Por Gabriel Rockhill


“Os E-U-A se estabeleceram como o inimigo mortal de todos os governos populares, de todas as mobilizações socialistas-científicas da consciência, de toda atividade anti-imperialista no planeta. ” 

-George Jackson 

Um dos mitos fundadores do mundo contemporâneo europeu ocidental e estadunidense é que o fascismo foi derrotado na Segunda Guerra pelas democracias liberais e, particularmente, pelos Estados Unidos. Com os subsequentes julgamentos de Nuremburg e a paciente construção de uma ordem liberal mundial, um bastião foi erguido – aos trancos e barrancos, e com a constante ameaça da regressão – contra o fascismo e o seu irmão gêmeo do mal no Leste. A indústria cultural americana repetiu essa narrativa ad nauseam, gestando-a em um Kool-Aid ideológico e açucarado, canalizando-a para cada casa, barraco e esquina com uma TV ou um smartphone, incansavelmente justapondo o mal supremo do nazismo à liberdade e prosperidade da democracia liberal. 

O registro material sugere, contudo, que esta narrativa é na verdade baseada em um falso antagonismo, e que uma mudança de paradigma é necessária para que se possa entender a verdadeira história do liberalismo e fascismo realmente existentes. Este último, como veremos, longe de ter sido erradicado ao fim da Segunda Guerra, foi na verdade atualizado, ou ainda reimplantado, para servir sua função histórica primária: destruir o comunismo profano e sua ameaça ao projeto civilizatório capitalista. Uma vez que os projetos coloniais de Hitler e Mussolini se tornaram tão descarados e erráticos, já que deixaram de jogar mais ou menos limpo de acordo com as regras liberais do jogo para abertamente quebrá-las e desembestarem por aí, passou-se a entender que a melhor forma de construir o fascismo internacionalmente era o fazer sob uma cobertura liberal, ou seja: através de operações clandestinas que mantém uma fachada liberal. Apesar disso provavelmente soar como uma hipérbole àqueles cujo entendimento da história foi dirigido por uma ciência social burguesa que foca, quase exclusivamente, no governo visível e na previamente mencionada cobertura liberal, a história do governo invisível do aparato de segurança nacional sugere que o fascismo, longe de ter sido derrotado na Segunda Guerra, foi, com sucesso, internalizado. 

Os Arquitetos do Fascismo Internacional 

Quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra, o futuro diretor da CIA, Allen Dulles, lamentou que o seu país estava lutando contra o inimigo errado. Os nazistas, ele explicou, eram cristãos arianos pró-capitalismo, enquanto o verdadeiro inimigo era o comunismo profano e sua posição anti-capitalista. Até porque os EUA tinham sido, até somente 20 anos antes, parte de uma intervenção militar massiva na URSS, quando quatorze países capitalistas decidiram –nas palavas de Winston Churchill– “estrangular o bebê bolchevique em seu berço. ” Dulles entendia, como muitos de seus colegas no governo estadunidense, que o que mais tarde ficou conhecida como a Guerra Fria foi, na verdade, a velha guerra, como Michael Parenti argumentou convincentemente: na qual estiveram lutando contra o comunismo desde sua implantação.  

Ao fim da Segunda Guerra, o general Karl Wolff, anteriormente a mão direita de Himmler, foi conversar com Allen Dulles em Zurique, onde ele estava trabalhando para o Escritório de Serviços Estratégicos, ou OSS, a organização precursora da CIA. Wolff sabia que a guerra estava perdida, e quis evitar ser levado à justiça. Dulles, ao contrário, queria os nazistas na Itália sob o comando de Wolff’s para baixar suas armas perante os Aliados e ajudassem os americanos em sua luta contra o comunismo. Wolff, que foi o componente da SS de mais alto cargo a sobreviver à guerra, ofereceu à Dulles a promessa de desenvolver, com sua equipe nazista, uma rede de inteligência contra Stalin. Foi concordado que o general, que teve papel central em supervisionar a máquina genocida nazista, e que expressou seu “grande contentamento” ao garantir trens de carga para transportar 5000 judeus por dia para Treblinka, estaria protegido pelo futuro diretor da CIA, que o ajudou a evitar os julgamentos de Nuremberg. 

