Eu só consigo reafirmar o sentimento de gratidão que caracterizou a resposta coletiva à trágica perda de Mark Fisher. Suas disputas online com Simon Reynolds usando seu alterego K-punk acompanharam minha época de universidade, servindo de ponte entre minha inata obsessão por música e o exaustivo mundo da teoria. O “K” de K-punk era heroico. “Era uma profusão de K’s”, disse Steve Goodman, conhecido como Kode 9, sobre sua fascinação que ele compartilhara com seu camarada da Cybernetic Cultural Research Unit e depois co-conspirador da Hyperdub. “Josef K. de Kafka, ‘K’ da grafia em alemão da palavra “cibernética”, ‘K’ das ondas-K vindas da teoria econômica de Kondratiev, Ko do I Ching, etc. ‘K’ estava no ar.” E Mark era como o herói de Kafka, com o capitalismo descentralizado o cercando com sua forma absurda e incessante. Como Josef K. de O Processo, tudo que Fisher podia fazer era tentar e resistir, não importa o quão fútil fosse.


O livro de Fisher, Realismo Capitalista, publicado em 2009, foi uma explosão no marasmo intelectual, com referências desconcertantes destiladas em críticas que eram como armas. Depois que conheci Fisher, ao entrevistá-lo junto do poeta Sam Berkson em novembro de 2012, acabamos mantendo contato por um tempo enquanto ele encorajava a minha escrita, algo pelo qual serei para sempre grato. O encontro aconteceu já que Mark era fã do livro de poemas de Berkson sobre os vários meios de transporte, Life in Transit, publicado pela Influx Press, e é por essa razão que o assunto dos transportes aparece diversas vezes durante a conversa. A entrevista não foi publicada por diversos motivos insignificantes, mas uma versão editada da transcrição encontra-se abaixo.


Nos encontramos no El Paso em Shoreditch. Sendo um bar, Berkson e eu pegamos uma Guiness, enquanto Mark optou por um expresso. Lembro de, após dez minutos, ter me arrependido de não ter pegado um café, enquanto Mark disparava análise atrás de análise. O El Passo já fechou, com seu caráter usurpado por um estabelecimento mais limpinho que promete MÚSICA AO VIVO, DRINQUES, PIZZA E DIVERSÃO EM SHOREDITCH em seu website. Não estou de luto por um bar de temática mexicana que demorava quinze minutos para fazer um bloody mary e que quando você a recebia percebia que eles tinham colocado gin, mas a ideia daquele lugar pegajoso te levava para um tempo em que DIVERSÃO era algo que tínhamos, não algo que era proposto sem cerimônias dentro de sites com design todo elaborado.
“Eu não me oponho intrinsecamente a mudança,” disse durante nossa conversa. “Eu só me oponho ao fato de que a mudança de todo mundo é uma bosta.” Realismo Capitalista e sua sequência mais pessoal Fantasmas da Minha Vida eram dois lados de um mesmo projeto: “Um projeto para revelar a negatividade inerente do momento em que vivemos”, disse durante o festival Incubate, em 2012. “E a razão pela qual o presente é tão ruim é que não há negatividade o bastante.” Ele viu a negação da negatividade em nossa experiência diária como uma defesa que esconde como a nossa cultura foi acorrentada pelos interesses corporativos neoliberais, tendo suas possibilidades de transcendência roubadas.
Mas durante suas conversas, sua escrita e teoria, Fisher não se afogava em melancolia. Ele procurava por aberturas em tudo, procurava pelo calcanhar de Aquiles da realidade. Não é uma hipérbole dizer que ele ajudou o pensamento radical a manter-se popular, pelo menos no Reino Unido. A avalanche de agradecimentos desde seu falecimento sugere que sua importância se tornará mais e mais evidente conforme os anos passarem.

— Mark Fisher: Você dirige?

