Há 38 anos, em 1986, foi publicada a primeira edição da Marxistische Kritik (mais tarde renomeada Krisis)1 e teve início o desenvolvimento da crítica do valor. Inicialmente limitada a pequenos círculos, ela alcançou um “avanço” na esfera pública com a publicação de O colapso da modernização (1991), de Robert Kurz. O interesse cresceu rapidamente, não apenas nos países de língua alemã, mas também em outros países, de início principalmente no Brasil. Quando publiquei os primeiros textos de Kurz em uma editora italiana, em 1994, não me pareceu exagerado afirmar no prefácio que, em um futuro próximo, estaríamos falando de uma “Escola de Nuremberg”, assim como já falávamos da “Escola de Frankfurt” há muito tempo.
A previsão provou estar errada.
A crítica do valor, ou a crítica do valor-cisão, permaneceu em todos os lugares com o status de seita, ou regressou ele – tal como o bordiguismo na Itália ou o Grupo Marxista na Alemanha. É verdade que há várias revistas específicas de crítica do valor na Alemanha, Áustria e França, uma editora na França dedicada exclusivamente ao tema, várias homepages e muitas traduções, especialmente dos escritos de Kurz; mas não se pode ignorar o fato de que os “dinossauros marxistas”, de cuja extinção iminente a crítica do valor estava convencida na década de 1990, continuam a dominar (ou estão novamente dominando) a parte do espectro da esquerda radical que ainda se refere a Marx. As velhas glórias continuam a dominar colóquios, periódicos, cursos universitários e escolas de verão: Sempre se fala de Louis Althusser e Jacques Rancière, Toni Negri e David Harvey, Slavoj Žižek e Alain Badiou, do operaísmo italiano ou mesmo da Revolução Russa; ou de autores que não se consideravam ou não se consideram marxistas, como Gilles Deleuze, Michel Foucault, Giorgio Agamben ou Judith Butler. Até mesmo Michael Heinrich conquistou um público internacional. Quem folhear a prestigiosa revista britânica Historical Materialism, por exemplo, que afirma dar espaço a todos os tipos de marxismo, e participar de suas conferências anuais, onde centenas de palestras são sempre proferidas, quase nunca encontrará referências à crítica do valor alemã. Moishe Postone, por outro lado, tem algum espaço ali2 – mas isso não ocorre com Kurz ou com outros autores da Krisis ou da EXIT.
Isso seria de fato bastante “suportável”. Desde o início, a crítica do valor definiu-se explicitamente como um movimento não acadêmico. Seus fundadores e, posteriormente, os principais colaboradores não tinham carreira universitária (com exceção de Claus Peter Ortlieb, que lecionava matemática), nem eram jornalistas ou pessoas com influência na mídia – e muito menos políticos. O próprio Kurz disse: os críticos do valor eram os “vira-latas” da crítica social e estavam bem assim. E foi exatamente essa posição de outsider escolhida por ele mesmo que tornou a crítica do valor atraente para algumas pessoas. Afinal de contas, durante décadas a universidade contribuiu para a banalização e “domesticação” da crítica social! Como é paradoxal ser pago pelo Estado para criticá-lo, construir carreiras institucionais com base na disseminação de conteúdo supostamente revolucionário e avaliar os alunos de acordo com sua compreensão da crítica do capitalismo! Certamente é bom a natureza radical do conteúdo não ter nada a ver com o Estado e a grande mídia – pois até a Primeira Guerra Mundial e depois, em sua “era de ouro” (Kolakowski), o marxismo não tinha lugar nas universidades. Outro exemplo de como uma teoria crítica do capitalismo pode se fazer ouvir sem qualquer presença em universidades, instituições ou na grande mídia, ou seja, por meio da qualidade de suas análises e possíveis ações, foi a Internacional Situacionista (1957-1972) e seu pioneiro Guy Debord.
A crítica do valor não pode ser usada para fazer dinheiro, lançar uma carreira ou obter financiamento, nem há 38 anos nem hoje. Os oportunistas rapidamente lhe deram as costas. Embora fosse totalmente correta, essa atitude custou caro à crítica do valor. Porque ela também perdeu uma enorme oportunidade de ressonância a qual quase nenhuma outra corrente do marxismo renunciou. Nas universidades, muitas vezes são os próprios marxistas e outros “esquerdistas” que defendem seu pequeno terreno já reduzido e não permitem qualquer competição em seu campo – até porque ataques duros ao marxismo tradicional sempre fizeram parte do equipamento básico da crítica do valor. Esta certamente tinha o potencial de se tornar um novo paradigma para as ciências humanas – especialmente em campos como a história social, literária e cultural, mas também a história do trabalho e da resistência a ele. Essa possibilidade, porém, raramente foi concretizada.