Wolff estava bem longe de ser o unico grande oficial nazista protegido e reabilitado pela OSS-CIA. O caso de Reinhard Gehlen é particularmente pertinente. Este general no Terceiro Reich esteve no comando do Fremde Heere Ost, o serviço de inteligência nazista contra os soviéticos. Após a guerra ele foi recrutado pela OSS-CIA e se encontrou com todos os grandes arquitetos do Estado de Segurança Nacional pós-guerra: Allen Dulles, William Donovan, Frank Wisner e o presidente Truman. Ele foi elevado à supervisão do primeiro serviço de inteligência alemão após a guerra, e procedeu contratando vários de seus colaboradores nazistas. A Gehlen Org, ou Organização Gehlen, como foi conhecida, acabaria por se tornar o núcleo do serviço de inteligência alemão. Não é claro quantos criminosos de guerra este condecorado nazista contratou, mas Eric Lichtblau estima que aproximadamente quatro mil agentes nazistas foram integrados à rede supervisionada pela agência de espionagem americana. Com um fundo anual de meio milhão de dólares providos pela CIA nos primeiros anos após a guerra, Gehlen e seus fortes homens foram capazes de agir sem consequências. Yvonnick Denoël explicou essa reviravolta com memorável clareza: “É difícil entender que, já em 1945, o exército e o serviço de inteligência americano recrutou sem escrúpulos antigos criminosos nazistas. A equação era, contudo, bastante simples à época: os Estados Unidos tinham acabado de derrotar os nazistas com a ajuda dos soviéticos. O plano era, dali em diante, derrotar os soviéticos com a ajuda dos antigos nazistas. ” 

A situação era parecida na Itália pelo acordo de Dulles com Wolff ter sido parte de um empreendimento ainda maior, chamado Operation Sunrise (Operação Nascer do Sol), que mobilizou nazistas e fascistas a acabar a Segunda Guerra Mundial na Itália (e começar a Terceira Guerra Mundial por todo o mundo). Dulles trabalhou intimamente com o futuro diretor de contra inteligência da CIA, James Agleton, que estava então operando na Itália pela OSS. Estes dois homens, que mais tarde se tornariam dois dos mais poderosos atores políticos do século XX, mostraram do que eram capazes nessa apertada colaboração entre o serviço de inteligência americano, os nazistas e os fascistas. Angleton, perto do fim, recrutou fascistas para acabar a guerra na Itália para minimizar o poder dos comunistas. Valerio Borghese foi um dos seus contatos chaves pois, na ditadura de Mussolini, este fascista linha dura esteve pronto para ajudar os americanos em seu problema anti-comunista, e ele se tornou um dos principais representantes internacionais do fascismo pós-guerra. Agleton diretamente o salvou da mão dos comunistas, e ao homem conhecido como Principe Negro foi dada a oportunidade de continuar a guerra contra a esquerda radical sob uma nova bandeira: a CIA. 

Uma vez acabada a guerra, importantes oficiais da inteligência dos EUA, incluindo Dulles, Wisner e Carmel Offie, “trabalharam para assegurar que a desnazificação tivesse uma extensão limitada”, de acordo com Frédéric Charpier: “Generais, oficiais sêniores, políticos, donos de indústrias, advogados, economistas, diplomatas, acadêmicos e os reais criminosos de guerra foram poupados e colocados de volta em suas posições. ” O homem em comando do Plano Marshall na Alemanha, por sua vez, era um antigo conselheiro de Hermann Göring, o comandante em controle da Luftwaffe (força aérea). Dulles elaborou uma lista de altos funcionários do estado nazista a serem protegidos e posarem como oponentes de Hitler. A OSS-CIA atuou para reconstruir os estados administrativos na Alemanha e na Itália com seus aliados anti-comunistas. 

