And the betrayers of language   

. . . . . . n and the press gang

And those who had lied for hire;

the perverts, the perverters of language,

the perverts, who have set money-lust

Before the pleasures of the senses. (E. P., Canto XIV)

Through overhanging dark, to see Tiresias,

Eyeless that was, a shade, that is in hell

So full of knowing that the beefy men know less than he,

Ere thou come to thy road’s end. (E. P., Canto XLVII)

Ao me deparar com um prólogo [1] Prólogo traduzido: (PDF) Prólogo, de Giorgio Agamben | Marcus Vinicius Xavier de Oliveira – Academia.edu. escrito por Giorgio Agamben para a edição dos Cantos, de Ezra Pound, recentemente publicada na Espanha, integral, nos trabalhos da Sexto Piso, tive como certa a operação de que o texto do italiano possuía, talvez, o melhor predicado, se se quiser vender numa espécie de lata a poesia dos dois primeiros quartéis do século passado, para a forma da poiesis poundiana: Pound obteve a percepção mais próxima do sistema espiritual do seu (e nosso) tempo. A relação entre os significantes presentes na poética de Pound, tanto em forma quanto em conteúdo, aponta o surgimento da seguinte questão: seria possível uma poesia pós-1914? A resposta é sim. Entram aqui, necessariamente, as palavras de Agamben. | As poéticas que nasceram no dito período nascem de uma maneira extremamente específica, nunca igual vista na historicidade das artes, pois demanda não um tipo de afirmação, como os fenômenos do Renascimento e do romantismo, mas negações defronte às impossibilidades, às vidas mutiladas e ao mundo cada vez mais fragmentado. A sociedade do Novecentos não é pior nem melhor que o século XII (como Pound pensava). Isso pressuporia um poder transcendental na e da História (do historicismo), assim pressuposta por uma lógica societária onde as determinações sociais, ou contingências historiais (Heidegger), estariam neutralizadas. O possível é que há mudança. Mudança que, como ninguém, os artistas, desde os românticos, e violentamente após Baudelaire, apreenderam: a mudança de paradigma em que o Ocidente se meteu. | A transformação pode ser vista com clarividência quando se adentra na manifestação das vanguardas históricas. Não é à toa que Apollinaire e Breton, Picasso e Schwitters, tenham surgido na mesma época da Primeira Guerra, da Revolução de Outubro e do nascimento do Partito Nazionale Fascista. Existe uma possibilidade histórica casual, e nela vêm três momentos na literatura moderna inglesa, segundo Agamben, que determinam a coisa e são decisivos: The Waste Land (T. S. Eliot, 1922), Finnegans Wake (James Joyce, 1939) e os Anathemata (David Jones, 1952). Em todas as três produções, em maior ou menor grau, há percepções do naufrágio ocidental, do inferno espiritual de um século contraditório no qual o humano [ocidental] começa se locomovendo em carroças e acaba pisando na Lua, o lugar em que o progresso técnico e científico não é idêntico ao progresso social e histórico, não satisfazendo, assim, o ideal iluminista. Da sintaxe alógica joyceana às referências histórico-literárias da collage do anglicano americano-inglês, percebo as ruínas da catástrofe da Europa, que serão percebidas, também, de 1917 a 1972, no poema épico de Pound. | Os Cantos (work in progress) não são mais que a variação maior, numa epopeia fragmentária dentro de um tecido social perturbado como a sociedade burguesa, no auge da modernidade, emergidas as tendências espirituais do tempo de rumo sombrio, caótico e escatológico do capitalismo, da realização em poesia tendo como fonte a fratura moderna ocidental. Glissant já teria dito antes: o poema de Ezra é um écho-monde. Agamben também é certeiro: é evidente que Pound percebe na destrvctio a emergência técnica que um poema pode ter, na destruição da tradição. Porém, não é Pound negando o passado, mas tendo para si apenas uma parte dele. Ele não pode ter além de fragmentos de Arnaut Daniel e Dante Alighieri; não pode fazer as suas práticas retórico-poéticas sem delimitar que não é um trovador provençal, mas um moderno. Acreditava, como Confúcio, numa idade de ouro perdida em algum local da história (ou em locais, para ser mais preciso. A razão de alguns personagens históricos, em tons positivos, adentrarem no épico é apologética). Por isso, sua adesão ao fascismo, cuja intenção era retornar a Itália ao Império Romano e resgatar