Há, é claro, uma segunda ressonância possível para a crítica social, que na verdade deveria estar muito mais próxima de suas manifestações radicais: movimentos sociais de todos os tipos, ativismo, a luta prática contra o capitalismo.3 Marx e Engels já tinham a intenção de fazer a teoria chegar às pessoas interessadas nos movimentos, mas, em vez de realizar seminários na universidade, eles fundaram a Associação Internacional Operária. A crítica do valor, porém, insistiu desde o início – e isso faz parte de sua essência – em que a teoria não deveria ser “serva” da prática. Não se tratava, de forma alguma, de correr atrás dos movimentos sociais e explicar a eles o que já estavam fazendo, mas, ao contrário, de apontar suas deficiências e incentivá-los a se tornarem mais radicais e a questionar toda a socialização do valor, do trabalho e do dinheiro. Essa abordagem é correta, importante e corajosa. Não é possível criticar a constituição do sujeito formado pela mercadoria se, ao mesmo tempo, cada um dos seus impulsos é visto como uma tendência revolucionária, como fazem quase todos os grupos radicais de esquerda. O benefício narcisista que quase todos os sujeitos obtêm ao se identificar com um “grupo”, geralmente um grupo que foi amplamente injustiçado, mas que estaria predestinado a emancipar-se, é certamente um dos atrativos essenciais do ativismo. Isso torna possível inflar o próprio “ser-assim”, como Adorno o chamou, em um positivo absoluto e sempre atribuir todo o negativo aos outros (“a burguesia”, “os governantes”, “os imperialistas”, “os colonizadores”, “os homofóbicos”, “os homens” etc.). Contrapor a eles a ideia de que o capital é uma relação da qual todos os sujeitos capitalistas participam, embora com papéis e vantagens muito diferentes, e que toda crítica social também deve incluir uma autocrítica, quase sempre aparece para os sujeitos capitalistas como uma imposição, uma sabotagem ou uma provocação. Reconhecer desde o início o perigo do “populismo transversal” em um estágio inicial é uma consequência dessa atitude da crítica do valor.4 Ativistas de todos os tipos sempre consideram a crítica do valor distante, difícil demais, intelectual demais, muito separada da prática, radical demais, não comunicável, uma crítica que vive na torre de marfim – mas essas objeções apenas atestam a natureza limitada desse tipo de ativismo e a justificativa para criticá-lo. A crítica do valor não é considerada apenas impraticável, mas também pessimista, desmoralizante e desanimadora. O fato de não espalhar ilusões e não se agarrar a cada gota de esperança, porém, não é outra coisa senão um mérito da crítica do valor.
Seja como for, alguém tem que ouvir a teoria – tem que haver um público, se não for apenas para enviar mensagens na garrafa.5 A crítica do valor faz muito bem em não agradar o empreendimento acadêmico nem aos movimentos; mas, no fim das contas, ela fica sem público. É fácil descobrir que, mesmo que você compartilhe a análise categorial da crítica do valor, não há necessidade dela para se manifestar contra a energia nuclear ou o fechamento de hospitais, para defender a biodiversidade ou o acolhimento de migrantes, para considerar as pequenas casas de pedra melhores do que os blocos de concreto ou para criticar o Estado policial e a tirania dos algoritmos. É claro que, em todos esses casos, é possível demonstrar que, se você realmente chegar ao fundo das coisas, a socialização do valor é a responsável e não haverá solução real sem que nos livremos dela. Quem não quiser esperar por isso, também pode, aqui e agora, socorrer refugiados no mar ou bloquear uma fábrica de cimento, sem se referir à crítica do valor, junto com pessoas que nunca ouviram falar disso. Na melhor das hipóteses, pode-se, então, dissipar ilusões sobre o escopo dessas ações e impedir as pessoas de concorrer ao parlamento…
Se a teoria não for acadêmica nem ativamente útil, ela simplesmente receberá pouca atenção. Somente as pessoas que estão genuinamente interessadas em conhecimento, sem qualquer aplicação imediata para si mesmas ou para a sociedade, farão o esforço de realmente entender a crítica do valor. Infelizmente, tais pessoas são raras.
A crítica do valor teria traído a si mesma e a sua especificidade se, em algum momento de seu desenvolvimento, tivesse se voltado para o público universitário ou ativista. Por isso mesmo é que ela precisa se contentar com um eco que fica muito aquém de seu potencial intelectual. Não há dúvida de que muito do que a crítica do valor produziu desde 1986 está entre as ideias mais importantes de nosso tempo. Infelizmente, isso não é o bastante.
Esse seria provavelmente o motivo “estratégico” mais importante para a disseminação inadequada da crítica do valor.6 O lado do conteúdo também deve ser considerado: quais são, em retrospecto, os pontos fortes, mas também as fraquezas da crítica do valor? Estes comentários serão forçosamente bastante apressados e, na verdade, mereceriam um livro grosso!
A importância extraordinária da reformulação da crítica da economia política feita por Kurz, ou seja, sua renovação das ideias de Marx, provavelmente não precisa de mais explicações. Desde “Trabalho abstrato e socialismo” (1987), passando por “Ler Marx” (2000) e “A substância do capital” (2004)7 até sua última obra, “Dinheiro sem valor” (2012), Kurz fez uma releitura das categorias de Marx que supera todas as outras abordagens do último meio século, incluindo a de Moishe Postone. Seus estudos sobre as origens, a história e a situação atual do capitalismo, conforme desenvolvidos em “O colapso da modernização” (1991), “Livro negro do capitalismo” (1999) e “Guerra de ordenamento mundial” (2003), provavelmente ainda serão lidos daqui a cem anos para entender esta época. Em “Dominação sem sujeito” (1993), ele delineou um enorme programa de investigação. Sua crítica ao marxismo tradicional e, acima de tudo, ao seu fetiche do trabalho e da luta de classes, bem como ao seu papel histórico de auxiliar no desenvolvimento capitalista, são referências em relação às quais toda forma de pensamento marxista deve – ou melhor, “deveria” – ser avaliada hoje, porque os próprios alvos de sua crítica organizaram uma “conspiração de silêncio” eficaz contra ela.8 Porém, há outros pontos em que uma revisão da crítica do valor certamente parece necessária – seja porque a abordagem tinha pontos fracos desde o início ou porque o desenvolvimento progressivo da sociedade de mercadorias exige uma mudança na teoria.
