Arte por See Red Women’s Workshop, editada e traduzida pela CTP

Historicamente, a relação entre feminismo e marxismo tem sido frequentemente caracterizada por tensões. Enquanto este último desenhou uma profunda visão de libertação da humanidade, feministas frequentemente são céticas em relação à falta de atenção da perspectiva marxista à opressão de gênero. Da mesma maneira, marxistas muitas vezes temem que a ênfase excessiva nas questões de gênero sirva de distração, obscurecendo a primazia da contradição de classe, localizada no núcleo da luta de classes.

Apesar desses receios , também há uma importante história de marxistas e feministas trabalhando em conjunto para entenderem melhor a relação entre a sociedade de classes, a violência generizada¹, e a opressão. O que está em jogo, nestes esforços colaborativos, são questões cruciais referentes a como, precisamente, o gênero opera e é constituído.

Me aproximo dessa questão do ponto de vista de uma partidária. Ou seja, parto da perspectiva de uma marxista-leninista e ao mesmo tempo de uma feminista materialista. Tenho trabalhado já há algum tempo para tentar me interpor nesta relação complicada entre essas duas escolas de pensamento, e assim poder afirmar que seus objetivos estão necessariamente entrelaçados.

Portanto, por uma questão de transparência, já ponho aqui as cartas sob a mesa: minha posição é a de que o sistema ocidental contemporâneo de gênero opera como uma classe. Quero dizer com isso que as posições sociais de homem e mulher são posições de classe, as quais representam a relação de alguém com uma divisão do trabalho específica. Homem e mulher são ambos expressões de uma contradição dentro da sociedade de classes; isto significa que a libertação das mulheres precisa ser alcançada pela resolução dialética dessa contradição. Tal resolução só pode ser alcançada organizando as mulheres como uma classe, para assim efetuar a derrubada revolucionária da base material produtora desta contradição classista de gênero. Na prática, isto significa a destruição do modelo nuclear de família, a abolição da divisão generizada do trabalho doméstico, e a contínua crítica ideológica e luta contra as ideologias generizadas produzidas por essas condições sociais.

Compreensivelmente, muitos Marxistas lerão esta explicação e questionarão a sua utilidade para a teoria marxista da luta de classes. Se as mulheres constituem uma classe potencialmente revolucionária, então não seriam também as mulheres burguesas concebidas como parte de uma classe progressiva, em luta contra homens proletários? Se o gênero opera como classe, então isso quer dizer que ele está em pé de igualdade com a luta de classes contra o capitalismo? O que isso significaria para nossos modelos organizacionais? Poderia isto complicar as coisas de uma maneira que serviria como impedimento à luta de massas contra o capitalismo? O que dizer então do fato de que muitas das feministas materialistas que propõem este argumento ao mesmo tempo rejeitam aspectos do marxismo? Estas questões são todas justas, e se a explicação a qual procuro propor sobre gênero fosse parar nesse esboço descrito acima, elas possivelmente seriam razões muito boas para rejeitar esta teoria de gênero.

O problema é que não sou apenas uma feminista materialista, mas também uma marxista-leninista. A teoria de gênero que procuro propor é um tanto quanto mais complicada do que este pouquinho que deixei transparecer acima. Enquanto acredito que o gênero funciona como uma contradição de classe (no sentido materialista formal), é ainda assim necessário questionar como tal contradição desenvolveu-se historicamente. Aqui, me volto a Silvia Federici, cujo trabalho sobre gênero tem procurado ligar o desenvolvimento dessa contradição à acumulação primitiva capitalista e à emergência histórica do conflito de classes entre o proletariado e a burguesia. Argumento que a teorização dada por Federici pode transpor o abismo entre o feminismo materialista e o marxismo pela demonstração de como a contradição homem/mulher surge como resultado de uma emergente contradição proletariado/burguesia. As condições materiais produtoras do sistema moderno e ocidental de gênero são elas mesmas um resultado do desenvolvimento capitalista. Por isso, a resolução do conflito de classes entre homens e mulheres não pode ser alcançado sem a resolução deste mesmo conflito entre proletariado e burguesia. A contradição de gênero não pode ser reduzida à de classes capitalista, mas ela também não pode ser resolvida sem a resolução da contradição de classes capitalista. Por conseguinte, a derrubada do capitalismo é uma condição necessária (mas não suficiente) para a abolição de gênero e a libertação das mulheres como classe. Estando esta teorização correta, a estratégia feminista-materialista de libertação das mulheres subitamente torna-se então inerentemente interligada à estratégia marxista de revolução proletária.