Eric Lichtblau estima que mais de 10000 nazistas foram capazes de imigrar para os Estados Unidos no período do pós-guerra (pelo menos 700 membros oficiais do partido nazista foram permitidos de entrar nos EUA nos anos 30, enquanto refugiados judeus estavam sendo barrados). Para além de umas poucas centenas de espiões nazistas e milhares de pessoas ligadas à SS, a Operação Clipe de Papel, que começou em Maio de 1945, trouxe, pelo menos, 1600 cientistas nazistas para os EUA com suas famílias. Este empreendimento almejou recuperar as grandes mentes da máquina de guerra nazistas e realocar suas pesquisas em foguetes, aviação, armas químicas e biológicas, entre outros artefatos, à serviço do Império Americano. A Agência Conjunta de Objetivos de Inteligência foi oficialmente desenvolvida para recrutar nazistas e encontrar posições para eles em centros de pesquisas, no governo, no exército, nos serviços de inteligência ou em universidades (pelo menos 14 universidades participaram, incluindo Cornell, Yale e MIT). 

Apesar do programa oficialmente não incluir nazistas ferrenhos, pelo menos no começo, é fato que ele possibilitou a imigração de químicos da IG Farben (que supriu os gases mortais usados em campos de exterminação), cientistas que usaram escravos em campos de concentração para fazer armas, e doutores que participaram de terríveis experimentos em judeus, ciganos, comunistas, homossexuais e outros prisioneiros de guerra. Estes cientistas, que foram descritos por um oficial de dentro do Departamento de Estado, que se opunha à Operação Clipe de Papel, como sendo os “anjos da morte de Hitler”, foram recebidos de braços abertos na terra da liberdade. À eles foram dadas boas acomodações, um laboratório com assistentes e a promessa de cidadania se seus trabalhos dessem frutos. Foram com tudo para conduzir pesquisas que foram usadas na construção de mísseis balísticos, bombas de gás sarin, assim como transformar a peste bubônica em arma. 

A CIA também colaborou com MI6 para montar armadas anticomunistas em todo país da Europa Ocidental. Sob o pretexto de uma potencial invasão pelo Exército Vermelho, a ideia era treinar e equipar redes de milícias secretas ilegais, que deveriam permanecer atrás das linhas inimigas se os russos se movessem para o leste. Eles iriam, assim, serem ativados no novo território ocupado e seriam carregados com missões de exfiltração, espionagem, sabotagem, propaganda, subversão e combate. As duas agências trabalharam com a OTAN e os serviços de inteligência de vários países do leste europeu para construir esta vasta organização secreta, prover numerosas armas e munições e equipar seus soldados das sombras com tudo que eles precisassem. Para tanto, recrutaram nazistas, fascistas, colaboracionistas e outros membros anticomunistas da extrema direita. Os números variam de acordo com o país, mas são estimados entre poucas dúzias e várias centenas, ou ainda milhares, por país. De acordo com uma reportagem do programa de televisão Retour aux sources, existem 50 unidades de redes desses soldados na Noruega, 150 na Alemanha, mais de 600 na Itália e 3000 na França. 

Esses reacionários treinados seriam mais tarde instruídos a cometer ou coordenar ataques terroristas contra a população civil, cuja culpa seria atribuída aos comunistas, para, dessa forma, justificar repressões brutais da lei. De acordo com os números oficiais na Itália, onde essa estratégia de tensão foi particularmente intensa, houveram 14,591 atos de violência politicamente motivados entre 1969 e 1987, que resultaram na morte de 491 pessoas e no ferimento de 1181. Vincenzo Vinciguerra, um membro do grupo de extrema direita Ordine Nouvo e o autor do atentando à bomba perto de Peteano, em 1972, explicou que o grupo fascista “Avanguardia Nazionale, assim como o Ordine Nouvo, estavam sendo mobilizados à esta batalha urbana como parte de uma estratégia anticomunista originária não de organizações divergentes das instituições do poder, mas do Estado em si, e especificamente dentro do âmbito das relações do estado dentro da Aliança Atlântica. ” Uma comissão parlarmentar italiana que empreendeu uma investigação sobre essas milícias secretas na Itália chegou à seguinte conclusão em 2000: “Estes massacres, esses atentados, essas ações militares foram organizadas ou promovidas ou assistidas por homens dentro das instituições de estado italianas e, como foi descoberto mais recentemente, por homens conectados com braços da inteligência dos Estados Unidos. ” 