Isso se aplica, em primeiro lugar e acima de tudo, à teoria da crise. Esse é, de longe, o ponto que atraiu mais atenção, especialmente quando a crítica do valor foi recebida por um público mais amplo. Esse foi o caso após o colapso do bloco do Leste e da “reunificação” alemã e foi reativado a cada nova crise. Na década de 1990, quando a situação econômica no Brasil era muito incerta, Kurz gozava de grande popularidade na mídia brasileira como “profeta do apocalipse”, e ele mesmo dizia que assim que o mercado de ações ou a moeda caiam, seu telefone tocava e um jornal brasileiro pedia um comentário. Quando o Brasil experimentou uma recuperação momentânea durante a primeira presidência de Lula (2003-2010) e a sensação de “êxito” e de não ser mais um país do Terceiro Mundo se espalhou, o interesse pela crítica do valor diminuiu drasticamente, e alguns dos grupos de crítica do valor restantes se distanciaram explicitamente da teoria da crise, que simplesmente não era mais “comunicável” e seria ridicularizada (embora isso tenha mudado novamente depois de alguns anos!)
A teoria da crise – embora em diferentes formas nas várias abordagens de crítica do valor (a EXIT, é claro, é particularmente “kurziana”) – forma a base da crítica do valor alemã e de suas ramificações internacionais; em contraste com a crítica do valor de Postone, que não tem uma teoria da crise, e com quase todas as correntes do marxismo. A concorrência intracapitalista impulsiona constantemente a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, reduzindo assim a massa de valor que só é criada pelo trabalho vivo. Esse processo historicamente progressivo já teria provocado há muito o colapso da produção de valor e da sociedade que se baseia nela, não fosse a expansão cada vez maior, desde a década de 1970, do “capital fictício” e de montanhas gigantescas de dívidas.
Essa é a tese básica que já pode ser encontrada nas contribuições da Marxistische Kritik. Na década de 1990, a Krisis considerou, portanto, que o colapso do capitalismo era iminente. Em textos como “A vingança de Honecker” (1991), Kurz argumentou que a anexação da RDA sobrecarregaria completamente o capitalismo da Alemanha Ocidental e, por fim, o arrastaria para o abismo, o que, por sua vez, causaria o colapso de toda a economia mundial.9 Em “O colapso da modernização”, do mesmo ano, ele afirmou que era de se esperar que a sociedade da mercadoria “entrasse em uma era sombria de caos e desintegração das estruturas sociais antes do final do século XX, algo nunca visto antes na história mundial”.1011 Mas é preciso observar que a crítica do valor inicialmente superestimou consideravelmente a velocidade da crise final. Posteriormente, ocorreu uma série de crises que poderiam ser interpretadas como sinais de que o capitalismo estava de fato atingindo seus limites internos: as crises financeiras no México em 1994, no Sudeste Asiático em 1997, na Rússia em 1998, no Brasil em 1999, o estouro da bolha das empresas pontocom em 2000, a crise argentina em 2002, a crise global do subprime em 2008, a crise grega a partir de 2010. Em cada uma delas, a dívida pública e privada foi levada a níveis considerados inimagináveis pouco tempo antes. Não havia alternativas, já que os problemas subjacentes eram insolúveis, como afirmava a teoria da crise da crítica do valor – e quase ninguém mais o fez, mesmo na esquerda. A crítica do valor permaneceu sozinha na reconstituição das crises financeiras como resultado da impossibilidade da acumulação de capital e do derretimento da massa de valor, que era uma premissa completamente correta.
O capitalismo, no entanto, não colapsou. Cada uma dessas crises cessou, pelo menos aparentemente, ou pelo menos perdeu intensidade. Contra todas as expectativas, a Rússia voltou a ser uma potência mundial. Não ocorreu uma espiral de crises cada vez mais graves. A crise global da Covid realmente pareceu, pelo menos no início, a oportunidade certa para a crise definitiva da dívida: primeiro, por meio da restrição severa da produção e do comércio global e, depois, por meio dos gigantescos “pacotes de resgate” de crédito. Mas, também desta vez, o colapso não aconteceu. Nenhum problema foi resolvido, mas tudo continua.