Acredito que esta formulação pode abordar e lidar com muitos dos problemas que os críticos marxistas tem tido com a tradição feminista materialista. Se a revolução proletária é a causa necessária da resolução da contradição homem/mulher, então é claro que não conceituaremos mulheres burguesas como nossas aliadas ao mesmo tempo em que enxergamos nos homens proletários um inimigo. Em vez disso, teríamos que compreender a luta pela libertação da mulher como inerentemente entrelaçada à derrubada da classe capitalista. Simultaneamente, temos que lutar pela libertação das mulheres dentro da sociedade socialista assim como dentro da luta de massas. Isto não é apenas crucial para a libertação bem-sucedida das mulheres enquanto classe, mas também para destruir as justificações ideológicas da família nuclear, as quais por si só funcionam como parte da superestrutura ideológica capitalista. Nesta formulação teórica, a luta pela revolução proletária e pela libertação das mulheres requer atenção cuidadosa às respectivas contradições de ambos, mas a primazia é ainda assim dada à resolução da contradição de classes capitalista.

[1] “Generizada”: neologismo para a palavra inglesa genderized, que denota algo dividido em gêneros, ou que carrega em si a ideia/categoria de gênero.


As mulheres como classe

Para reconciliar a teoria de gênero feminista materialista com a teoria marxista de revolução do proletariado, precisamos primeiramente entender a maneira pela qual o feminismo materialista teoriza o gênero. Como sempre, me volto ao trabalho de Monique Wittig para sucintamente capturar as nuances dessa aproximação teórica.

Em seu ensaio “Não Se Nasce Mulher”, Wittig tenta prover uma explicação materialista quanto ao gênero. É importante reconhecer que essa explicação entra em conflito com a teoria marxista, na medida em que a própria autora contrasta essa teoria com o marxismo. Assim sendo, qualquer tentativa de teorizar Wittig de uma perspectiva marxista deve trabalhar para colmatar o fosso criado pelo próprio distanciamento desta do marxismo. Wittig inicia seu ensaio com uma afirmação ousada:

Uma abordagem feminista materialista da opressão das mulheres destrói a ideia de que as mulheres são um ‘grupo natural’: ‘um grupo racial de um tipo especial, percebido como natural, um grupo de homens considerados como materialmente específicos em seus corpos.’

O que Wittig tenta aqui é estabelecer que uma teoria materialista de gênero necessariamente requer uma definição não-essencial de feminilidade. Não é suficiente ter a categoria de mulher por certa; ao invés disso, devemos interrogar como a feminilidade é construída. Wittig não quer apenas desvelar a constituição social de feminilidade, mas também está muito interessada nas maneiras pelas quais a ideia de mulher enquanto grupo natural funciona como uma justificativa ideológica da opressão desta.

Wittig argumenta que a ideia de que há um agrupamento natural de humanos que podemos rotular como “mulher” é, na verdade, um meio de naturalizar e mistificar uma relação social exploradora. Ela escreve: “a abordagem feminista materialista mostra que o que tomamos como causa ou origem da opressão é, na verdade, apenas a marca imposta pelo opressor: o ‘mito da mulher’”. Wittig rejeita a ideia de que a feminilidade é uma questão de simples materialidade corporal, e em vez disso argumenta que a ideia de um grupo de mulheres naturalizado, com base na corporificação², no porte de certos traços corporais, é resultado da opressão social. Ela continua:

O que acreditamos ser uma percepção física e direta é apenas uma sofisticada e mítica construção, uma ‘formação imaginária’, que reinterpreta características físicas (em si neutras como qualquer outras, mas marcadas pelo sistema social) por meio da rede de relações nas quais são percebidas.

