicas entre os membros da sociedade em que estas condições de produção se convertem, mostraria que é necessário admitir todo o sistema da produção burguesa para que se mostrem à sua superfície, como ponto de partida simples, o valor de troca e o processo de troca tal como se manifesta na circulação simples: mera troca de substância, no entanto troca social abrangendo toda a produção e todo o consumo. Resultaria, pois, que para que os indivíduos possam enfrentar-se nas simples relações de compra e venda como produtores privados livres, no decurso do processo de circulação e figurar neste processo como agentes independentes, isto já supõe outras relações de produção mais complexas, relativamente em conflito com a liberdade e independência dos indivíduos, outras relações econômicas prévias. Mas do ponto de vista da circulação simples estas relações são suprimidas” (MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política [Coleção Folha. Grandes Nomes do Pensamento: vol. 22]. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2015, p. 240-241); “Mercadoria e dinheiro são, ambos, premissas elementares do capital, mas apenas sob certas condições se desenvolvem até chegar a capital. A formação do capital não pode dar-se a não ser com base na circulação de mercadorias (que inclui a circulação monetária), isto é, em uma fase dada, e desenvolvida até certo ponto, do comércio; ao passo que, inversamente, a produção e circulação de mercadorias de nenhum modo pressupõem para sua existência o modo capitalista de produção; ou como analisamos anteriormente […] também ‘pertencem a formas de sociedade pré-burguesa’. São a premissa histórica do modo capitalista de produção. Além disso, apenas à base da produção capitalista a mercadoria converte-se em forma geral do produto, todo produto deve adotar a forma da mercadoria; a compra e venda abrangem não só o excedente da produção como sua própria substância e as diversas condições de produção apresentam-se de maneira geral como mercadorias, que, saindo da circulação, ingressam no processo de produção. Se, em consequência, a mercadoria aparece por um lado como premissa da formação do capital, por outro, a mercadoria, na medida em que é forma elementar e geral do produto, aparece essencialmente como produto e resultado do processo capitalista de produção. Nas fases precedentes da produção, os produtos revestem parcialmente a forma de mercadoria. Pelo contrário, o capital produz seu produto, necessariamente, como mercadoria […]. À medida que se desenvolve a produção capitalista, isto é (id est) o capital, realizam-se, também, por conseguinte, as leis gerais desenvolvidas com respeito à mercadoria, por exemplo, as que concernem ao valor na forma diferente da circulação monetária” (MARX, Karl. O capital: livro I: capítulo VI (inédito). São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1978, p. 97-98); “Vimos que a transformação de dinheiro em capital decompõe-se em dois processos autônomos, que pertencem a esferas completamente diferentes e existem separadamente um do outro. O primeiro processo pertence à esfera da circulação de mercadorias, e portanto, se efetua no mercado. Trata-se da compra e venda da capacidade de trabalho. O segundo processo consiste no consumo da capacidade de trabalho adquirida ou no próprio processo de produção. No primeiro processo, o capitalista e o operário se contrapõem unicamente como possuidor de dinheiro e possuidor de mercadoria, e sua transação é a que se produz entre todos os compradores e vendedores, uma troca de equivalentes. No segundo processo, o operário apresenta-se transitoriamente (pro tempore) como componente vivo do próprio capital, e a categoria de troca está aqui totalmente excluída, já que o capitalista se apropria – pela compra – de todos os fatores do processo de produção – tanto materiais como pessoais, antes do início do processo. […] Se, não obstante, considerarmos o capital integral, por um lado, isto é, o conjunto dos adquirentes de capacidade de trabalho, e, por outro, a totalidade dos vendedores de capacidade de trabalho, a totalidade dos operários, veremos que o operário se vê obrigado a vender, em lugar de uma mercadoria, sua própria capacidade de trabalho como mercadoria. Isso se deve a que, por outro lado, vê como propriedade alheia todos os meios de produção, todas as condições objetivas do trabalho, assim como todos os meios de subsistência, o dinheiro, os meios de produção e os meios de subsistência; e isto porque toda riqueza objetiva surge aos olhos do operário como propriedade dos possuidores de mercadorias. A premissa é que o operário trabalha como não proprietário, e as condições de seu trabalho se lhe antepõem como propriedade alheia” (Ibid., p. 32-34).