E isso precisa ser explicado teoricamente. A teoria da crise como tal está correta, mas não foi capaz de explicar por que até hoje não houve uma crise final. Dizer sempre: “se a grande crise não vier desta vez, ela virá no próximo ano – você verá” realmente se assemelha às profecias do juízo final com as quais os oponentes da crítica do valor sempre a identificaram. É verdade que o modelo de acumulação fordista em sua forma pura está morto nos centros capitalistas há décadas, nunca foi realmente exportado para a periferia e nenhum outro modelo de acumulação é viável. A combinação de economia de mercado e democracia, pleno emprego e prosperidade, compromisso de classe (ou seja, uma redução nas diferenças de renda) e as contas equilibradas, ou seja, o chamado “milagre econômico”, durou algumas décadas, no máximo, e mesmo assim somente em alguns países. Essa sociedade via a si própria como uma espécie de ponto final da história, a solução perfeita finalmente encontrada e que só precisava ser estendida para o resto do mundo. Mesmo aqueles que cresceram nela (incluindo os fundadores da crítica do valor!) podem ter pensado dessa forma: um capitalismo “real”, “correto”, em relação ao qual todas as outras formas de capitalismo são precursoras ou formas de decadência. Mas será que esse é realmente o caso? Em vez de repetir constantemente que o limite será atingido em algum momento, a crítica do valor talvez devesse examinar as inúmeras formas “não ortodoxas” pelas quais a sociedade global de mercadorias se arrasta de uma solução emergencial para a próxima solução provisória. Será que o papel da China e de outras “economias emergentes”, por um lado, e o papel da digitalização, por outro, foram suficientemente considerados? Ao contrário do que afirma a economia burguesa e quase todos os marxistas, não são simplesmente novos modelos que estão tomando o lugar dos antigos centros capitalistas (“o século do Pacífico”!) ou substitutos da antiga indústria; mas eles parecem dar novamente à valorização global do valor algum espaço para respirar e, de qualquer forma, é só isso que o capitalismo “exige”.
Ernst Lohoff e Norbert Trenkle fizeram uma tentativa de explicar o adiamento da crise final usando categorias de economia política em A grande desvalorização (2012). Mas ninguém parece estar convencido por suas análises complicadas.
O importante é que a crítica do valor, em todas as suas perspectivas, provou que as crises financeiras são consequência de uma crise de acumulação real e não o contrário. Portanto, ela foi capaz de marcar qualquer crítica unilateral dos mercados financeiros, dos bancos e da especulação como uma crítica truncada do capitalismo que leva ao populismo e ao novo antissemitismo.
A insistência no “limite interno” do capital, tão característica da crítica do valor e, especialmente, de Kurz, que quase sempre foi alheia ao marxismo convencional, sempre foi subliminarmente dirigida contra a suposição de que o capitalismo colidiria principalmente com seus “limites externos”. Pelo menos desde a década de 1970, isso tem sido entendido como significando, acima de tudo, as barreiras naturais, os limites ecológicos. Desde o início, a crítica do valor se desenvolveu explicitamente em oposição ao discurso ambiental que se espalhou na Alemanha na década de 1980 – “Notas críticas sobre a nova crítica das forças produtivas e a ideologia da dessocialização” foi o subtítulo do longo artigo de Kurz, “O domínio das coisas mortas”, em Marxistische Kritik No. 2-3 (1986-1987). A Krisis inicialmente ainda era dominada por uma verdadeira euforia tecnológica: o avanço no desenvolvimento de tecnologias poupadoras de trabalho privaria o capitalismo de sua base e libertaria os indivíduos do trabalho. No entanto, como essa ideologia do progresso – que basicamente era apenas uma variação da ideia marxista tradicional das forças produtivas que explodem as relações de produção – foi parcialmente corrigida mais tarde, ela não será discutida em detalhes aqui (ver meu artigo “Von Mixern und Sozialdarwinisten”). A questão do limite externo, porém, continuou a ser amplamente ignorada. Embora atingir o limite interno da valorização do capital leve muito mais tempo do que a crítica do valor acreditava e isso seja interrompido por vários movimentos opostos, o movimento em direção ao limite natural é praticamente imparável e está em constante aceleração, sem nenhum momento significativo de retardamento. Há muitas indicações de que o limite natural será alcançado mais rapidamente do que o limite interno e, de fato, desencadeará uma crise fundamental global.
Isso significa que, ao fim de quarenta anos, a crítica das forças produtivas tinha razão contra a crítica do valor? Não necessariamente. Somente a descrição da lógica da valorização do valor, conforme fornecida por esta última, é capaz de revelar as causas internas da compulsão capitalista insana pelo crescimento. Nenhuma variedade de discurso ecológico realmente abordou esse problema, e mesmo os ecologistas que se classificam como radicalmente críticos do capitalismo sempre têm uma ideia muito superficial da relação entre o capitalismo e a crise ambiental (os ricos, as multinacionais ou os lobbys são os culpados por tudo). Uma das contribuições mais importantes que a crítica do valor pode fazer hoje é mostrar que não há salvação para a catástrofe ambiental a menos que a sociedade mundial abandone o trabalho abstrato e a produção de mercadorias, o dinheiro e o valor. Mas esse tópico não tem sido muito abordado na crítica do valor. Nem a autonomização das tecnologias. O fetichismo moderno – o mundo que o próprio homem constrói, mas pelo qual ele se vê dominado – consiste essencialmente em duas metades: o valor produzido pelo lado abstrato do trabalho e a mega-máquina tecnológica. Historicamente, elas surgiram juntas, sem que fosse possível definir uma prioridade clara. Portanto, há um amplo campo para pesquisas futuras, que também serão de grande relevância para as ações atuais.
