Shikha Patnaik, 25 de dezembro de 2018

Nesta continuação de O direito de votar em eleições não é sinal suficiente de democracia , Shikha Patnaik mostra que regimes socialistas são, nos piores casos, tão democráticos quanto países capitalistas, e nos melhores, mais livres que as democracias liberais.

Na parte 1 deste artigo, O direito de votar em eleições não é sinal suficiente de democracia, aprendemos como os países capitalistas são autoritários e como votar em eleições de nível nacional em sociedades capitalistas é essencialmente inefetivo. Na segunda parte deste artigo, exploraremos a democracia nos Estados Socialistas Realmente Em Vigor (Estados SREV [AES states]), e entenderemos os conceitos de liberdade e autoridade de um ponto de vista dialético em oposição a um ponto de vista analítico.

Estados SREV com um sistema unipartidário, como a China, Cuba e a Coréia Popular, têm sido incessantemente caluniados por décadas e chamados de “ditaduras totalitárias”. A compreensão popular de democracia é a de um país com sistemas pluripartidários, mas eis aqui o paradoxo de tal democracia, tal como foi apontado por um camarada – em países onde diferentes partidos tomam o poder, o público se distrai ao culpar um partido ou outro pela ausência de progresso, ao invés de se tornar uma ameaça ao sistema que não atende ao povo. Em países com um sistema unipartidário (cujos membros são também são eleitos ao poder, e não selecionados por um “ditador”), não há outro partido a se culpar, portanto o partido único deve defender seu povo, ou o próprio sistema estará ameaçado.

Vamos dar uma olhada na democracia e seus resultados em estados socialistas como fruto das mudanças nas condições materiais dessas sociedades.

Democracia em Cuba

Cuba apareceu bastante nas notícias recentemente com seu projeto de nova constituição. A constituição cubana passou por um processo de reescrita massivo, no qual mais de 7,370,00 cidadãos cubanos participaram em 7,234 reuniões a nível de comunidade, em espaços de trabalho e centros estudantis no período de alguns meses. Essas reuniões resultaram em 43,000 propostas para todos os artigos do projeto e mais de 700 mudanças na constituição. Ainda está pra se ver uma iniciativa desse tipo em nações capitalistas desenvolvidas, nas quais os governos “democráticos” servem apenas para beneficiar os grandes negócios.

Cuba também foi um dos primeiros países a ter legalizado a prática homoafetiva. Descriminalizou a homossexualidade em 1979, 24 anos antes dos Estados Unidos. A Índia fez tal descriminalização em 2018. Então no fim das contas, Cuba não se pareceria muito com uma ditadura? O novo projeto de constituição em Cuba também mudou a definição de casamento: antes definido como “a união entre homem e mulher” passou a ser “uma união entre cônjuges, independentemente do gênero”.

A taxa de alfabetização em Cuba é quase 100%. A saúde em Cuba é gratuita, uma das melhores, e universal. Em um mundo no qual os países capitalistas aceleram devastadoras mudanças climáticas a despeito dos esforços públicos para responsabilizar seus governos e as grandes companhias, Cuba é líder em proteção ambiental. De acordo com a NASA:

“Ecosistemas pouco desenvolvidos (florestas e zonas úmidas) cobrem 53 por cento de Cuba, de acordo com a análise recente de imagem Landsat. Cerca de 40 por cento da superfície da ilha é usada para agricultura. As culturas principais incluem mandioca, tabaco, toranja, e açúcar. Reservatórios cobrem cerca de 1 por cento da superfície da ilha, e cidades cobrem menos que 1 por cento.”

Apesar da colcha de retalhos de terras agrícolas e pastagens, Cuba é conhecida por ter trechos relativamente grandes de florestas de mangue intocadas e recifes de corais, praias, e pântanos não pertubados pelo homem, repletos de erva marinha.

“Cuba é uma raridade ecológica na América Latina e na região do Caribe,” disse a cientista da Universidade de Vermont Gillian Galford num relatório de 2018. “Sua história política e econômica complexa demonstra a limitação das perturbações [ambientais], extinções, poluição e depleção de recursos.”

