Desde que Platão baniu o poeta da sua República utópica, questões sobre a autonomia da arte, a liberdade artística e o papel do artista na sociedade têm sido sujeitas há muito no debate filosófico e político no mundo ocidental. Hoje, quando há uma divisão perfurante entre os sistemas sócio-políticos dominantes do nosso mundo, o debate é particularmente vívido e certamente mais do que teórico. Manifestações diárias de competição pacífica, coexistência, guerra fria [final dos anos 70], chame do que quiser, levam constantemente à nossa consciência – qualquer sistema do qual fazemos parte – o fato de que há uma alternativa viva para a nossa presente situação. Alguns artistas no capitalismo olham com inveja a luxuosa subsidiação das artes em países socialistas, enquanto alguns artistas evidentemente notáveis de democracias socialistas vão para a prisão ou procuram asilo político em democracias ocidentais. Em nossa comunidade crescentemente global, questões sobre a liberdade pessoal, a liberdade artística e a necessidade econômica se tornam complicadas em nossas mentes. Uma charge recente de Mike Peters no Dayton Daily News toca de forma simples, mas pungente, em algumas das questões fundamentais. A charge de cinco ou seis homens, mulheres e crianças maltrapilhos carregando pequenos pacotes em suas costas enquanto escalam para a costa de um rio que eles terminaram de cruzar. Eles são wetbacks mexicanos. Com sorrisos nos rostos tão grandes quanto qualquer um já exibido pelo presidente Carter, eles se dirigem a um guarda de fronteira dos EUA, de rosto severo e visivelmente hostil, que os enfrenta segurando sua arma: “Buenos días. Somos desertores da Companhia de Balé da Cidade do México”. A charge é um resumo esplêndido da extrema complexidade de questões que dizem respeito à liberdade humana hoje. Algumas das questões levantadas são pertinentes à nossa discussão aqui. Quão profunda é a inter-relação entre liberdade pessoal e liberdade artística? Quão profundas são as condições econômicas, as necessidades econômicas para a realização de qualquer tipo de liberdade humana? A liberdade ou autonomia da arte é uma questão separada do conceito de liberdade dos artistas?

Diante de questões tão irritantes, mas possuindo uma visão global da situação, somos tentados a nos elevar acima de tudo e declarar que os artistas de todos os tempos e lugares são dotados de um conjunto de direitos e liberdades universais e inalienáveis. Esses direitos e liberdades, podemos sustentar, não são alteráveis e não são determinados por circunstâncias sociais e políticas. Mas seria tal posição sustentável por evidências históricas e empíricas? György Lukács, um importante filósofo marxista deste século, acredita que esse pensamento é o fruto estéril de uma visão de mundo idealista e subjetiva, em contradição com a realidade histórica. É minha intenção explorar as ideias de Lukács sobre o assunto da liberdade artística, com ênfase em sua análise das condições para a liberdade artística nas democracias capitalistas modernas e nas democracias socialistas.

Fiel à metodologia marxista na investigação de qualquer questão, Lukács sustenta o ponto de vista que, para sabermos “onde nos encontramos” e “para onde vamos”, devemos ter uma perspectiva histórica clara; devemos saber “de onde viemos”, qual caminho percorremos. Um pré-requisito de qualquer comparação frutífera e direta das condições da liberdade artística nos sistemas socialistas e capitalistas de hoje deve ser uma breve análise do nascimento e desenvolvimento da liberdade artística, que por sua vez só pode ser vista por meio de uma revisão, ainda que inicial, da origem e desenvolvimento da arte.

Nas sociedades primitivas mais antigas, Lukács sustenta que não existem modos separados da reflexão humana. O que mais tarde é separado em modos de reflexão científicos, religiosos e artísticos, diferenciados uns dos outros, são nesse estágio de desenvolvimento indistinguíveis. O ritual primitivo contém elementos científicos (utilitários), religiosos (mágicos) e também artísticos (formais). O criador é cientista, sacerdote (mago) e artista, tudo ao mesmo tempo, fazendo o que faz para o bem-estar da comunidade, para a sobrevivência. A partir daqui, o primeiro estágio de desenvolvimento da arte consiste na separação da reflexão antropomórfica (arte e religião) da reflexão desantropomórfica (científica). O segundo estágio é uma divisão dentro da categoria da reflexão antropomórfica, ou seja, a separação da arte da religião. Embora a arte tenha alcançado completa autonomia tanto da ciência quanto da religião e tenha atingido pleno desenvolvimento formal na Grécia Antiga – devido a regressões posteriores e às demandas feitas por instituições, dogmas e classes sociais –, em certa medida, ela ainda está travando sua “luta pela liberdade”. Basta nos lembrarmos das exigências da Igreja medieval, por um lado, e das expectativas científicas do naturalismo do século XIX, por outro, para termos impressões inconfundivelmente vívidas de invasões passadas, tanto em teoria quanto na prática, à independência da arte em relação a outros modos de reflexão.