Vamos mencionar brevemente algumas outras áreas nas quais a crítica do valor deveria avançar em vez de se tornar um dogma. A crítica do Iluminismo desenvolvida pela crítica do valor desde o final da década de 199012 também foi um golpe importante na esquerda. Praticamente toda ela sempre se viu como herdeira do Iluminismo, que precisava ser completado, ou aceitou a “dialética do Iluminismo” como explicação. Uma alternativa ao Iluminismo só poderia ser o Contra-Iluminismo, a reação, o Romantismo, com tudo o que emergiu dele, especialmente na Alemanha. Kurz e outros mostraram que, em muitos aspectos, o Iluminismo não significava a superação da dominação, mas, ao contrário, é uma internalização desta e, assim, uma questão de imposição das categorias capitalistas. O Iluminismo não foi, como muitas vezes se afirma, deturpado, tornando-se o seu oposto, mas em seus próprios fundamentos significou uma intensificação da dominação – como prova o Panopticon de Bentham. Enquanto este último já havia sido exposto como repressivo por outros autores, como Michel Foucault, a crítica do valor descobriu um núcleo repressivo até mesmo no padroeiro do Iluminismo, Immanuel Kant. As citações de Kant usadas nos textos da crítica do valor para tal são de fato capazes de prejudicar seriamente a imagem do “filósofo da liberdade”, para quem o Iluminismo significava a saída do homem de sua menoridade autoinfligida. Inúmeras afirmações racistas, antissemitas e misóginas de pensadores renomados do Iluminismo também foram referidas, levando à conclusão de que a opressão de mulheres, judeus e não-brancos – ou seja, o domínio do que Kurz descreveu como o sujeito masculino-branco-ocidental (MWW) – só se estabeleceu de fato na segunda metade do século XVIII, “baseando-se” em formas mais antigas.
Isso é um exagero. Inicialmente, isso pode ser a coisa certa a se fazer para delimitar uma nova teoria em face da confusão usual de visões “acomodadas”, fazendo declarações drásticas e evitando que ela afunde no mercado usual de opiniões irrelevantes da sua época. Porém, teria sido absolutamente necessária, em um segundo estágio, a transição para uma abordagem mais matizada.
A leitura que Kurz faz do Iluminismo é – para dizer o mínimo – altamente seletiva. Ele não menciona o Iluminismo francês, embora Denis Diderot, por exemplo, fosse decididamente anticolonialista e antirracista (“Suplemento à Viagem de Bougainville”, de 1772). O fato de a Revolução Francesa ter proclamado a emancipação dos judeus e abolido a escravidão nas colônias, entre todos os seus outros méritos, é ignorado. Tampouco a abolição da tortura e da pena de morte em alguns países. Kurz (assim como Lohoff e Karl-Heinz Wedel nos respectivos artigos da Krisis) está realmente preocupado apenas com Kant, cujas tendências repressivas são apontadas com razão13 ; mas também foi Kant que escreveu: “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; o que, por outro lado, está acima de qualquer preço e, portanto, não permite um equivalente, então tem ela dignidade. Isso é deliberadamente ignorado. Tal objeção não significa que Kant tenha sido um filósofo da liberdade, mas que ele era tão ambivalente quanto o Iluminismo em geral.
Outras partes da crítica ao Iluminismo são ainda menos convincentes. Antissemitismo, racismo e patriarcado são supostamente uma simples consequência do Iluminismo? Esses fenômenos assumiram novas formas na modernidade capitalista, muitas vezes enxertados em outras mais antigas, mas não são invenções puras da Modernidade. O Iluminismo forneceu munição para a reformulação e, muitas vezes, para o reforço do racismo, do antissemitismo e do patriarcado, bem como argumentos contra eles. Essa dialética deve ser sempre lembrada. Vinte anos após a Revolução Francesa, os judeus foram formalmente emancipados na maioria dos países da Europa Ocidental. A escravidão nas colônias foi cada vez mais criticada e, pouco depois, abolida. Os direitos das mulheres aumentaram (por exemplo, a introdução do divórcio durante a Revolução Francesa). Obviamente, é verdade que essas liberdades foram acompanhadas por novas formas de servidão internalizada, como a ética do trabalho; mas será que isso é uma suficiente para ver o Iluminismo como um mero impulso para afirmar a sociedade do valor e não como um campo de batalha?
A crítica do Iluminismo também começou na segunda metade do século XVIII e muitas vezes assumiu a forma do Contra-Iluminismo, ou seja, o romantismo, o tradicionalismo, o irracionalismo e o retorno à religião. É claro que a crítica do valor não tem nada a ver com isso. Iluminismo e Contra-Iluminismo são tratados de forma um tanto precipitada como irmãos hostis, como polos dialéticos que devem ser superados juntos. Mas com base em quê? Essa foi a pergunta que fiz a Kurz em 2003, em meu artigo na Krisis “Uma questão de ponto de vista. Notas sobre a crítica do Iluminismo”. Se nem a pré-Modernidade nem a Modernidade podem servir como ponto de partida, em que deveria se basear a prometida “antimodernidade emancipatória”? Não estaria ela, então, pairando no ar?
A centralidade da crítica do Iluminismo na Krisis, e logo depois, na EXIT, andou de mãos dadas com um foco crescente no valor-cisão. O termo “crítica do valor” não pode mais ser usado na EXIT, ela tem que ser “crítica do valor-cisão” (Wertabspaltungskritik) e, como isso é muito complicado, ele é transformado na abreviação WAK, no mais belo estilo da RDA. É difícil que um texto seja aceito pela EXIT se ele não mencionar o valor-cisão várias vezes em cada página14 , e quem não o fizer, sem dúvida, pertence a uma “organização masculina”.