As histórias da Brigada Médica de Cuba, que abnegadamente trabalhou para fornecer cuidados em saúde ao redor do mundo, não precisam sequer ser mencionadas. A partir de 2005, Cuba se tornou líder mundial na proporção entre médicos e população, com 67 doutores para cada 10,000 pessoas, comparado com os 43 da Federação Russa e  os 24 dos Estados Unidos. Em 2014, mais de 50,000 médicos cubanos foram postados ao redor do mundo, incluindo 32 países africanos. Fidel Castro ajudou dezenas de países africanos em sua luta contra o imperialismo e pela liberdade, incluindo a luta dos sul-africanos contra o Apartheid. Tropas cubanas, desde os anos 60, serviram na Argélia, Guiné, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Serra Leoa e Líbia. Nelson Mandela chamou Castro de “fonte de inspiração para todas as pessoas amantes da liberdade”.

Se isso é uma “ditadura”, com certeza ela soa bem melhor que as democracias ocidentais. 

Democracia na China

A China, na minha opinião, é o maior exemplo de socialismo bem sucedido. Após 200 anos de imperialismo brutal por parte da Inglaterra e do Japão, que reduziram a China a uma nação extremamente pobre e atrasada, o crescimento econômico chinês é sem precedentes na história.

Os capitalista ocidentais veem o sucesso da China como um resultado do capitalismo,  e os esquerdistas ocidentais veem a China como uma traição do socialismo. Ambos estão imensamente equivocados em suas análises, já que é o Socialismo com Características Chinesas, enraizado no Marxismo-Leninismo, o responsável pelo crescimento do país.

A luta de classes é altamente encorajada na China, e especialmente sob o governo do presidente Xi Jinping. Tal luta de classes resultou em um crescimento dos salários na China em 100% de 2011 a 2018, comparado à média desprezível de 1%-2% do resto do mundo nesse mesmo período. O professor Jayati Ghosh, da Universidade Jawaharlal Nerhu, escreveu recentemente que “a China multiplicou esse efeito através de políticas estatais sistemáticas feitas com o intuito de melhorar as condições laborais. Como resultado, o salário mínimo médio na China quase dobrou entre 2011 e 2018, e os salários para trabalhadores em estatais subiram ainda mais rápido. Ao mesmo tempo, o governo tem expandido outras formas de proteção social para os trabalhadores, enquanto exerce políticas industriais orientadas para impulsionar a inovação e aumentar a produtividade, deste modo levando o país em direção ao topo na cadeia de valor global.”

A China abriu sua economia em 1978 para investimento estrangeiro e negócios privados, mas permanecendo socialista em sua essência ao não permitir a privatização de bancos e da posse de terras. O país não sofre uma depressão econômica há quatro décadas e, tal qual nossa experiência demonstrou, a doença do capitalismo em forma de depressão e inflação está enraizada no sistema imobiliário e bancos privados.

Sob a gestão Xi Jinping, o país está se movendo cada vez mais para a esquerda. De acordo com dados de 2018, 1.87 milhão de companhias privadas possuem representação por oficiais do governo, o que equivale a 73% do setor privado chinês. O setor público chinês é 50% de sua economia e contribui 40% em seu PIB.  Nesse contexto, é importante mencionar que a China retirou 740 milhões de cidadãos da pobreza extrema, o que é também uma grande contribuição à redução da pobreza mundial. “As conquistas chinesas na redução da pobreza representam uma contribuição de mais de 70% ao trabalho global de alívio de pobreza nos últimos 40 anos.”

Distinções de classe ainda permanecem profundas na sociedade chinesa, mas lideramos com isso em um post à parte.

Democracia na República Democrática Popular da Coréia

A DPRK, como prefere ser conhecida ao invés de Coréia do Norte, é o Estado socialista mais desenvolvido; entretanto, graças a meio século de propaganda ocidental, a grande maioria da população mundial pensa que a Coréia Popular é um país horrível, totalitário, no qual os homens são forçados a ter o corte de cabelo de Kim Jong Un e  as pessoas comem grama para sobreviver.