Sam: Não

MF: Eu também não dirijo e mesmo assim consigo me identificar com vários dos poemas [de Life In Transit], tendo passado tanto tempo no transporte público. Tem um negócio que a Sra. Thatcher disse: “Se você é um homem acima dos trinta no transporte público, você falhou”. Na verdade, eu acho isso bastante emblemático. Os homens que conheço não dirigem, mas as mulheres frequentemente o fazem. Penso que com as mulheres talvez seja a segurança que as façam querer dirigir. Eu sempre acho que estar em um carro é uma perda de tempo. Considerando que em um trem você pode ler, escrever, fazer qualquer outra coisa… e que se pode ouvir. Mas quase ninguém escuta os outros por conta do amontoado de fones de ouvido, etc. Eu acho que o que tem de forte nos teus poemas é que eles são transporte público somente no nome — porque 1) não são de propriedade pública, assim como esses operadores privados hediondos, e 2) o espaço não é exatamente público, como você mostra em muitos dos poemas, já que as pessoas estão muito mais envolvidas em suas conversas privadas nos celulares. Às vezes, até a um ponto que chega a ser torturante e embaraçoso.

SB: Geralmente só algumas pessoas estão ouvindo. É ironicamente público porque todo mundo está tão imerso em seu mundo privado, que o que eles fazem é trazer muito mais do mundo privado para a esfera pública. Todo mundo, de direita ou de esquerda, não gosta da ideia de pessoas ouvindo suas conversas privadas. E ainda estamos em um tempo em que nossas conversas são as mais ouvidas por conta de toda tecnologia escondida. E também somos nós os cúmplices quando usamos coisas como o Facebook. Estamos bem contentes em sair falando por aí o que nós fazemos a todo momento.

MF: Eu penso que há uma coisa dupla acontecendo – cada vez mais as pessoas estão sabendo sobre o Facebook e a sua erosão de privacidade, ou o que quer que seja. Eu penso que há um duplipensar [doublethink] aqui. Em certo sentido, as pessoas falam nos seus celulares assumindo que ninguém está ouvindo, mas meio que sabendo que em algum nível ao menos alguém está ouvindo. E aí tem esse fenômeno do Facebook, em que você posta coisas lá, esperando que as pessoas realmente vejam – desesperadamente compartilhando isso, buscando uma audiência que você pode ou não alcançar. Neuroticamente checando quantas curtidas ou comentários você tem.
SB: Não é sobre ligar para a audiência que está lá, mas sobre desesperadamente precisar mais e mais de uma audiência.

MF: Eu penso que a celebridade é importante em muitos níveis e tem a ver com… É uma falsa intimidade, não é? Há uma generalização de revistas focadas no público feminino, a forma geral da cultura, TV, etc., é esse fenômeno de se referir às pessoas pelos nomes que vemos nas capas, como se a gente realmente as conhecesse.

Tim Burrows: Pessoas lendo revistas no trem, falando sobre fazer dietas…

MF: É o biocontrole. E o modelo para isso são as revistas femininas. É sobre reduzir uma certa ansiedade. Não se trata de dizer que você deve fazer esta única coisa. É sobre como em uma página Geri Halliwell está feliz com as curvas dela e no mês seguinte ela está se sentindo muito melhor por ter perdido peso. Você tem essa amarra dupla sendo publicada a todo tempo nessas revistas. A função é desestabilizar e manter as pessoas ansiosas, além de dar soluções para todo problema no qual a resolução é sempre um objeto a ser consumido. Fazer dieta é biopoder, uma forma de controle do corpo. Mas agora, o que nós ganhamos com essa cultura digital é essa coisa estranha das hiper-ordinariedades [hyper-ordinariness]. Você tem pessoas que são chiques no último, mas não são como David Bowie, que brinca com algumas estetizações abstratas. E temos pessoas hiper-ordinárias. Isso é um modelo normativo: dentes perfeitos, tonalidade certa de pele. Uma artificialidade totalmente conservadora.