39 BRENNER, Robert. “Property and Progress: Where Adam Smith Went Wrong”. In: WICKHAM, Chris (ed.). Marxist History-Writing for the Twenty-First Century. Oxford: Oxford University Press, 2007; WOOD, Ellen Meiksins. The Origin of Capitalism: A Longer View. Londres & Nova York: Verso Books, 2002.
40 ENDNOTES. Endnotes 2: Misery and the Value Form. Londres & Oakland: Endnotes, 2010, p. 101; HANLOSER, Gerhard; REITTER, Karl. Der bewegte Marx: Eine einführende Kritik des Zirkulationsmarxismus. Münster: Unrast Verlag, 2008, p. 28ss.
41 Ibid., p. 12.
42 MARX, Karl. O capital: livro I: capítulo VI (inédito). São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1978, p. 46.
43 BRENNER, Robert. “Property and Progress: Where Adam Smith Went Wrong”. In: WICKHAM, Chris (ed.). Marxist History-Writing for the Twenty-First Century. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 58. Cf. também CALLINICOS, Alex. Deciphering Capital: Marx’s Capital and Its Destiny. Londres: Bookmarks, 2014, p. 18, 175.
44 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Collected Works. Vol. 30. Karl Marx Economic Works 1861-1863. Economic Manuscript of 1861-63. Nova York, Londres, Moscou: International Publishers, Lawrence & Wishart, Progress Publishers, 1975, p. 106.
45 Cf. MARX, Karl. Teorias da Mais-Valia. História Crítica do Pensamento Econômico. Vol. 1. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 72.
46 WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra Capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 44.
47 “[…] a produção capitalista é produção de mais-valia, e, enquanto produção de mais-valia (na acumulação) é ao mesmo tempo produção de capital e produção e reprodução de toda a relação capitalista em escala cada vez mais extensa (ampliada)” (MARX, Karl. O capital: livro I: capítulo VI (inédito). São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1978, p. 95).
48 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Collected Works. Vol. 34. Karl Marx Economic Works 1861-1864. Economic Manuscript of 1861-63 (Conclusion). Nova York, Londres, Moscou: International Publishers, Lawrence & Wishart, Progress Publishers, 1975, p. 187.
49 MARX, Karl. O capital: livro I: capítulo VI (inédito). São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1978, p. 93.
50 MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 430.

*“A relação de capital durante o processo de produção só surge porque ela já existe, em si mesma, no ato de circulação, nas diferentes condições econômicas fundamentais em que o comprador e o vendedor se defrontam um com o outro, em sua relação de classe. Não é o dinheiro que, pela própria natureza, engendra essa relação, mas, antes, é a existência dessa relação que pode transformar uma simples função do dinheiro numa função do capital” (MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro II. O processo de circulação do capital. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 123).

51 MARX, Karl. Trabalho Assalariado e Capital. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1849/04/05.htm
52 Cf. KURZ, Robert. Geld ohne Wert: Grundrisse zu einer Transformation der Kritik der politischen Ökonomie. Berlim: Horlemann, 2012, p. 77, 252, 289; JAPPE, Anselm. Die Abenteuer der Ware. Für eine neue Wertkritik. Münster: Unrast Verlag, 2005, p. 82, 87; POSTONE, Moishe. Tempo, Trabalho e Dominação Social. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 45-47, 150-151, 185-187; Isto também é apontado por Heinrich, cf. HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert: Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition. Münster: Westphälisches Dampfboot, 1999, p. 264ss.
53 MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro 3. O processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 1033.
54 “A concorrência em geral, essa locomotiva fundamental da economia burguesa, não estabelece suas leis, mas é sua executora” (MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 737).