O departamento de Segurança Nacional dos EUA também estava envolvido em empreender rotas de fuga que emigrassem fascistas da Europa e os permitisse reassentar em paraísos/espaços seguros pelo mundo, em troca de fazerem o seu trabalho sujo. O caso de Klaus Barbie é um dentre mil, mas nos diz bastante sobre o funcionamento interno do processo. Conhecido na França como “o açougueiro de Lyon”, ele foi o diretor da central da Gestapo que lá havia por dois anos, inclusive quando Himmler deu a ordem para deportar pelo menos 22,000 judeus da França. Esse especialista em “táticas aprimoradas de interrogatório”, conhecido por torturar até à morte o coordenador da Resistência Francesa, Jean Moulin, organizou a primeira batida policial na União Geral dos Judeus na França, em fevereiro de 1943, e o massacre de 41 crianças refugiadas judias em Izieu em abril de 1944. Antes de chegar em Lyon, de acordo com Alexander Cockburn e Jeffrey St. Clair, ele levou esquadrões da morte que mataram mais de um milhão de pessoas na Frente Oriental. Mas após a guerra, o homem que esses mesmos autores descrevem como o terceiro da lista dos criminosos da SS mais procurados esteve trabalhando para o Corpo de Contra Inteligência (CIC) do exército dos EUA. Ele foi contratado para ajudar a construir essas milícias ao recrutar outros nazistas, assim como ao espionar os serviços de inteligência francesa nas regiões alemãs controladas pela França e pelos Americanos.  

Quando a França percebeu o que estava acontecendo e exigiu a extradição de Barbie, John McCloy, o mais alto comissário dos EUA na Alemanha, recusou sob o pretexto de que essas alegações eram baseadas em boatos. Mesmo assim, acabou por se provar muito custoso, simbolicamente, manter um açougueiro como Barbie na Europa, então ele foi mandado para a América Latina em 1951, onde ele conseguiu continuar sua ilustre carreira. Assentado na Bolívia, ele trabalhou para as forças de segurança do ditador militar René Barrientos e para o Ministro do Interior e com ala de contra insurgência do Exército Boliviano sob o governo ditatorial de Hugo Banzer, antes de ativamente participar do Golpe da Cocaína em 1980 e se tornar o diretor das forças de segurança sob o comando do General Meza. Durante toda sua carreira, ele manteve relações próximas com seus salvadores do departamento de Segurança Nacional dos EUA, tendo um papel central na Operação Condor, o projeto de contra insurgência que reuniu ditaduras latinoamericanas, com o patrocínio dos Estados Unidos, para violentamente destruir quaisquer tentativas de revoltas igualitárias vindas de baixo. Ele também ajudou a desenvolver o império de drogas na Bolívia, incluindo gangues organizadas e narco-mercenários que ele batizou de Los novios de la muerte, cujos uniformes se inspiravam nos da SS. Ele viajou livremente durante os anos 60 e 70, visitando os EUA pelo menos sete vezes, e é bastante provável que tenha tido um papel na caçada humana organizada pela CIA para matar Ernesto “Che” Guevara. 