Dito brevemente, a diferença entre arte e ciência é que “a arte cria o mundo do homem, sempre e exclusivamente… Em todas as facetas da reflexão (contrariamente à reflexão científica), o homem está presente como determinante: na arte, o mundo fora do homem só ocorre como um elemento mediador das preocupações, ações e sentimentos humanos”. A diferença essencial entre arte e religião é que, na arte, “a imagem refletida da realidade é concebida como reflexão, enquanto magia e religião atribuem o status de realidade objetiva aos seus sistemas de reflexão e exigem crença neles”. A arte, como um modo de reflexão totalmente desenvolvido e autônomo, na definição de Lukács, é a reflexão antropocêntrica e antropomórfica do mundo objetivo. Enquanto a ciência, como um modo de reflexão, é a consciência da humanidade sobre o mundo, a arte é a autoconsciência da humanidade, mas no contexto do mundo (especialmente o mundo social) ao seu redor. Os dois modos de reflexão se unem na busca humana para conquistar o mundo.

Claramente a questão da liberdade do artista não poderia ter surgido até que a própria arte atingisse um alto nível de autonomia. Também é bastante evidente na história dos séculos entre o V a.C. e o Iluminismo que a autonomia da arte nem sempre foi considerada sagrada, seja em teoria ou na prática. Como as condições sociais existentes durante esses séculos definiam a liberdade individual e artística? Na Grécia Antiga, o conceito de liberdade era primeiramente um conceito social. O homem era visto como um ser social; sua liberdade era definida no contexto de sua sociedade. Em segundo lugar, sua liberdade tinha componentes externos e internos. O componente interno consistia no indivíduo ter controle sobre seus instintos que iam contra necessidades moralmente justificadas, e o componente externo estava em buscar independência das restrições de uma sociedade tirânica, reconhecendo que uma pessoa só pode ser verdadeiramente livre em uma sociedade livre. Aqui, a liberdade era a liberdade do cidadão de uma sociedade de classes, escravos e mulheres não inclusos; a noção de igualdade humana inerente não era o fundamento desse conceito de liberdade. Mais tarde, na sociedade feudal, a liberdade, tanto no sentido clássico quanto no moderno, era desconhecida. O papel do indivíduo era definido para ele de forma restrita, não apenas como membro de uma classe (por exemplo, nobreza, camponês), mas também como membro de uma ordem ou guilda ou subgrupo semelhante, que determinava suas restrições, direitos e responsabilidades. A liberdade moral tendia a ser limitada à escolha entre o bem e o mal pelos padrões de um dogma externo, feita no interesse de alcançar a liberdade para a alma numa salvação em outro mundo.

Como essas condições no passado afetaram a liberdade do artista individual? Lukács sustenta que, em todas as sociedades pré-modernas, o artista era mais restrito por laços com sua sociedade ou comunidade imediata do que o artista moderno, porque a arte em si era parte da vida comunitária e os artistas funcionavam sem hesitação, com pleno conhecimento das consequências necessárias desse fato. Os artistas parecem ter tido um entendimento tácito de sua missão social e a arte quase nunca era meramente uma expressão subjetiva.

O fundamento do conceito moderno de liberdade é a suposição da igualdade inerente de todos os seres humanos. O maior problema da liberdade individual na sociedade capitalista moderna é duplo: primeiro, a falha da sociedade em eliminar os obstáculos econômicos fundamentais para a igualdade real; segundo, uma tendência distinta do sistema de alienar o ser humano individual de seu contexto social. A sociedade burguesa, de acordo com Lukács, tenta definir a liberdade individual completamente fora do contexto social, exceto na medida em que o contexto social é um obstáculo, ou uma limitação, no caminho para a liberdade individual. Em outras palavras, a relação entre indivíduo e sociedade é essencialmente negativa; por isso, o governo e as leis são frequentemente vistos como nada mais do que males necessários. O existencialismo do século XX leva esse ponto ao extremo, definindo a liberdade individual em completa alienação da sociedade. Isso, na visão de Lukács, esvazia o conceito de liberdade: “Se liberdade significa apenas o que um indivíduo relegado a seus próprios recursos considera ser liberdade em um determinado momento ou situação, então essa mesma generalização abstrata destrói a liberdade: porque se tudo é livre, não há liberdade”.