SB: Escutamos as pessoas dizerem que simetria é a o ideal de beleza humana, e eu acredito que a simetria seja algo que pareça ok. Mas negar que haja algum tipo de beleza aos olhos do espectador, isto é, que haja algo original e único sobre as coisas e que cada um de nós ache diferentes coisas belas, é empoderar algo muito conservador, como um modo de conformação entorno do que é ser bonito – e claro, isso não é normal de jeito nenhum, é na verdade uma visão esquisita.

MF: Isso é um efeito do digital, muitas pessoas estão se photoshopando. A normalização da cirurgia cosmética, botox etc, é parte desse regime de biopoder e dessa ansiedade constante sobre as aparências, etc. Cirurgia cosmética não é legal – não é legal! As pessoas estão preocupadas sobre sua própria aparência, mas elas estão se medindo a partir dos padrões dessa normatividade deprimente. Neuroses são altamente produtivas, e muito úteis para o capitalismo. O que é melhor que insatisfação? A insatisfação pode ser vendida eternamente. Por isso que o modelo das revistas femininas é tão útil para o capitalismo consumista.

SB: Você vê isso metrô: há um anúncio atual sobre querer que seus amigos sejam mais bonitos, acho que é um anúncio de uma câmera. Essa ideia de que você quer ser visto como bonito só pelo fato de que está cercado de pessoas bonitas.

TB: Esse sempre foi o paradoxo do metrô: é onde você acha as pessoas mais profissionais de Londres num determinado momento, mas parece que é o lugar menos retocado em que se poderia estar. Você está de encontro com o rosto de alguém, vê toda imperfeição.

SB: Sim, a luz é terrível, não é!? A luz no metrô é intencionalmente feita para ser desconfortável, porque as pessoas são menos propensas a brigar umas com as outras se estiverem desconfortáveis e expostas. Se eu estivesse projetando o metrô e quisesse fazê-lo confortável, acabaria não fazendo da mesma forma que eu faço. Por exemplo, os pubs – eles descobriram que os pubs afastam as pessoas quando elas não conseguem ver o interior. Toda a ideia de um esconderijo escuro para entrar e se esconder num canto; o que você realmente quer são enormes janelas de vidro. As pessoas entram e se sentem confortáveis e seguras.

MF: Isso não é um pub pra mim, isso aí é um bar.

SB: Só é desconfortável se porque você se sente como se estivesse sendo observado. É o panóptico, não é?

MF: Essa é a segunda fase do Foucault, um tipo de autopanóptico. Eu me lembro que alguém disse durante o tempo em que o Big Brother ainda era algo interessante a se pensar, que a diferença entre o Big Brother e o panóptico de Foucault era que, no caso do panóptico de Foucault, você não tinha como saber se estava sendo observado ou não, enquanto que no Big Brother você sabia com certeza que eles estavam. Agora há esse momento do Facebook, de um autopanóptico, como dissemos mais cedo, onde as pessoas fazem de si mesmas o objeto da vigilância e se inspecionam dessa maneira estranha.

SB: Nós podemos contra-atacar. E nós temos esse outro problema dos metrôs e dos ônibus – há tantos anúncios ao nosso redor.

MF: Eu chamo isso de poluição semiótica.

SB: Sim. E qual é a resposta sensata para isso? É colocar os fones de ouvidos. Não olhar ao seu redor, essencialmente desligar os sentidos em relação aos seus arredores. Essa é uma posição terrível para as pessoas estarem. Eu poderia argumentar que é na verdade pior estar alheio aos seus arredores. O conselho de todo mundo é estar no presente, olhar ao seu redor, experimentar as coisas, etc. Mas se você for fizer tudo isso, o que você verá serão anúncios e mensagens, além de ter que ouvir a todas essas propagandas.

