Não há nada para ser ensinado através das matérias fora aquilo que os alunos já recebem em casa. Não há nenhum plano de futuro para os adolescentes e para as crianças, nesse exato momento, a não ser saírem com vida ao lado dos seus. Através do ensino remoto, talvez as aulas ainda ganhem algum sentido pelo contato com a abstração, com o pensamento que nos movimenta para além desse horror que é a vida imediata, nada além disso. De modo geral, estamos todos submetidos a uma única educação: esperar.

A ansiedade pela reabertura é a ansiedade pela resolução através do óbito, onde morrer talvez seja melhor que esperar. Na data de hoje[1] a região sul ultrapassou mais um marco histórico: pela primeira vez morrem mais pessoas por dia do que nascem. A conta governamental, um tanto escancarada, talvez seja ampliar ao limite essa diferença. Já não há vagas nos hospitais, nos cemitérios, nas consultas psiquiátricas, nos empregos. Não há vagas para humanos na terra. Abrir a escola é um meio de salvar a instituição e matar o humano, no limite, está tudo de acordo com os ponteiros do relógio mundial. Basta se conformar que o caminho para a nossa própria extinção é o horizonte coletivo que cultivamos, o resto é conversa de bar que, por falar nisso, também está no fim.

Se por um lado é verdade que a escola hoje perdeu sua função formadora para se tornar um grande depósito de crianças — espécie de assistência social destinada a movimentação dos pais desses menores em direção ao trabalho — , por outro, em um cenário pandêmico, a escola já não cumpre nem mesmo este fim, já que o número de alunos por sala é reduzido e o retorno escolar flutua entre a segurança da reabertura e a emergência do fechamento. O fato é facilmente observável no número de alunos que aderem ao retorno, ao menos nas escolas públicas, e as brevíssimas semanas onde a “normalidade” e a “segurança” do ambiente podem ser garantidas; assim, a única função plenamente garantida pelo retorno é o aumento da contaminação da comunidade escolar. A justificativa econômica, por exemplo, é desmascarada pelo desespero familiar de que seus filhos retornem ao “depósito”, para que o curso do trabalho siga, ainda que o trabalho não exista na prática. O auxílio emergencial e o auxílio merenda parecem preocupar muito mais as famílias dos estudantes das escolas públicas do que o reclame pelo retorno. A bem intencionada preocupação com a saúde mental dos estudantes e dos pais, há um ano quarentenados, demonstra apenas certa adesão ao massacre: se há uma urgência em retornar à normalidade, por que então não se cobra uma saída coletiva dos governos à barbárie em que estamos todos metidos? Qualquer tentativa de “normalização” pela via da redução de danos mentais, se apresenta, de todo modo, como uma espécie estranha de conformismo diante da morte. 

O clima de morbidez já tomou também os corredores das escolas; talvez o anúncio de sua falência tenha se mantido durante um longo período, sendo entregue a conta-gotas a verdade de sua não-função social. A crise sanitária só confirmou com mais força a intuição inominável da comunidade escolar nas últimas décadas: a escola, tal qual a conhecíamos, acabou. Para que então a pressa em reabri-la?

[1] O texto começou a ser escrito no dia 8 de abril de 2021. Nessa data, a região sul do país divulgou a inédita inversão demográfica da região, intensificada pela covid 19.


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