Um pouco de contexto para a Coréia Popular nos ajudará a apreciar melhor sua sociedade. A Coréia antes da divisão era governada por forças imperialistas japonesas, contra as quais o líder revolucionário Kim Il Sung (avô de Kim Jong Un) lutou, obtendo com isso a independência do país. Os Estados Unidos, como sempre, interferiram para subverter a revolução comunista e tornaram possível a divisão da Coréia em dois países. Também empreenderam um “bombardeamento  de tapete” da Coréia Popular, utilizando 636,000 bombas, das quais 420,000 foram direcionadas à cidade capital, Pyongyang. A população de Pyongyang naquela época era de 400,000, o que significa que mais de uma bomba por pessoa foi atirada na cidade. O bombardeio não apenas reduziu o país a cinzas e destruiu terras agrícolas, mas também erradicou 20% de sua população.

É assim que Pyongyang está hoje em dia, apesar das sanções econômicas das Nações Unidas desde 2006.

A Rua Ryomyong em 12 de abril de 2017, no dia de sua inauguração (Photo: CNN)

A reconstrução da Coréia Popular é atribuída à ideologia nacional chamada de “Juche”, desenvolvida por Kim Il Sung e aprofundada pro seu filho Kim Jong Il. Uma ideologia de autoconfiança, criatividade e maestria, centrada em torno das massas – ela é, demonstravelmente, a mais evoluída filosofia socialista, e é também enraizada no marxismo-Leninismo.

O governo da Coréia Popular representa as massas, e ao contrário do que a mídia ocidental nos fará acreditar, Kim Jong Un não é o líder totalitário do país. A dinastia Kim representa a liderança ideológica, enquanto vários outros membros eleitos são quem toma as decisões e decidem as políticas. Kim Jong Un não é nem sequer o Presidente da Assembleia Popular Suprema (ele se chama Kim Yong-Nam, e não, eles não são parentes – Kim é apenas um nome muito comum na Coréia). O Presidente da Assembléia Suprema dos Líderes é Choe Thae-bok, e o Premiê do Gabinete é Pak Pong Ju. O governo da Coréia Popular também possui poderes legislativo, executivo e judiciário, e que prestam contas do que fazem perante o povo.

A alfabetização na Coréia Popular é de 100%. Além disso, o governo aboliu o imposto de renda direto de seus cidadãos em 1974. A saúde na Coréia é a fonte principal de inspiração para todos os países em desenvolvimento. A saúde é inteiramente gratuita, e há um médico para cada 130 famílias. Como a Diretora-General Margaret Chan afirmou, o sistema de saúde na República Popular Democrática da Coréia seria a inveja de muitos países em desenvolvimento, graças à abundância de equipes médicas que disponibiliza. A expectativa de vida dos cidadãos nos anos 50 era de 35 anos. A expectativa de vida hoje em dia está em torno de 72. Além disso, doenças contagiosas foram amplamente erradicas na Coréia Popular, uma conquista notável para uma nação em desenvolvimento.

Não existem desabrigados na Coréia Popular. Moradia é pública e gratuita. Crimes são quase inexistentes, o que torna a força policial mínima e quase desnecessária. Todos os parques temáticos, museus e infraestrutura pública são acessíveis gratuitamente aos cidadãos.

Se isso é uma “ditadura”, todos os governos deveriam almejar serem ditaduras.

Democracia na União Soviética

A antiga URSS também foi chamada de ditadura, e Stalin de tirano. Pouco suspeita-se hoje em dia de que a constituição que Stalin esboçou em 1936 para a União Soviética foi a mais libertária constituição do mundo naquele tempo. Eis aqui mais outra citação do blog de Stephen Gowans, a qual explica como a União Soviética era mais democrática que as principais nações ocidentais:

“A democracia soviética foi zombada e ridicularizada no Ocidente. Mas vamos comparar a forma de democracia soviética em 1936 com a forma ocidental. Naquele período, a Grã-Bretanha tinha uma Casa dos Lordes não-eleita (e ainda possui até hoje), enquanto o Canadá tinha, e continua a ter, um Senado não-eleito. Dos 500 milhões de habitantes do Império Britânico, apenas 70 milhões, ou 1/7, viviam em em democracias políticas. A África do Sul negava o sufrágio à sua população negra. No Canadá e Austrália, povos aborígenes não podiam votar. A Índia não possuía democracia política alguma, e era governada pelo serviço civil britânico. Os Estados Unidos negavam direitos civis aos seus cidadãos negros, que viviam em um estado de opressão. Em contraste a tudo isso, o sufrágio na URSS era universal, dificilmente sendo uma tirania se comparada com o Ocidente, como Stone e Kuznick gostariam que acreditássemos que fosse.