A maneira pela qual a maioria das pessoas aceitam acriticamente a categoria gênero, com base na corporificação, é assim entendida como uma função ideológica do gênero que obscurece e reforça as condições materiais da opressão das mulheres.

Wittig põe isso em termos muito mais explícitos em seu ensaio “A Categoria ‘Sexo’”. Nesse ensaio, ela começa a se referir a essa crença em um agrupamento natural como a ideologia de diferença sexual. Essa ideologia opera precisamente para justificar a exploração da mulher. Essa justificação é comparada por ela a uma forma de censura. Wittig escreve:

A ideologia de diferença sexual funciona como uma censura em nossa cultura por mascarar, pela ideia de natureza, a oposição social entre homem e mulher. Masculino/feminino, macho/fêmea, são categorias que servem para ocultar o fato de que as diferenças sociais sempre pertencem a uma ordem econômica, política e ideológica. Todo sistema de dominação estabelece divisões em nível material e econômico. Além disso, as divisões são abstraídas e tornadas em conceitos pelos mestres…. porque não há sexo. Há apenas o sexo que é oprimido e o sexo que oprime. É a opressão que cria o sexo, e não o contrário.

Algo notável ocorre aqui. Ao transformar o sexo, de um agrupamento natural para um relacionamento com a opressão sistêmica das mulheres, Wittig funcionalmente articula o gênero como uma classe. A ideologia de diferença sexual é uma ideologia superestrutural produzida por uma base material. Essa ideologia não apenas emerge das condições materiais da opressão das mulheres, mas age para obscurecê-la, censurar aqueles que tentem desmistificá-la, e para justificá-la. Afinal, se o gênero fosse um agrupamento natural, haveria uma base fundacional e imutável para a opressão das mulheres. Em vez disso, Wittig sugere que há um conflito de classes funcional entre homem e mulher e que este emerge de uma forma específica de exploração econômica da mulher pelo homem. Ela resume isso bem sucintamente ao escrever, “a perenidade dos sexos e a perenidade dos escravos e mestres surgem da mesma crença, e, como não existem escravos sem mestres, não existem mulheres sem homens.”

Após interrogar as bases materiais do gênero, podemos nos perguntar: o que é uma mulher? A resposta dada por Wittig é marcante: uma mulher é um membro da classe das mulheres, esta que é a classe oprimida e explorada pela classe de homens. Esta é uma teoria não-essencialista que remove quaisquer bases naturais para a opressão das mulheres. Nenhum apelo pode ser feito à subserviência natural da mulher ou à inferioridade biológica. Em vez disso, nos resta o fato brutal de que o gênero em si é uma relação de classe.

Enquanto Wittig demonstra que a relação entre homem e mulher é formalmente articulada como uma relação de classe, até agora ela não proveu uma explicação materialista da base econômica que produz essa relação de classe. Então, para explicar isso, ela conceitua a heterossexualidade como a base material para o gênero. O emparelhamento heterossexual de marido e esposa existe como um princípio da organização social para subjugação das mulheres. Enquanto as realidades do casamento continuam a evoluir, ele funciona historicamente para reduzir a mulher a uma propriedade do homem, forçar as mulheres a realizarem formas específicas e descompensadas de trabalho doméstico e tornar as mulheres sexualmente disponíveis para o homem através de um contrato formalizado. Assim, existe uma divisão do trabalho que subjaz o gênero. Adicionalmente, este funcionou para criar uma relação diferente com a pobreza, já que as mulheres casadas historicamente foram privadas da posse da propriedade devido ao direito do marido de controlar as finanças familiares. É dessa relação econômica que surge a ideologia de diferença sexual e é ela que a reforça e obscurece.