Embora Kant cuja filosofia é em grande medida o fundamento teórico do conceito moderno de liberdade, tenha fornecido uma salvaguarda contra a falta de direção que surge dessa situação ao remeter o indivíduo à sua consciência – a espinha dorsal do imperativo categórico –, o conceito de liberdade individual no século XX tornou-se cada vez mais o da liberdade do momento, do humor e dos instintos descontrolados. Lukács cita o hitlerismo como a manifestação mais extrema da expressão desenfreada dos instintos humanos mais baixos.

Se o artista pré-moderno não era livre no sentido moderno do termo, qual é a natureza da liberdade do artista na democracia capitalista moderna? Quando nos voltamos para examinar a relação entre o artista moderno e sua sociedade, encontramos, segundo Lukács, que, em contraste com o artista pré-moderno, que estava em contato direto e fértil com seu público, o artista moderno devido à evolução necessária da economia capitalista está em uma posição substancialmente diferente. Para ele, o contato vital entre o artista e a comunidade foi severamente enfraquecido e por vezes completamente eliminado. Há um novo senso de liberdade nunca antes experimentado pelo artista, mas ele é sem direção, sem propósito, sem um sentido de missão social. As leis da economia capitalista, do mercado capitalista, têm um efeito inevitavelmente negativo (até mesmo desumanizador) sobre todos os indivíduos, incluindo todos os artistas, que vivem nesta sociedade. Enquanto o artista pré-moderno conhecia diretamente seu público, o artista moderno se depara com o público muito mais como qualquer criador de uma mercadoria (mercado) se depara com seus consumidores. Sua liberdade é tão ilimitada quanto a de qualquer produtor de qualquer produto, sendo na realidade regido pelas leis do mercado. Às vezes completamente, outras vezes em menor grau, às vezes o fato é óbvio, outras vezes está escondido sob fatores superficiais enganosos, mas o artista – mesmo contra sua vontade – está sempre envolvido na comercialização. Não há necessidade de se aprofundar nesse ponto; a natureza capitalista e fazedora de lucro das atividades de publicação, produção cinematográfica, da indústria da música, da indústria da televisão e do teatro, com seus agentes, publicidade, sistemas de marketing e pesquisas, são bem conhecidas. Aquele ente amorfo, o capital, se interpôs entre o artista e o público, criando uma distância e, em última instância, uma barreira prejudicial.

O que importa é ver claramente como essas condições afetam o trabalho do artista. Resumidamente, a resposta é adversa. Se esses determinantes caracterizam a natureza da liberdade do artista moderno, então a liberdade pode ser mais ilusória do que real. Reconhecendo a intolerável adversidade de suas circunstâncias, artistas em inúmeros países capitalistas, no final do século XIX e início do século XX, promoveram uma variedade de esforços — teatros experimentais sem fins lucrativos, revistas literárias, editoras literárias, exposições de arte, etc. — para criar ilhas não capitalistas no poderoso mar do capitalismo. Logo, no entanto, tornou-se bastante óbvio que, com o embalo certo, a comercialização e a doutrinação dos consumidores, todo tipo de obra de arte — mesmo a mais radical em forma e conteúdo — é capaz de ser vendida e de obter um bom preço no mercado. Com esse desenvolvimento, não apenas a arte banal, sentimentalista e camp, mas também a arte experimental, o vanguardismo, a obra-prima e o clássico passaram a estar sob a influência das leis do mercado. Com a ajuda de capital apropriado, novas tendências e modas em produtos artísticos puderam ser criadas aproximadamente da mesma maneira que as modas em roupas, sapatos ou automóveis. No entanto, seria uma simplificação excessiva dizer que essa situação destruiu a individualidade artística. De certa forma, o contrário parece ser verdade: a originalidade, o gosto individual, as qualidades idiossincráticas, a peculiaridade, o estilo e a inventividade (especialmente quando associados a nomes) tornaram-se, eles próprios, mercadorias muito vendáveis.