Os vários povos da URSS foram unificados. Não se via fome, nem analfabetismo, por toda a extensão do país. A agricultura era completamente coletivizada, e extremamente produtiva. A saúde preventiva era a melhor do mundo, e o tratamento médico de qualidade excepcionalmente alta era disponível a todos os cidadãos. Educação a todos os níveis era gratuita. Mais livros eram publicados na URSS do que em qualquer outro país. Não havia desemprego.”

A União Soviética também foi a primeira nação não-negra a dar direitos iguais ao povo negro, e criou uma sociedade muito mais segura para as minorias. Os negros nos Estados Unidos ainda são mortos por serem negros.  

Em conclusão – A democracia em Estados socialistas é muito mais bem-sucedida que em Estados capitalistas

Estados socialistas são edificados na ideologia Marxista de “ditadura do proletariado” Esse conceito levou a muita confusão entre pessoas que não estão cientes que Marx escreveu em dialética e, portanto, esses conceitos devem ser interpretados dialeticamente ao invés de analiticamente.

Pensamento dialético vs pensamento analítico

A filosofia evoluiu significativamente ao longo dos séculos. No entanto, a filosofia ocidental dominou amplamente nosso pensamento. O pensamento analítico e lógico não são os únicos instrumentos a derivarem a verdade dos fatos. O pensamento dialético é antigo mas é um modo altamente relevante de pensar que foi empregado para buscar a verdade quando o pensamento analítico falha.

A objetividade do pensamento analítico é de renderizar uma declaração como verdadeira ou falsa. tal pensamento ignora o contexto e o materialismo histórico de um evento. Estados socialistas são autoritários? Sim.Isso é um pensamento analítico, baseado em apenas demonstrações isoladas.

O pensamento dialético, por outro lado, nos ajuda a sintetizar duas afirmações opostas mas igualmente verdadeiras examinando o contexto e a totalidade histórica do evento em questão. Que estados socialistas são mais democráticos é verdadeiro assim como a afirmação de que estados socialistas são autoritários. No pensamento dialético, quando a questão possui duas respostas iguais mas opostas, procuramos mudar a questão em si. Então a questão aqui não é a liberdade individual mas a segurança individual.

Com o direito à educação, saúde, moradia e empregos, a vida nos estados socialistas é muito mais segura que a vida em estados onde a pobreza, a fome, pessoas sem moradia, custos de saúde, aluguel e desemprego estão crescendo rapidamente e severamente tirando a capacidade da classe trabalhadora.

Como Stalin disse, “É difícil para mim imaginar que ‘liberdade pessoal’ é defrutada por uma pessoa desempregada, que passa fome e não consegue encontrar emprego. A liberdade real pode existir apenas onde a exploração foi abolida, onde não há opressão de uns por outros, onde não há desemprego e pobreza, onde um homem não é assombrado pelo medo de amanhã estar desprovido de trabalho, de casa, e de pão. Apenas em tal sociedade é real, e não no papel, a liberdade pessoal e todas outras liberdades possíveis.”

No pensamento dialético, o significado das palavras é interpretado diferentemente. A “ditadura” do proletariado na teoria Marxista não significa uma cruel e desalmada ditadura de um ditador todo-poderoso que explora o povo para ganho pessoal, mas a ditadura de um Estado que representa a classe trabalhadora, ao invés da classe dominante, e que exerce a autoridade apenas para manter contra-revoluções da classe dominante em cheque, ou lutar contra agressão externa, enquanto trabalha para remover as distinções de classe econômica.

Foi essa ditadura do proletariado que permitiu que a China, Cuba, e a Coréia Popular construíssem sociedades que são muito mais saudáveis, felizes, otimistas e seguras do que sociedades capitalistas.


Autora: Shikha Patnaik
Publicado em: 9 de dezembro de 2018
Original:  https://socialism-simplified.com/2018/12/25/socialist-states-are-more-democratic-than-capitalist-states/
Tradução: João Nachtigall [Tradutores Proletários]
Revisão: Eliel Micmás [Tradutores Proletários]
Arte de capa: Eliel Micmás [Tradutores Proletários]

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