MF: É estonteante. Se você for a Europa – eu notei isso na Suécia, em Estocolmo – não havia anúncios. Eu pensei, “O que está havendo?”. Mesmo no metrô em Nova Iorque não tem muitos. Há algo sobre a cyber-blitz massiva de anúncios em Londres.
Não é que as pessoas estejam desconectadas do espaço público. É que não há espaço público para elas estarem. É ou o caso de um certo tipo de imersão ou um balbucio – O balbucio das vozes dos smartphones, ou o balbucio do capital, gritando para que você compre alguma coisa.

SB: Você pode se enterrar na sua própria se isolar em sua própria caverna– você pode se desligar. Isso parece literalmente a maneira com que as pessoas viajam, desconectando-se do mundo ao redor delas, e de certo modo faz sentido – mas ao mesmo tempo você está desconectado do mundo ao seu redor.

MF: Eu penso que certos tipos de desconexão são necessários hoje. Desplugar de certos tipos de redes. Eu estava falando com meus alunos sobre tentar desconectar… Acho que estamos numa nova fase da vida humana. Nos anos 70, o tédio era um grande problema. O tédio era um vazio existencial, poderia então ser direcionado à indústria do entretenimento e a cultura mainstream e era, ao mesmo tempo, um desafio para nós: por que nós estamos nos permitindo ficar entediados? Sendo que somos animais finitos e vamos morrer, é um escândalo moral de proporções insanas o fato de nos deixarmos entediar. Mas atualmente o tédio é um luxo que nós não temos mais por conta dos nossos smartphones: mesmo quando você está em pé numa fila de ônibus, ou esperando um trem, você tem esse baixo nível de estímulo constante. Para voltar as revistas de celebridades: tédio e fascinação estão agora misturados. E o melhor exemplo disso são aqueles jornais dados de graça em Londres, que ainda bem que sumiram: o Londonpaper – uma única palavra -, e o mais apropriadamente chamado London Lite. O Evening Standard e o Metro são ótimos jornais comparados a esses. Quando esses jornais apareceram foi um acontecimento aterrorizante. Para não falar na poluição semiótica, era também sobre como eles literalmente entupiram as ruas e você tinha imigrantes realmente pobres responsáveis por irritar as pessoas e ficar no caminho dos pedestres para poder catar essas coisas. Além da total passividade dos leitores, que operam a partir de um cansaço intenso.
Você olha para o vagão: todo mundo está lendo esses jornais. Você pode sentir o nível intelectual e cultural simplesmente afundar. A ida e volta do trabalho é provavelmente o período em que as pessoas prestam mais atenção à cultura. Não é que eu estivesse imune a isso. Vemos a manchete sobre alguma celebridade que mal conhecemos e nem sequer estamos interessados, mas ainda assim desejamos saber. É essa forma de curiosidade a qual nem mesmo nos interessa. Então você lê todo o artigo sem nem ligar para ele, mas de alguma forma ele nos capta. É isso que eu quero dizer com tédio e fascínio. Imagino que muitas pessoas, como é meu próprio caso, com livros interessantes na mochila, os teriam lido se esses anúncios não estivessem ali. Isso diz muito sobre como o capital tira proveito dos piores instintos e da exaustão.

TB: O que é meio que o porquê do Boris Johnson ser tão popular. Ele é o herói da geração [revista gratuita] Shortlist.

MF: Eu penso que a coisa com o Boris é um pouco parecida com o que Franco Berardi disse sobre Berlusconi: a pessoa que zomba do lugar de poder enquanto o ocupa. Assim também é o Boris, não é? Alguém que é estranhamente popular entre os jovens de um jeito deprimente porque não leva a política a sério ou não parece fazê-lo. Claro, o que ele leva extremamente a sério é avançar sua própria posição, sua própria classe. Essa forma de falsa camaradagem e desprezo cínico é um problema extremamente perigoso pelo qual o poder de classe se naturaliza. Eu acho que Cameron possui uma versão disso. Não que ele seja tão popular, mas ele é muito bom em parecer um tipo amigável de colega com quem você pode conversar.
O que sinto é que o governo de Cameron é um grande arrastão. Eles sabem que não vão ter isso novamente, mas eles também sabem que se mudarem as regras de certas coisas então nenhum governo trabalhista no futuro imediato terá a capacidade de mudar isso de volta sem uma mudança massiva no topo da cultura do Partido Trabalhista.