O que essa situação fez ao artista? Para o artista marginal, cuja principal preocupação (como a de um empresário) é encontrar um mercado para seu produto, esse conjunto de condições dita, de forma bastante natural, que ele deve criar o que vende. Aqui não há literalmente nenhum limite para modismos, modas, novidades e idiossincrasias, até truques e pornografia. (Indivíduos específicos, é claro, muitas vezes estabelecem seus próprios limites pessoais.) Indústrias inteiras de tamanho gigantesco, como já mencionamos — a indústria cinematográfica, a indústria da televisão, a indústria editorial, a indústria musical, etc. — cresceram ao redor das várias formas de arte. Mas, mais importante, o que essa situação fez ao artista genuíno? Lukács acredita que nunca houve um sistema social na história com uma relação tão pobre com o artista quanto o capitalismo. A única expectativa constante e claramente comunicada que a sociedade capitalista tem do artista é a expectativa de que ele produza uma mercadoria vendável que satisfaça uma necessidade essencialmente escapista no consumidor; algo que proporcione prazer semelhante ao do álcool ou das drogas. Lukács afirma que não é por acaso que a estética burguesa coloca o efeito estético no domínio do inconsciente humano e o compara, por analogia, às experiências de sonho e da embriaguez.

À medida que o artista genuíno percebe que o tipo de retrato artístico do mundo que invade significativamente a autoconsciência e a consciência social do indivíduo não é esperado dele, ele se torna cada vez mais alienado de sua sociedade. Alienação, desespero e introspecção levam cada vez mais à representação da experiência quase puramente subjetiva do artista. É nessa direção, acredita Lukács, que o artista do capitalismo moderno tem uma liberdade quase ilimitada, mas, como consequência de sua preocupação com essa liberdade, ele se separa cada vez mais de seu ambiente social objetivo.

Paradoxalmente, então, mesmo que ele esteja mais livre de restrições externas, leis e censura do que o artista pré-moderno, o artista da democracia capitalista moderna é menos livre para refletir a realidade social objetiva, cuja representação antropocêntrica, segundo Lukács, é a missão principal da arte. Sua liberdade é a liberdade subjetiva do indivíduo desolado, que alterna entre o grito da angústia existencial que protesta por ser condenada a viver em liberdade, ou declarar em manifestos que a arte é puro “automatismo psíquico”; ou tenta devolver a arte ao reduto da religião — talvez instintivamente reconhecendo a necessidade de contato direto e comunitário — e transformar o artista novamente em um sumo sacerdote.

Como é diferente a situação da arte nos países socialistas? Poder-se-ia pensar que, com a eliminação das restrições exclusivamente capitalistas e com pelo menos o início da criação de uma sociedade sem classes, a situação para a arte, e para a relação entre o artista e o povo, seria imediatamente ideal. Escrevendo sobre isso no final da década de 1940 e novamente na década de 1960, Lukács acredita que isso é apenas potencialmente verdadeiro. Por ora, há muitos problemas sérios. Antes de tudo, não há evidências empíricas para ele analisar a arte no socialismo. Os países socialistas existentes são, de fato, ditaduras do proletariado, estágios transitórios entre o capitalismo e o socialismo. Cidadãos e artistas dessas sociedades estão passando por um ajuste (em muitos casos, um ajuste forçado), que pode exigir várias gerações para se completar, de uma vida no capitalismo (às vezes democrático, outras vezes não democrático) para uma vida no socialismo. No processo, o indivíduo perde algumas de suas liberdades pessoais, como a liberdade de empreendimentos capitalistas, e o artista perde, além de sua liberdade de empreender, grande parte de sua liberdade de expressão puramente subjetiva. O artista, em vez de ser responsável às leis do mercado por um lado e à orientação de sua subjetividade alienada por outro, agora é responsável pela filosofia orientadora do Partido.

A filosofia orientadora do Partido busca trazer a arte e os artistas novamente para um contato direto com o povo. Não há discordância significativa entre os marxistas quanto a esse princípio básico da filosofia orientadora, mas, como a breve história das democracias socialistas demonstra amplamente, há algumas diferenças fundamentais e sérios problemas quando se trata de interpretação e, especialmente, de implementação. Reconhecendo os efeitos negativos dos extremos do stalinismo e de posições semelhantes (o chamado “marxismo vulgar”), que percebem o papel do Partido, como uma autoridade que deve guiar os artistas prescritivamente para lidar em sua propaganda com os problemas sociais imediatos de construção do socialismo, transformando os artistas no que Zhdanov chamou de “engenheiros da alma”, Lukács alerta contra (e, na verdade, rejeita) a arte guiada externamente, alcançada por meio de prescrição dogmática e censura.