Para Wittig, a meta de libertação das mulheres será alcançada com a abolição do gênero. Esta resultará da resolução da contradição dialética entre homens e mulheres enquanto classes. Assim, deve ser alcançada através da luta de classes. A autora explica: “nossa luta visa suprimir os homens enquanto classe, não através de uma luta genocida, mas de uma luta política. Assim que a classe ‘homem’ desaparecer, a ‘mulher’ enquanto classe irá desaparecer também…’ A libertação da mulher requer primeiramente a abolição das condições que produzem a feminilidade. Podemos fazer uma analogia com o fato de que a libertação do proletariado sobre a classe capitalista abole a posição de classe do proletariado, ao destruir a base capitalista que produz a contradição de classes entre o proletariado e o capitalista em primeiro lugar. A libertação da mulher requer que as mulheres se organizem enquanto classe para a abolição da classe da mulher.

Embora Wittig forneça uma explicação surpreendentemente complexa dos fundamentos materiais do gênero, há alguns problemas teóricos em sua teoria que devem ser abordadas.

Francamente, Wittig não consegue historicizar apropriadamente o aparecimento da heterossexualidade ou o contrato de casamento moderno. Seu trabalho, em grande parte, trata ambos quase como fatos ahistóricos, enquanto falha em perceber que a articulação específica da heterossexualidade que ela examina é um fenômeno ocidental, que emerge especificamente das condições materiais da Europa. Na verdade, Wittig dificilmente considera a possibilidade de que o sistema de gênero que ela analisa possa não ser universalizável em uma escala global. O sistema de gênero europeu é utilizado por ela para representar o gênero em si mesmo, sem nenhuma justificativa para isso. Assim sendo, há um certo eurocentrismo não questionado dentro do trabalho de Wittig. Isso não é suficiente para descartar sua teoria, mas requer uma apropriação materialista adequada de seu trabalho para historicizá-lo e explicar a relação entre o sistema de gênero europeu e o processo de colonização capitalista.

Além disso, Wittig tende a tratar a heterossexualidade como um fenômeno abstrato, sem dar uma explicação de como a heterossexualidade é mantida e perpetuada através da unidade social da família. O fato do casamento e a família serem locais onde a heterossexualidade é promulgada e reproduzida é claro na crítica wittigiana, mas não o lugar de onde a família emerge. Que forças sociais fazem com que a família se torne uma unidade social fundamental dentro da sociedade capitalista? A não ser que essa questão possa ser respondida, somos forçados a entender a heterossexualidade e a família nuclear como realidades transhistóricas. Isso não é uma opção sustentável, contudo, já que pesquisas antropológicas e históricas (datando do livro “Origens da Família”, de Engels) demonstraram de maneira consistente que a família nuclear moderna e o arranjo econômico heterossexual no qual aquela se fundamenta são fenômenos historicamente contingentes. Assim, ficamos sem uma explicação quanto à origem da contradição de classe entre homens e mulheres .

Essa falha ao historicizar esse sistema de gênero racializado e ocidentalizado, em conjunto à falha ao historicizar completamente o surgimento da família nuclear, nos deixa com uma explicação que fica aquém de uma teoria materialista de gênero. Apesar dessas deficiências, Wittig certamente deu um grande salto à teoria feminista, ao rejeitar tanto a teoria feminista liberal quanto a radical, as quais pressupõem a categoria de mulher como já dada, sempre existente. Além disso, Wittig permite que nós entendamos o gênero enquanto uma contradição dialética. Homem e mulher são transformados em posições de classe, e a libertação das mulheres se articulada como uma questão de luta de classe. Tudo isso é teoricamente importante e significante, mas deve ser aumentado com uma explicação histórica adequada do surgimento desse sistema de gênero dentro do desenvolvimento do capitalismo. Para isso, devemos nos voltar para outra teórica.