O mesmo padrão de integrar fascistas na guerra global contra o comunismo é prontamente identificável no Japão, cujo sistema de governo antes e durante a guerra foi descrito por Herbert P. Bix como um “fascismo imperial”. Tessa Morris-Suzuki demonstrou convincentemente a continuidade dos serviços de inteligência detalhando como o Estado de Segurança Nacional dos EUA supervisionaram e gerenciaram a organização KATO. Essa rede de inteligência privada, muito parecida com a da organização Gehlen, era fechada com antigos membros da liderança dos serviços militares e de inteligência do Japão, incluindo o diretor de inteligência da Armada Imperial (Arisue Seizō), que compartilhava, com seu contato direto americano (Charles Willoughby), uma grande admiração por Mussolini. As forças de ocupação dos EUA também cultivaram estreitas relações com oficiais seniores da comunidade de inteligência civil do Japão durante à guerra (mais notavelmente, Ogata Taketora). Esta notável continuidade entre o Japão pré e pós-guerra levou Morris-Suzuki e outros acadêmicos a definir a história japonesa em termos de um “regime de guerra contínua” significando um regime que continuou de antes até depois da guerra. Esse conceito também nos permite ter noção do que estava acontecendo acima do chão no reino da governabilidade visível. Para fins de concisão, basta citar o caso notável do homem conhecido como o “Diabo de Shōwa”, por sua brutal gerência de Manchukuo (a colônia japonesa no nordeste da China): Nobusuke Kishi. Um grande admirador da Alemanha Nazista, Kishi foi elevado à Ministro das Munições pelo Primeiro Ministro Hideki Tojo em 1941, sob a ordem de preparar o Japão para uma guerra total contra os EUA, e foi ele quem assinou a oficial declaração de guerra contra os norte-americanos. Após cumprir pouco tempo de prisão como um condenado de guerra na era do pós-guerra, ele foi reabilitado pela CIA, junto de seu companheiro de cela, o chefão do crime organizado Yoshio Kodama. Kishi, com o suporte e generosos fundos financeiros de seus contatos, tomou controle do Partido Liberal, transformou-o em um clube de direita de antigos líderes do Japão imperial, e se alçou para virar o Primeiro Ministro. “O dinheiro (da CIA) fluiu por pelo menos 15 anos, sob o governo de quatro presidentes americanos, ” escreve Tim Wiener, “e ajudou a consolidar o poderio do partido pelo resto da Guerra Fria. ” 

Os serviços de segurança nacional dos EUA também fundaram uma rede global de educação para treinar combatentes pró-capitalistas – as vezes sob à liderança de nazistas e fascistas experientes – nas técnicas testadas e comprovadas de repressão, tortura e desestabilização, assim como de propaganda e guerra psicológica. A famosa Escola das Américas foi fundada em 1946 com a meta explícita de treinar uma nova geração de guerreiros anticomunistas por todo o mundo. De acordo com alguns, essa escola tem à distinção de ter educado o maior número de ditadores na história mundial. Quaisquer que seja o caso, é parte de uma rede institucional muito maior. É válido mencionar, por exemplo, as contribuições educacionais do Programa de Segurança Pública: “por aproximadamente 25 anos”, escreve o ex-associado da CIA John Stockwell, “a CIA, […] treinou e organizou polícias e braços paramilitares por todo o globo em técnicas de controle populacional, repressão e tortura. Escolas foram criadas nos Estados Unidos, Panamá e Ásia, dos quais se graduaram dezenas de milhares de estudantes. Em alguns casos, antigos oficiais nazistas do Terceiro Reich de Hitler eram usados como instrutores. ” 

Fascismo Se Torna Mundial Sob a Promessa Liberal 

O Império Americano também, inclusive, teve papel central na construção do fascismo internacional ao proteger militantes de direita e os alistar na Terceira Guerra Mundial contra o “comunismo”, uma “etiqueta” plástica estendida a qualquer orientação política que entrasse em conflito com os interesses da classe dominante capitalista. Essa expansão internacional dos modos fascistas de governar produziu a proliferação de campos de concentração, terroristas e campanhas de tortura, guerras ilegais, regimes ditatoriais, grupos vigilantes e redes de crime organizado por todo o mundo. Os exemplos poderiam ser enumerados ad nauseam, mas posso simplesmente apenas citar o testemunho de Victor Marchetti, que foi um oficial sênior da CIA de 1955 até 1969: “Nós estamos suportando todo ditadorzinho meia-boca, junta militar e oligarquia que existiu no Terceiro Mundo, desde que prometessem, de alguma forma, manter o status quo, o que seria benéfico para os interesses geopolíticos, militares, econômicos privados e outros interesses especiais dos EUA.  