a cultura tradicional europeia contra o liberalismo e o comunismo, é explicada, conjuntamente à sua teoria econômica antissemita que identificava os judeus aos banqueiros. | A transmissão falada por Agamben não é mais do que o caso do que foi dito anteriormente: o poeta de Hailey procura a História para juntar seus cacos na experiência poética em busca de Histórias (descobrir o grafema do Extremo Oriente foi uma atitude subversiva em relação ao ocidental, por exemplo). O verbo destruir se encontra, então, com a construção. Construção de temas e referencialidades que trespassam do latim ao ideograma chinês, do haiku ao grego antigo. Pound, nesse sentido, é o mais complexo dos poetas. Mas não o é quando a sua própria linguagem é direta e objetiva, e sempre tentou ser (não usa da metáfora pura), mas simplesmente por ir de uma linha para a outra de maneira brusca, veloz: o léxico é disléxico. Se a sociedade de massa dá ao poeta a ligeireza do cotidiano e a superficialidade da vida, ele responde com um turbilhão de imagens e movimentos em que não há o perigo do social se misturar, portanto, se tornando ilegível e quase incompreensível em leitura para nós. | O desvio antimoderno de Ezra é atestado pelo trabalho do negativo, refratando sua essência no cerne das construções sintáticas e semânticas do poema.[2]No fim de 1967, Pound concedeu uma entrevista à TV italiana Rai, sendo mediada por Pier Paolo Pasolini, amigo de Agamben. Pasolini lê o famoso fragmento do Canto LXXXI ao poeta americano: … Continue reading É por essa razão que Pound se liga, imediatamente, a Nietzsche e a Mussolini. No sentido de representar um afastamento das ideias modernas, eles não podem ser mais do que filhos diletos da modernidade, mesmo em reação. Na poesia, na filosofia e na política, encrustados no útero do capitalismo. Obviamente que Pound e Nietzsche não mandavam matar seus opositores, mas não deixam, de modo algum, o amparo conservador. Acontece que as verdades filosóficas e artísticas não são, em grande parte, as verdades históricas: é daí que se tem alguma coisa, aqui, de adorniano: se a liberdade sempre faltou nas sociedades, o mundo construído nas ficções (poesia) parte contra tudo que não o liberta. A arte de Pound, assim, é uma mentira que sugere um refúgio. À roda, Agamben relata, e assino embaixo, o complexo ideológico de Pound como quem melhor compreendeu, dentre os poetas, a doença do espírito capitalista: “Dio non è morto, è diventato Denaro”. | Uma falta em Agamben foi em não dizer que Pound, não só na épica, mas na lírica, varre além do Ocidente (China, Egito, Japão etc. etc.). E quando varre a História, vai ao intento de que não há redenção nela, pois a possibilidade de escrever sobre o Paradisvs é, segundo as indicações, menor do que escrever sobre o Apocalypsis. A varredura acaba por abarcar as próprias linhas epopeicas. Os Cantos LXXII e LXXIII, escritos no final de 1944, quando Roma cai e os fascistas, com o apoio da Alemanha, não têm mais do que a República de Salò, são escamoteados pelo poeta anos depois. O sonho do fascismo ainda permanecia ali. Talvez, pela intencionalidade que Pound via nas tropas do Duce, a censura quanto à parte do poema seja compreendida pela frase, dita em 1962: “É evidentemente muito mais fácil encontrar habitantes para um inferno ou para um purgatório”. E. P. não compreendeu, nas décadas de 1920/30, o que poderia ter sido compreendido depois: que a dança das bacantes também integrava o que ele defendia, que o seu anticapitalismo, apesar de regressivo, era demasiado para a mais acabada forma da sociedade do trabalho (contra a poesia), que, enfim, Mussolini, não iria, na concepção das artes e contra Pound, para além do kitsch.


Eduardo Galeno

Eduardo é graduando em Letras pela Universidade Estadual do Piauí. Atualmente pesquisa na linha da Retórica, Poética e Semiótica.

References
1 Prólogo traduzido: (PDF) Prólogo, de Giorgio Agamben | Marcus Vinicius Xavier de Oliveira – Academia.edu.
2 No fim de 1967, Pound concedeu uma entrevista à TV italiana Rai, sendo mediada por Pier Paolo Pasolini, amigo de Agamben. Pasolini lê o famoso fragmento do Canto LXXXI ao poeta americano: https://youtu.be/qnHbjIAILtY. Encontro inusitado de Pound, com o passado fascista, e um comunista que sempre teve o fascismo o assombrando.

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