Lukács postula, então, o problema básico da arte nas democracias socialistas na forma de um conflito dialético entre duas posições dominantes, ambas contendo demandas extremas, bem como elementos essenciais capazes de eventual síntese dialética. Interpretada de forma estreita, a noção de “arte para o povo” do Partido significa que a arte deve se preocupar apenas com os problemas imediatos e cotidianos do povo e defender soluções do ponto de vista da posição atual da liderança do Partido. O núcleo positivo, embora às vezes não declarado, dessa posição é o desejo de trazer os artistas para fora de seus casulos subjetivos, de suas torres de marfim, e reconectá-los com a realidade do povo, que é tanto seu tema quanto seu público. A oposição igualmente estreita a essa posição, afirma Lukács: sim, tragam a arte ao povo, mas a arte é o que é e os artistas são quem são; portanto, elevem o povo ao nível da arte, para que o povo possa recebê-la como ela é. Se o povo se mostrar incapaz de recebê-la dessa forma, então aprenderemos que a arte não é para o povo, e devemos deixar o assunto por isso mesmo. O núcleo positivo dessa posição é o desejo de preservar o direito característico e indispensável da arte: refletir a realidade social de forma independente. Lukács acredita, otimisticamente, que os componentes positivos das duas posições opostas se unirão em uma síntese para criar a arte socialista.

Enquanto isso, a responsabilidade do Partido, diz Lukács, está em tentar convencer os artistas de que é igualmente benéfico para a arte e para os artistas entenderem que uma mudança completa nas fundações sociais (infraestrutura) deve necessariamente ser seguida por mudanças nos vários componentes da superestrutura. Durante o estado de transição, que é o presente, cabe ao artista descobrir o que isso significa para a arte, que direções a arte pode tomar para realizar plenamente sua missão em um novo contexto social. Nesse ambiente social novo e fértil, nesse solo ainda não arado, o papel da arte será vanguardista, e o papel do artista será determinado não por uma orientação burocrática externa do Partido, mas por uma autogestão. Ao mesmo tempo, a arte será capaz de cumprir sua missão universal: refletir o mundo objetivo de forma antropocêntrica em todo contexto social.

Parece, então, que Lukács não encontra o tipo ideal nem uma quantidade adequada de liberdade artística, seja nas democracias capitalistas ou nas democracias socialistas. A sociedade capitalista oferece mais liberdade entre os dois sistemas, mas o tipo de liberdade aqui é quase exclusivamente subjetivo e, consequentemente, a arte é predominantemente autoexpressão. Além disso, o capitalismo moderno é visto por Lukács como um sistema socioeconômico em declínio, cuja superestrutura também deve decair. Se a situação da arte em tais sociedades contemporâneas já é menos que ideal agora, ela só pode esperar mais deterioração. As democracias socialistas, por outro lado, constituem o estágio inicial da ordem socioeconômica do futuro. Também não há liberdade artística genuína nessas sociedades hoje, segundo Lukács, mas o potencial para isso existe claramente. Embora atualmente a tendência distinta dos governos socialistas seja aprisionar a arte em um molde utilitário estreitamente concebido, para usá-la na solução de problemas sociais imediatos, e a tendência de muitos artistas seja valorizar seu senso de liberdade subjetiva mais do que seu contato com a sociedade, a direção do futuro aponta para uma arte autônoma com um profundo senso de missão social autoimposta. Quanto à rapidez com que essa síntese realmente ocorrerá, não é fácil prever, pois, na visão de Lukács, o progresso histórico ocorre na forma de dois passos para frente e um para trás.

Artigo publicado originalmente em The British Journal of Aesthetics, Volume 21, Issue 2, p. 151–158, 1981.

Referências:

Gyorgy Lukács, Aktualitás, mint esztétikai kategoria (Budapeste, 1957).
Gyorgy Lukács, Die Eigenart des Aesthetischen (Berlim, 1963).
Gyorgy Lukács, Magyar irodalom, magyar kultura (Budapeste, 1968)


Wesley Sousa

É doutorando em filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Felipe Bertoni

Graduado e mestrando na UFSC, na área de Ontologia, com foco no pensamento de György Lukács.

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