Os registros da política externa dos EUA desde a Segunda Guerra são provavelmente a melhor medida de sua ilustre contribuição para a internacionalização do fascismo. Sob a bandeira da democracia e da liberdade, os Estados Unidos, de acordo com William Blue

  • Esforçou-se para derrubar mais de 50 governos estrangeiros. 
  • Interferiu grosseiramente nas eleições democráticas em pelo menos 30 países. 
  • Tentou assassinar mais de 50 líderes estrangeiros. 
  • Soltou bombas sobre pessoas em mais de 30 países. 
  • Tramaram para suprimir um movimento populista ou nacionalista em 20 países. 

A Associação para Dissidência Responsável, composta por 14 antigos oficiais da CIA, calcularam que sua agência foi responsável por matar um mínimo de 6 milhões de pessoas por meio de 3000 grandes operações e 10000 operações menores entre 1947 e 1987. Esses são exclusivamente homicídios, então os números não contam para mortes prematuras sob o sistema mundial capitalista apoiado pelo fascismo devido ao encarceramento em massa, tortura, desnutrição, falta de água potável, exploração, opressão, degradação social, doença ecológica ou doença curável (em 2017, de acordo com as Nações Unidas., 6,3 milhões de crianças e jovens adolescentes morreram por causas evitáveis ligadas às inadequações socioeconômicas e ecológicas no Capitaloceno, o que resulta em uma média de uma criança a cada 5 segundos). 

Para estabelecer a si mesmo como hegemonia militar global e cão de guarda internacional do capitalismo, o governo dos EUA e a Doutrina de Segurança Nacional têm contado com a ajuda do número significativo de nazistas e fascistas por eles integrados em sua rede global de repressão, incluindo os 1600 nazistas importados pelos EUA por meio da Operação Paperclip, os mais-ou-menos 4000 integrados na organização Gehlen, as dezenas ou mesmo centenas de milhares que foram reintegrados nos regimes “pós-guerra”—ou melhor, transguerra—em países fascistas, o grande número ao qual foi dado livre trânsito no jardim do Império—a América Latina—e em outros lugares, como também os milhares ou dezenas de milhares integrados em células stay-behind da OTAN. Essa rede global de assassinos anticomunistas experientes também tem sido usada para treinar exércitos de terroristas ao redor do planeta, capacitando-os a participar de guerras sujas, golpes de Estado, esforços de desestabilização, sabotagem, e campanhas de terror. 

Tudo isso foi feito sob a bandeira da democracia liberal, e com o suporte de suas mais poderosas indústrias culturais. O verdadeiro legado da Segunda Guerra, longe de ser sobre uma pretensa ordem mundial liberal que derrotou o fascismo, é o de que o verdadeiro fascismo internacional se desenvolveu sob a capa liberal com o objetivo de tentar destruir aqueles que realmente lutaram e venceram a guerra contra o fascismo: os comunistas. 

Gabriel Rockhill é um filósofo franco-americano, crítico cultural e ativista. Ele é o Diretor fundador do “Critical Theory Workshop” e é professor de filosofia na Universidade Villanova. Seus livros incluem “Counter-History of the Present: Untimely Interrogations into Globalization, Technology, Democracy” (2017), “Interventions in Contemporary Thought: History, Politics, Aesthetics” (2016), “Radical History & the Politics of Art” (2014) and “Logique de l’histoire” (2010). Para além de seus trabalhos acadêmicos, ele ativamente se engaja em atividades extra-acadêmicas no mundo da arte e da militância, como também é um contribuinte regular ao debate intelectual público. Siga-o no twitter: @GabrielRockhill 


Tradução: Caeli Corvere
Revisão: Leonardo Mendonça
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