[2] Corporificação: tradução aproximada de embodiment, palavra polissêmica inglesa de difícil tradução, e com significados diversos a depender da posição teórica do autor. Neste ensaio, acreditamos que o termo signifique uma “inscrição no corpo”: as características físico-sexuais das mulheres são vistas pela sociedade como sinais de que a mulher incorpora, possui em sua natureza certos traços, como a fragilidade, a inclinação à maternidade, a delicadeza, dentre outros — e, por causa disso, a mulher incorpora (embodies) estes traços em sua imagem psíquica de seu próprio corpo.


Gênero e acumulação primitiva

Para contextualizar apropriadamente a teoria de gênero wittigiana, me voltarei ao trabalho da feminista italiana Silvia Federici, e seu estudo da acumulação primitiva. Em seu inovador texto, Calibã e a Bruxa, Federici complexifica a teoria marxista da acumulação primitiva ao focar nas maneiras pelas quais esta “também foi uma acumulação de diferenças e divisões dentro da classe trabalhadora, através das quais hierarquias construídas sobre gênero, assim como ‘raça’ e idade, tornaram-se constitutivas do domínio de classe e da formação do proletariado moderno.” Esta ênfase na acumulação de diferenças é de extrema importância para uma teoria materialista de gênero, porque ela pode historicizar a ideologia da diferença sexual que Wittig destaca como uma justificativa central para a opressão das mulheres.

A teoria marxista da acumulação primitiva é um dos mais importantes insights do corpus teórico marxista, pois ela desmistifica a emergência do capitalismo. Marx rejeita as explicações ideológicas dos capitalistas, insistentes em assumir que o surgimento do capitalismo foi simplesmente o fruto de alguns indivíduos os quais, trabalhando duro, acumularam riquezas e construíram as condições para uma indústria expandida e urbanizada. Em contraste a essa imagem bonitinha, Marx enfatiza a violência que foi necessária para criar as condições para o desenvolvimento capitalista. Ele demarca que uma força de trabalho proletária urbanizada, livre para vender seu trabalho a capitalistas em competição, exigiu a dissolução da sociedade feudal. Foi central para essa dissolução a retirada da conexão dos camponeses à terra, a libertação dos servos, e o colapso forçado das relações econômicas feudais. Afinal, se a força de trabalho está confinada, pelas relações feudais, a um senhor, ela não está livre para vender seu trabalho à classe capitalista emergente. Era necessária uma transformação radical da sociedade.

Mesmo ao afirmar que os trabalhadores foram “libertos” de sua servidão feudal, Marx reconhece que “por outro lado, estes novos ‘homens-livres’ tornaram-se vendedores de si mesmos apenas depois de terem sido roubados de todos os seus meios de produção, e de todas as garantias de existência legadas pelos antigos acordos feudais.” A abolição da servidão feudal foi adquirida em troca da sujeição aos caprichos dos empregadores capitalistas, e foi conquistada por meio de certa privação de direitos da classe trabalhadora emergente. Marx conclui que esta história de perda de direitos “está escrita nos anais da humanidade a letras de sangue e de fogo”.

Esse processo de acumulação primitiva também exigiu o cercamento das terras comunais. Este foi um processo legal pelo qual a nascente classe capitalista removeu legislativamente o acesso do campesinato a essas terras, funcionalmente removendo sua habilidade de autossustentar-se. Além disso, Marx denota a aparição no século 15 da “legislação sangrenta”, um conjunto de leis que regularizou e criminalizou parcialmente o ato de pedir esmolas, criou punições contra a recusa a trabalhar, proibiu estilos de vida nômades, e tomou outros passos para criar uma nova classe trabalhadora urbanizada e dominada. Essas esmagadoras mudanças legislativas não só destruíram a relação entre o campesinato e a terra da qual ele vivia, mas também criminalizou qualquer outra forma de viver que não fosse tornar-se um membro da nova classe proletária de trabalhadores assalariados. O que Marx revela com esta investigação histórica é que a emergência do capitalismo exigiu uma revolução política, não sendo um processo pacífico ou progressivo; em vez disso, necessitou de uma massiva quantia de violência e despossessão.