E, no entanto, o valor-cisão foi uma ideia extremamente importante no início: o valor não abrange tudo, nem toda atividade produz valor. A produção de valor depende de várias atividades, especialmente na área de reprodução, que ocorrem de um modo que não é formado pela mercadoria. Elas não constituem “trabalho” no sentido capitalista, mas não estão de forma alguma livres da forma de mercadoria. Elas formam um “lado obscuro” da produção de valor, um pré-requisito silencioso. Aqueles que as realizam geralmente são inferiores e excluídos dos “direitos” que a participação na produção de valor confere, por exemplo, ao operário clássico. Essas atividades são realizadas em grande parte por mulheres, e a subordinação das mulheres nas sociedades modernas baseia-se principalmente no fato de que, enquanto estiverem ativas no campo da reprodução, elas não realizam “trabalho” e não geram “valor”.
Foi assim que a cisão do valor foi apresentada em vários artigos fundamentais da Krisis 12 (1992).15 Depois disso, porém, essa ideia não foi mais desenvolvida e diferenciada, por exemplo, por meio de estudos históricos, mas foi elevada a um dogma em sua forma original, que foi meramente apoiada arbitrariamente com dados empíricos onde isso era conveniente. Nessa forma, ela também foi usada em disputas dentro da crítica do valor para trocas banais de golpes, muitas vezes passando diretamente do nível de abstração categorial para hostilidades pessoais e lutas mesquinhas pelo poder. Acima de tudo, porém, foi bloqueada a discussão de um ponto de vista importante: no capitalismo, deve haver, de fato, uma produção de mais-valia (nível categorial), mas isso não precisa necessariamente ser realizado por um proletariado industrial miserável (nível empírico), como em seus primórdios, mas também pode ocorrer em outros lugares, por exemplo, com empregados high-tech (e isso é precisamente o que a crítica do valor sempre criticou nos marxistas tradicionais, que procuravam um sucessor para o antigo proletariado).16 Da mesma forma, embora o valor precise de uma ampla esfera de atividades sem valor para funcionar, essa esfera não se limita à atividade feminina não mercantil no lar e na família. Embora ela continue a desempenhar um papel muito importante, há também outras esferas sem valor sem as quais a produção de valor colapsaria. Tais esferas incluem, por um lado, a servidão doméstica (de ambos os sexos), muito difundida até boa parte do século XX, e, por outro lado, tudo o que a sociologia chama de “economia da dádiva”, que inclui amizade, amor, ajuda ao próximo, associações etc.: todas as atividades que, mesmo não sendo totalmente “desinteressadas”, se diferenciam de algum modo da troca de equivalentes (quando convidamos amigos para jantar, esperamos que eles nos convidem de volta, mas não temos o “direito” de fazer isso – não é uma troca).
Esse “lado obscuro” da socialização pelo valor é, de fato, muitas vezes influenciado pelo gênero, mas nem sempre e não necessariamente. E é cada vez menos assim. Poucas coisas mudaram tanto nas últimas décadas quanto a posição das mulheres na sociedade, principalmente graças à libertação da fixação na função materna. A função categorial da “mulher”, assim como a função do “trabalhador”, se desvinculou em grande parte de seus portadores empíricos. As numerosas mulheres no Estado e na economia não podem mais ser definidas como meras “exceções”. Embora os conceitos de “asselvajamento do patriarcado” (título de um artigo de Scholz de 1998) e a “domesticação dos homens” reconheçam o descompasso entre teoria e empirismo, eles não abordam de fato o distanciamento da lógica fetichista de seus portadores históricos como uma das principais características do último estágio da socialização pelo valor – assim como os marxistas, que não conseguem dizer adeus ao proletariado e apontam triunfantemente para os proletários “reais” que ainda podem ser encontrados em algum lugar. Dessa forma, a WAK consegue se definir como feminista ao mesmo tempo em que se coloca acima de todas as feministas comuns que não atingem o seu nível de abstração. As polêmicas são dirigidas especialmente contra autoras como Silvia Federici ou Maria Mies, o que por vezes sugere uma atitude competitiva. Por outro lado, são apresentadas descobertas revolucionárias, como a de que há também um “nível meso” entre o nível abstrato das categorias e o nível empírico. Quem poderia imaginar isso! Portanto, também aqui, as oportunidades para a disseminação de ideias da crítica do valor para além do pântano da esquerda radical foram sufocadas.
Também podemos nos perguntar o que Kurz realmente pensava da WAK, a despeito da ênfase com que ele a defendia. É surpreendente que em seu primeiro texto significativo após a divisão da Krisis (que teria se baseado essencialmente na rejeição da WAK pelos outros membros da Krisis), a saber, “A substância do capital”, bem como em “O Capital Mundial” (2005), publicado logo depois, e, finalmente, em sua última obra, “Dinheiro sem valor”, escrito oito anos depois, o valor-cisão quase não desempenha um papel. Nesses escritos, nos quais Kurz está indubitavelmente em seu habitat e dá o melhor de si, ele se sai bem sem essa categoria. Em outros escritos, ele quase parece forçado a usá-la o tempo todo. Será que há um Kurz exotérico e um esotérico?