55 “Daí, por outro lado, a sandice que significa considerar a livre concorrência como o desenvolvimento último da liberdade humana; e [de considerar] a negação da livre concorrência = a negação da liberdade individual e da produção social fundada na liberdade individual. Trata-se de fato somente do desenvolvimento livre sobre um fundamento estreito – o fundamento do domínio do capital. Em consequência, esse tipo de liberdade individual é ao mesmo tempo a mais completa supressão de toda liberdade individual e a total subjugação da individualidade sob condições sociais que assumem a forma de poderes coisais, na verdade, de coisas superpoderosas – de coisas independentes dos próprios indivíduos que se relacionam entre si. […]. Quando se diz que, no âmbito da livre concorrência, os indivíduos, ao perseguirem exclusivamente o seu interesse privado, realizam o interesse comum ou […] o interesse geral, isso nada mais significa que, sob as condições da produção capitalista, eles se pressionam mutuamente e, em consequência, o seu próprio entrechoque é somente a reprodução das condições sob as quais acontece tal interação” (MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 874-875); “Que é então que força o capitalista individual a vender, por exemplo, a mercadoria a um preço médio? (Esse preço médio se estabelece, lhe é imposto, de modo nenhum decorre de seu livre arbítrio; ele preferiria vender a mercadoria acima do valor que só lhe dá o lucro médio e lhe permite realizar menos trabalho não pago que o que está de fato consumido em sua própria mercadoria.) A coerção dos outros capitalistas exercida por meio da concorrência” (MARX, Karl. Teorias da Mais-Valia. História Crítica do Pensamento Econômico. Vol. 2. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 474).
56 LEBOWITZ, Michael A. Beyond Capital: Marx’s Political Economy of the Working Class. 2 ed. Londres: Palgrave MacMillan, 2003, p. 83
57 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Collected Works. Vol. 34. Karl Marx Economic Works 1861-1863. Nova York, Londres, Moscou: International Publishers, Lawrence & Wishart, Progress Publishers, 1975, p. 116. “Essa perpetuação da relação entre o capital, como comprador, e o operário, como vendedor de trabalho constitui uma forma de mediação imanente a esse modo de produção; mas, é forma que apenas formalmente se diferencia de outras formas mais diretas da submissão do trabalho e da propriedade por parte dos possuidores das condições de produção. Encobre, como simples relação monetária, a transação real e a dependência perpétua que o processo intermediário de compra e venda renova incessantemente. Não só se reproduzem de maneira constante as condições desse comércio, mas o que um compra e o outro precisa vender é resultado do processo. A renovação constante dessa relação de compra e venda não faz senão mediar a continuidade da relação específica de dependência, e confere-lhe a aparência falaz de uma transação, de um contrato entre possuidores de mercadorias dotados de iguais direitos e que se contrapõem de maneira igualmente livre” (MARX, Karl. O capital: livro I: capítulo VI (inédito). São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1978, p. 93-94).
58 HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Bem-estar comum. Rio de Janeiro: Record, 2016, p. 21.
59 * Sobre esta dialética do pressuposto e do resultado, e a ideia do capital pondo seus próprios pressupostos, cf. MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 609ss.
60 Kurz também propõe pensar o capital como um “transcendental a priori”, “que não pode aparecer diretamente como tal, mas que, no entanto, constitui a realidade social [die nicht unmittelbar als solche erscheinen können, aber dennoch die gesellschaftliche Realität konstitutieren]”. KURZ, Robert. Geld ohne Wert: Grundrisse zu einer Transformation der Kritik der politischen Ökonomie. Berlim: Horlemann, 2012, p. 29. Cf. também p. 74-75, 131-133, 138, 142, 173-174, 203.
61 * No que se refere ao interessante conceito de “subsunção real da natureza”, cf. MALM, Andreas. Fossil Capital: The Rise of Steam Power and the Roots of Global Warming. Londres & Nova York: Verso Books, 2016.

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