SB: Eu li isso recentemente, não sei se era uma citação, mas a Thatcher foi perguntada qual fora sua grande conquista e ela disse: O New Labour.

MF: Não sei se é uma citação, mas certamente é verdade. Eu entrei para o Partido Trabalhista. Nunca tinha entrado num partido político antes, mas é preciso ter a mesma ambição que o New Labour teve e pensar cinco anos à frente. Se alguns de nós fossemos com uma agenda forte, poderíamos dirigir o processo para uma certa direção.

SB: Eu pensei isso e me juntei ao Partido Verde [Green Party].

MF: Justo. Eu não quero ceder nenhum território. Eu não quero colocar todas minhas fichas nisso. Não tinha cabimento entrar no Partido Trabalhista durante os anos 90. Eles estavam indo para um lugar: em direção ao New Labour, a neoliberalização. De nenhum modo isso iria para outro lugar. Enquanto que agora eu não sei para onde isso vai. Pode continuar com esse neoliberalismo brando desesperadamente banal ou pode se tornar no fim uma outra coisa.
Dois anos atrás a UEL [University of East London] estava toda enfeitada com um monte de cartazes revolucionários. E tudo aquilo – que foi durante a época dos cortes estudantis, época de uma efervescência incrível de militantismo – pareceu vir de nenhum lugar. Agora quando você vai para a UEL e caminha pelo corredor central onde todos os cartazes estavam dispostos, temos letreiros do Costa e do Starbucks, e o mais visível deles é o de um escritório de Credit Control logo ao lado. Há aí uma parábola sobre o que acontece com todo espaço público: O espaço público que estava assentado falhou e agora voltamos a esses monolitos corporativos e escritórios Credit Control em grandes letras logo ao centro do corredor.

TB: Há cafés Costa em toda sala de espera dos Hospitais NHS [National Health Service, Serviço Nacional de Saúde] atualmente.

MF: Minha esposa é de Gravesend e num hospital perto de Darford o McDonald’s está tentando transformar o restaurante em uma de suas franquias. É um baita de um mundo Philip K. Dick, para mim, quando você tem shoppings em hospitais. Eu não sou contra a mudança, eu só sou contra o fato de que a mudança de todo mundo é uma merda. A questão do capitalismo é que ele produz coisas que ninguém gosta. Quando as pessoas falam sobre escolha e capitalismo: Microsoft, resumo de tudo. Ninguém quer, todo mundo tem que ter. É o mesmo com franquias. Quem é que gosta delas? Quase ninguém, mas nós todos temos de frequentá-las.

SB: As pessoas costumavam reclamar do British Rail [serviço ferroviário nacional] estar atrasado a todo momento, porque nós pensávamos que tínhamos mais controle sobre ele. Agora nós aceitamos o fato de que, claro, eles vão cobrar muito porque eles podem e, claro, vai ser uma porcaria porque nós não temos outra escolha. Antes nós sentíamos que havia uma proximidade maior.

MF: Havia um argumento pela modernização das indústrias públicas. Elas eram gerenciadas de forma massivamente ineficiente, mas isso era só um pretexto para a privatização. Era necessária uma melhoria enquanto ainda eram públicas. Custa muito mais agora que é privatizado. É tipo uma taxa ridícula… o metrô pesa muito mais no bolso das pessoas desde que ele foi privatizado. É uma destruição dos costumes dos próprios trabalhadores. O mesmo com os hospitais: por que eles não estão sendo limpos de maneira correta? Porque você põe lá fornecedores privados, que tem como único incentivo querer o serviço mais barato possível e que pagam seus faxineiros o mais barato possível. Se você não tem os costumes do serviço público então tudo acaba em trapos. É de péssima qualidade, não é? Essa é a realidade.