Vamos tocar brevemente em outro problema: a questão da relação entre o universalismo do valor e as particularidades das culturas tomadas individualmente. Como Kurz explicou várias vezes, hoje o valor prevalece nos cantos mais remotos do mundo e determina – de maneira direta ou indireta – as ações de todos. O fato de alguém ser um beduíno no deserto ou um corretor em Nova York é apenas uma “ornamentação” externa. O valor agora criou um One World. Será que é isso mesmo? Ainda que a lógica do valor tenha de fato chegado tão longe quanto nas montanhas afegãs e na selva amazônica, há diferenças consideráveis na forma como culturas individuais reagem a ela. Também parece duvidoso que, como sugerem as análises do islamismo apresentadas sobretudo pela Krisis “residual”17 , as manifestações atuais de ideologias antigas, como o Islã, sejam realmente moldadas em grande parte pelos padrões ocidentais ou, pelo menos, representem uma reação a eles, de modo que Ernst Jünger ou Carl Schmitt, por exemplo, tenham mais responsabilidade pelo Islã político do que os wahabitas ou o texto do Corão.18 Lembrar que, por exemplo, a China atual poderia, em alguns aspectos, ter mais em comum com a China do período T’ang do que com os EUA é logo considerado “culturalismo” pela crítica do valor.
Esse anticulturalismo também teve suas boas razões no início. Em seu importante livro “A terceira via na guerra civil” (1996), Lohoff demonstrou de forma convincente que a desintegração da Iugoslávia e a terrível guerra civil que se seguiu não eram, como a imprensa alemã pintava alegremente, uma espécie de “guerra tribal” entre povos com rivalidades seculares ou uma guerra entre um lado “bárbaro” e um “civilizado”. Lohoff mostrou todos os estágios do fracasso da “modernização recuperadora” na Iugoslávia e como as tensões entre as diferentes culturas e idiomas do país, que poderiam ter existido no nível pacífico da Suíça, escalaram até o morticínio. Também nesse caso, porém, a ênfase em um fator que até então havia sido amplamente ignorado pelo público foi necessariamente muito unilateral a fim de se fazer ouvir. Mais tarde, em seu “Guerra de ordenamento mundial”, Kurz de fato deu às ideologias e religiões seu próprio peso – mas talvez não o suficiente, sobretudo com relação à manifestação concreta da barbárie e da desintegração impulsionadas pela crise. Uma certa subestimação da esfera cultural e simbólica pode ser um resquício não resolvido do antigo “materialismo” marxista.
Enquanto a crítica do valor superestimar a homogeneidade do sujeito atual da mercadoria, ela, por outro lado, exagera sua diferença absoluta em relação às épocas pré-modernas. Outro dogma que deve ser questionado é a rejeição completa de todos os chamados conceitos “ontologizantes” ou “antropologizantes”. Isso não significa questionar a existência de constantes na história humana? Assim como o corpo humano permanece essencialmente o mesmo em um nível biológico, não existe também uma estrutura pulsional, uma constituição psicológica humana que é muito plástica, mas apenas dentro de certos limites? De que outra forma se pode explicar que características semelhantes (p.e., hierarquias sociais, hierarquias de gênero, formas de religião, formas autonomizadas de mediação [fetichismo], guerra, xenofobia) ocorram repetidamente em praticamente todas as sociedades? A rejeição da suposição de uma “base natural”, condenada como “essencialismo”, não faz parte da ilusão moderna de que o homem pode se recriar sem limites e sem encontrar barreiras na natureza externa ou interna? Não é essa a famosa “realização ilusória” que está tão intimamente ligada à sociedade da mercadoria? Será que a agressividade e a destrutividade, por exemplo, até o “instinto de morte”, são sempre apenas as consequências de uma sociedade repressiva – o que, por si só, é evitável – ou elas surgem, em parte, de um conflito entre a estrutura da pulsão individual e a socialidade em geral?
Portanto, passados 38 anos, surge a pergunta: a crítica do valor foi uma abordagem que, depois de um início brilhante, quase desapareceu de cena e, no final, pouco influenciou a história, ou será que ela, tendo superado algumas limitações como uma doença infantil, finalmente será capaz de desenvolver todo o seu potencial e assumir um lugar firme e duradouro na análise crítica da sociedade?
- Ver, Robert Kurz, A crise do valor de troca, Consequência, Rio de Janeiro, 2018. [Tradução: André Villar Gomez e Marcos Barreira]. Uma reconstituição mais minuciosa apontaria que em 1984, há 40 anos, as teses centrais de “A crise do valor de troca” e “O colapso da modernização”, de 1991, já estavam esboçadas no texto “Objetivo socialista e o novo movimento operário”, publicado em Gemeinsame Beilage, N. 1. e disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2021/10/29/objetivo-socialista-e-o-novo-movimento-operario/ [N.doT.] ↩︎
- Uma edição inteira da revista Historical Materialism também foi dedicada a esse tema em 2004. ↩︎
- Muitos pensadores radicais de esquerda e suas escolas tentam combinar essas duas abordagens, como Michel Foucault, que se gabava de ser “ativista político e professor no Collège de France”. Ou Toni Negri, que lecionou “Dottrina dello Stato” na Universidade de Pádua e lutou contra o Estado. Trata-se de sabedoria estratégica para explorar todas as oportunidades ou um esforço oportunista para dançar em todos os casamentos? Isso fica a critério de cada um! ↩︎