O que não está tão claro em Marx é o que este processo tem a ver com gênero. E é aqui que entra Federici. Apesar da formulação do Marx quanto à acumulação primitiva ser em grande parte focada no desenvolvimento de uma força de trabalho proletária na Europa (mais especificamente na Inglaterra), Federeci expande o âmbito de sua investigação. Uma das expansões cruciais em sua obra é o foco na relação entre acumulação primitiva e colonialismo. Ela argumenta que o projeto colonial genocida executado no “novo mundo” representa uma similar destruição de modos de vida anteriores com o objetivo de criar as condições para a acumulação capitalista. Federici também chama atenção para a emergência da escravidão durante o desenvolvimento do capitalismo como uma parte central do processo de acumulação primitiva.

Ela é cuidadosa ao enfatizar que todos esses processos sociais e fenômenos legais díspares atestam um único e simples fato: “a violência foi a principal alavanca, o principal poder econômico no processo de acumulação primitiva, porque o desenvolvimento capitalista exigiu um imenso salto na riqueza apropriada pela classe dominante europeia e no número de trabalhadores colocado sob o seu comando.” Todos esses fenômenos aparentemente desconexos são na verdade centrais ao desenvolvimento do capitalismo. Para Federici, isto significa que o capitalismo não pode ser visto como uma força propriamente progressiva a qual simplesmente libertou o campesinato, mas deve ser conceituado como um desenvolvimento genocida e brutalmente repressivo o qual criou um nível de exploração humana “nunca antes igualado na história.” O capitalismo não precisava simplesmente produzir uma nova classe proletária de trabalhadores livres; novas formas de escravidão precisavam ser rapidamente inventadas e justificadas. Enquanto a jogada a longo prazo do desenvolvimento capitalista foi a produção de uma força de trabalho livre, Federici insiste que “a tendência da classe capitalista durante os primeiros três séculos de sua existência era impor a escravidão e outras formas de trabalho forçado como a relação de trabalho dominante.”

A formulação federiciana da acumulação primitiva reconhece a genialidade da teoria de Marx. Ela respeita profundamente a habilidade deste de perceber como um conjunto de fenômenos legais desconexos foi, na verdade, um processo central no desenvolvimento do capitalismo. Ao mesmo tempo, Federici aponta que este processo não se adequava ao rápido nível de acumulação requerido pelo capitalismo, e que a emergência da escravidão foi tão central ao desenvolvimento capitalista quanto a criação de uma força de trabalho livre. Deve-se entender então que Federici não rejeita a teoria de Marx da acumulação primitiva, mas expande-a por um processo de crítica imanente.

Esta versão expandida da acumulação primitiva é crucial para prover um trajeto histórico da emergência do sistema de gênero europeu e do arranjo heterossexual que Wittig critica. Federici argumenta que anteriormente ao desenvolvimento capitalista, tanto a produção como a reprodução eram entendidas como contribuições sociais valiosas. Neste sentido, entendia-se as mulheres como provedoras de trabalho valioso. Ela explica que “no novo regime monetário, somente a produção-para-o-mercado estava definida como atividade criadora de valor, enquanto a reprodução do trabalhador começou a ser considerada como algo sem valor do ponto de vista econômico.” Como resultado, o processo de acumulação primitiva levou a uma mudança nas relações de gênero. As mulheres começaram a ser excluídas sistematicamente da força de trabalho, muitas vezes totalmente rejeitadas ao buscar emprego, ou pagas com salários significativamente mais baixos. Isto levou a um confinamento das mulheres dentro da esfera doméstica e a uma transformação do trabalho reprodutivo, anteriormente valorizado, numa questão de reprodução doméstica incompensada e não reconhecida. Federici resume: “ a importância econômica da reprodução da força de trabalho realizada no âmbito doméstico e sua função na acumulação do capital se tornaram invisíveis, sendo mistificadas como uma vocação natural…” É aqui que podemos ver a emergência histórica da ideologia da diferença sexual como uma justificativa para uma divisão do trabalho generizada.