SB: Volta e meia nos aparece o mesmo paradoxo. É quase o exato oposto do que quer realmente dizer. Temos mais escolhas: Não temos qualquer escolha. É mais brilhante, é melhor, é pior. É mais barato; é mais caro. Eu penso que realisticamente não vamos voltar à nacionalização, pode não ser uma boa ideia.

MF: O poema que realmente me pegou foi aquele sobre as pessoas que não tem passagem. Tão poderoso em vários níveis, penso eu. A dinâmica de classe disso… Já estive em várias dessas posições: ora sentado ali [assistindo], ou sendo a pessoa que não tem um bilhete…

TB: Me lembrou de George Osborne sendo pego na primeira classe sem um bilhete de primeira classe. Ele disse que não queria desperdiçar o dinheiro dos contribuintes com uma passagem de primeira classe.

MF: Legal! Temos que respeitar o entusiasmo improvisado dessa desculpa ridícula. Nada resume o capitalismo mais do que isso, o fato de que a primeira classe persiste. Outro dia eu fui para Liverpool e era como se eu estivesse andando eternamente para atravessar a primeira classe. E claro, ninguém estava na primeira classe. É econômico ter algo assim ou isso só está lá porque o sistema de classes demanda?

SB: Esse é o atrativo da primeira classe, não há ninguém nela. Toda a ideia da competição pelas viagens de trem foi um total fracasso. Não é como se não fosse possível ir para outra linha, para outro trem que sai sempre a mesma hora.

MF: Uma coisa que penso que a maioria das pessoas deveriam inequivocamente nacionalizar de forma instantânea, são as ferrovias.

SB: É caro para o governo porque eles estão dando amontoados de dinheiro público para as companhias privadas que então cobram amontoados de dinheiro. Isso não tem tornado as coisas mais livres. Isso não nos deu nenhuma liberdade. Eu quero renacionalizar o espaço público, não necessariamente para o Estado.

MF: Acho que precisamos distinguir o espaço público do Estado. O Estado é legítimo, eu diria, na medida em que possibilita o espaço público. Mas o público deve ser pensado como separado do Estado. O Estado pode ser uma pré-condição para o público, mas não é o mesmo que ele. As pessoas querem espaço público, e é por isso que o Starbucks é popular, porque oferece uma socialidade genérica. É uma forma de espaço anônimo, genérico, e até coisas como The X Factor… as pessoas gostam disso porque estão publicamente, coletivamente, em comunhão com alguma coisa. Isso mostra que, mesmo nessas condições, onde ideologicamente tudo se opõe ao público, ainda há um desejo pelo público e tudo o que estamos recebendo são formas degradadas. O que o comunismo ofereceria é poder termos esses espaços genéricos onde as pessoas podem ir, mas onde não precisamos pagar por um café de merda. Esse é o tipo de espaço público que realmente precisamos no futuro, onde as pessoas possam se reunir, mas não têm os complementos parasitas do capital.

SB: Eu acho que isso tudo é sobre os meios e não os fins, dizer só isso é a parte que eu gosto. Eu vou pra esse lado porque eu gosto assim. Eu acho difícil de imaginar como meu futuro ideal se parece, mas eu só penso: o que funciona? E vamos fazer mais dessas coisas que funcionam.

MF: Eu acho que uma tarefa imaginativa para nós atualmente é pensarmos: qual é o futuro do que é público? Se nós pudemos aceitar a estória neoliberal de que o público acabou, essa versão está hoje encerrada. Se o público não vai ser do jeito das antigas indústrias nacionalizadas do estado, estado centralizado etc., como se parecerá no futuro? Nós não sabemos, nós temos que inventá-lo.

Felipe Aiello

Professor, tradutor, mestrando em filosofia pela UNIFESP e um dos editores da revista Zero à Esquerda.

Ricardo Menezes

Escritor e tradutor. Membro da zero a esquerda.

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