- Embora às vezes, pelo menos com a EXIT residual, essa se torne quase a única atividade crítica. Denunciar incessantemente qualquer atividade prática dos outros porque ela não corresponde exatamente à pureza crítica do valor – e nenhuma atividade faz isso, nem pode fazer – de fato proporciona um conforto narcisista de saber mais do que todos os outros, mas depois completa a própria posição de marginalização. ↩︎
- A metáfora da mensagem na garrafa é frequentemente associada à Teoria Crítica e, especialmente, a Adorno. Ela serve de consolo para todos aqueles que não veem outra opção para suas ideias a não ser a sua disseminação como uma mensagem na garrafa. Mas com Adorno foi, pelo menos em parte, especialmente nos últimos anos, uma forma de flerte: ele mesmo fez tudo o que pôde para dar à sua teoria o máximo de ressonância possível e, durante décadas, foi um dos autores socialmente críticos mais lidos no mundo – não se pode falar de uma mensagem na garrafa aqui! Foi precisamente o caráter “não prático” da Teoria Crítica que incentivou seus protagonistas a se concentrarem na universidade (ou, como Marcuse, na universidade e no ativismo). ↩︎
- Contudo, não é certo que as divisões, exclusões, polêmicas internas e excomunhões tenham impedido a disseminação da crítica do valor; há também exemplos históricos de movimentos que tiraram sua força de tais práticas. ↩︎
- Artigo em duas partes nas edições nº 1 (2004) e nº 2 (2005) da EXIT. ↩︎
- A morte relativamente prematura de Kurz, em 2012, devido a um erro médico, certamente também contribuiu para o declínio na disseminação da crítica do valor, pois ficou claro que ninguém conseguiu dar continuidade à crítica no mesmo nível. Particularmente no campo da crítica da economia política e sua aplicação na análise das formas contemporâneas da crise do capitalismo, não há nenhuma produção notável. Em vez disso, houve uma crítica cada vez mais moralizadora e superficial do estado dos sujeitos capitalistas no nível da aparência. O último livro de Kurz mostra-o em pleno poder criativo e ele certamente ainda teria muito a dizer. Mas os problemas mencionados aqui já haviam surgido há muito tempo e eram essencialmente inerentes às posições iniciais da crítica do valor. Os aspectos discutíveis da crítica do valor delineados no restante deste artigo foram, em sua maioria, sempre defendidos por Kurz com especial fervor, e isso em todas as fases de seu desenvolvimento. ↩︎
- Não encontramos em “A vingança de Honecker” uma citação que corrobore a tese da iminência do colapso do capitalismo desencadeado pelo processo de reunificação alemã. Kurz sugere ali, de maneira bem mais sutil, que “a autodissolução dos mercados planejados poderia […] ser mais um passo em direção ao limite catastrófico de crise da lógica do mercado” (p. 10) e que “o dilema da reunificação é apenas um exemplo desse enorme potencial de crise”, “Honeckers Rache” , Tiamat, 1991, p 104. [NdT] ↩︎
- Robert Kurz (1994): O Colapso da Modernização. Leipzig: Reclam, p. 282. ↩︎
- Na sequencia imediata, no entanto, Kurz afirma que “ninguém pode prever a duração desta maior época histórica de crise, nem as formas que ela percorrerá” [NdT]. ↩︎
- No contexto da crítica do valor, essa problemática remonta ao ensaio Perda da História, de Robert Kurz, em Krisis 11 (1991). Ver Robert Kurz, “Perda da história. A guerra do golfo e o declínio do pensamento marxista”, em Marcos Barreira e Maurilio L. Botelho (Org.), No rastro do colapso. Reflexões sobre a obra de Robert Kurz, Consequência RJ, 2024. [NdoT] ↩︎
- Veja, por exemplo, Robert Kurz (2003): Ontologia negativa. Os obscurantistas do Esclarecimento e a metafísica histórica da Modernidade, em: Krisis 26; Karl Heinz Wedel (2003): A descida do eu aos infernos. Da forma mortal da vontade sem sentido em Kant, em Krisis 26. ↩︎
- Para não falar do seu caráter intraduzível em outros idiomas. ↩︎
- Roswitha Scholz (1992): O valor é o homem. Teses sobre a socialização pelo valor e as relações de gênero, em: Krisis 12; Robert Kurz (1992): Fetichismo do sexo. Notas sobre a lógica da feminilidade e da masculinidade, em: Krisis 12. ↩︎
- Nos textos da crítica do valor, no entanto, criticou-se o marxismo tradicional também pela tentativa de ampliar o conceito de “classe operária” até esta se tornar uma noção vaga de “classe trabalhadora” sem contudo sociológico definível em termos empíricos. Ver, p.e., Luta sem classes, de Norbert Trenkle, em Krisis 26. [NdoT]. ↩︎
- Por exemplo, Norbert Trenkle (2015): Desgraçadamente moderno. Por que o islamismo não pode ser explicado pela religião, krisis.org. ↩︎
- As análises da crítica do valor sobre o fundamentalismo, por outro lado, têm se concentrado nos ideólogos modernos e não-ocidentais do islamismo, como Sayyid Qutb. Ver, p.e. Karl-Heinz Wedel, “O grandioso final do universalismo”, em Krisis 32. [N.doT]. ↩︎
Anselm Jappe
Anselm Jappe é professor da Academia de Belas Artes de Sassari e professor convidado do Collège International de Philosophie, filósofo e ensaísta. Atualmente é um dos principais teóricos da crítica do valor, autor de Guy Debord (Vozes, 1999); As aventuras da mercadoria (Antígona, 2006); Crédito à Morte (Hedra, 2013); Capitalismo em quarentena (Elefante, 2020) e A Sociedade Autofágica (Elefante, 2021), entre outros.
Marcos Barreira
É doutor em psicologia social pela UERJ e coautor do livro Até o último homem, organizado por Pedro Rocha de Oliveira e Felipe Brito. Boitempo, 2013. Tradutor e editor da edição em português do site Krisis.