De certo modo, esta transformação do papel social das mulheres representou o surgimento de um regime de gênero inteiramente novo. Federici explica:

Essas mudanças históricas — que tiveram um auge no século XIX com a criação da figura da dona de casa em tempo integral — redefiniram a posição das mulheres na sociedade e com relação aos homens. A divisão sexual do trabalho que emergiu daí não apenas sujeitou as mulheres ao trabalho reprodutivo, mas também aumentou sua dependência, permitindo que o Estado e os empregadores usassem o salário masculino como instrumento para comandar o trabalho das mulheres.

Essas mudanças precisam ser entendidas como uma ruptura radical em relação aos sistemas de gênero anteriores. A nova divisão do trabalho criou um regime de gênero inteiramente novo. Quero argumentar que este novo regime é precisamente o sistema de gênero heterossexual que Wittig analisa. Federici continua:

Mais importante, a separação entre produção e reprodução criou uma classe de mulheres proletárias que estavam tão despossuídas como os homens, mas que, diferentemente deles, quase não tinham acesso aos salários. Em uma sociedade que estava cada vez mais monetizada, acabaram sendo forçadas à condição de pobreza crônica, à dependência econômica e à invisibilidade como trabalhadoras.

Se quisermos ler Wittig e Federici conjuntamente, este desenvolvimento nos é da mais alta importância. As mulheres e homens proletários não são apenas privados de direitos e explorados igualmente pela classe capitalista, mas as mulheres proletárias enfrentam outro nível de exploração além deste último. Enquanto as mulheres e homens proletários estão ambos no “time” dos explorados da contradição proletariado/burguesia, as mulheres são exploradas e oprimidas dentro de outra contradição de classe: homens e mulheres. A mulher proletária exerce trabalho não compensado para o homem proletário ao criar as condições necessárias para um lar limpo e pacífico, ao alimentar ele e sua família, e ao literalmente reproduzir a próxima linhagem de trabalhadores. Portanto, há uma divisão de classes entre homens e mulheres que é primariamente antagônica, na medida em que ela é expressa pela violenta exploração do trabalho feminino. Este é precisamente o modelo econômico da heterossexualidade destacado por Wittig como a base material da contradição generizada de classe, agora apropriadamente historicizada dentro do contexto da acumulação primitiva capitalista. O modelo familiar europeu moderno não é mais algo dado como fato transhistoricamente, mas um desenvolvimento histórico contingente que emergiu do processo de acumulação primitiva.

Federici não apenas historiciza a emergência do regime de gênero heterossexual, mas também nos dá a habilidade de interrogar a pressuposição eurocêntrica de universalidade por trás da obra de Wittig. Por um lado, Federici pode explicar a difusão deste sistema de gênero para além das fronteiras da Europa ao compreender a acumulação primitiva como um fenômeno global perpetrado por meio da colonização. Há sim verdade no fato de que a classe capitalista europeia fez o melhor que pôde para universalizar este sistema de gênero. Por outro lado, a diferença racial foi uma justificativa para esta missão colonial e torna complicada a universalidade dessa narrativa.

Por exemplo, escravos negros nos EUA tiveram o acesso a este sistema de gênero específico negado, já que os homens negros não se beneficiavam, sob a escravidão, da compensação salarial. Por conseguinte, a divisão generizada do trabalho, uma divisão entre trabalho produtivo compensado e trabalho reprodutivo incompensado, se desfaz quando analisamos os sistemas de escravidão que também surgiram do processo de acumulação primitiva. A teórica negra feminista Dorothy Roberts também destacou a maneira pela qual sociedades supremacistas brancas historicamente regularam e procuraram controlar a reprodução da mulher negra. Em Killing The Black Body, Roberts argumenta que o sistema americano de escravidão racial impôs formas de controle reprodutivo nas quais o trabalho reprodutivo feminino foi diretamente explorado por uma classe branca de senhores. Isso se distingue óbvia e radicalmente da exploração da mulher proletária branca. Portanto, a acumulação primitiva tem que ser entendida como produtora de outros sistemas de gênero com base nas ideologias da diferença racial.

Em adição ao fato de que o trabalho reprodutivo feminino na sociedade tem tomado várias formas com base na diferença racial, feministas negras com frequência tem teorizado as maneiras pelas quais o modelo europeu da família nuclear não se aplica à experiência de gênero negra estadunidense. Hortense Spillers argumentou famosamente em Mama’s Baby, Daddy’s Maybe que as condições de escravidão e a redução à propriedade fizeram os próprios conceitos e modelos de maternidade e família falharem em se ligarem à posição social das mulheres negras dentro dos Estados Unidos. Formulações como as de Spillers tornam ainda mais complicada uma tentativa de universalizar o modelo europeu de gênero, ao mesmo tempo em que destaca a natureza racializada da “acumulação de diferenças” resultante da acumulação primitiva.

Portanto, não podemos compreender o sistema europeu de gênero como completamente universal. Isto entretanto não nos retira a habilidade de teorizar o gênero de um ponto de vista teórico materialista unificado, pois os sistemas de racialização que emergem da acumulação primitiva são expressões do desenvolvimento capitalista tanto quanto a divisão generizada do trabalho. Ambos precisam ser entendidos e teorizados por meio de uma lente materialista histórica.

Apesar de ideologias da diferença racial complicarem a universalidade da divisão do trabalho generizada europeia, há uma maneira pela qual este sistema de gênero foi universalizado. A feminista decolonialista Maria Lugones refere-se a esse processo como a missão civilizatória, uma de assimilar o outro racializado para dentro das normas culturais europeias. A destruição do sistema pré-colonial de gênero nas Américas, o estabelecimento de reformatórios, e a contínua demanda por assimilação cultural através do mundo ocidental foram todos feitos para universalizar estas normas. Era central a estes projetos a imposição do modelo europeu da família nuclear, e com ele, o sistema de gênero heterossexual. A missão civilizatória exigiu a destruição dos modelos de gênero anteriores, assim como a das populações que recusaram-se a se assimilar. Por isso, nós ainda podemos centrar este sistema de gênero europeu precisamente porque o processo colonial europeu tem buscado universalizá-lo. Para romper o imperativo colonial de assimilação, este sistema precisa ser destruído. Uma crítica deste sistema (e um plano estratégico para seu desmantelamento) será necessária para a luta decolonial e para destruir as relações sociais de violência racializada e escravidão. Este centramento teórico não pode ser às custas da análise de outros sistemas racializados de gênero, e sim um centramento estratégico focado no combate aos efeitos globais ainda em marcha resultantes da emergência do capitalismo europeu.

Wittig fez um trabalho importante para o entendimento do sistema de gênero europeu como uma contradição dialética da qual resulta uma relação de classe antagônica entre homens e mulheres. Federici nos permite entender a emergência histórica dessa contradição, e reconhecer as maneiras pelas quais esta foi exportada globalmente. Lugones nos dá um insight quanto a função colonial dessa contradição e a destruição de outros sistemas de gênero. Lida por meio de Federeci. a teoria da missão civilizatória de Lugones pode ser por nós entendida como um aspecto da acumulação primitiva. Roberts e Spillers complicam a universalidade da teoria de gênero europeia ao demonstrarem que ela é uma teoria racializada que não é aplicada para além dos limites de diferença racial. Ao mesmo tempo, lidas por meio de Federeci, pode-se entender que estas teorias de diferença racializada emergem elas próprias do processo de acumulação primitiva capitalista. Portanto, a abolição desses sistemas de diferença racializada está ligada à abolição do sistema de gênero europeu, na medida em que ambos só podem ser superados por meio da derrubada do capitalismo.

Então, ao final desta investigação teórica, torna-se claro que o gênero deve ser teorizado em termos materialistas. Tal feito demonstra que o gênero constitui sim uma contradição de classe, e que o próprio gênero funciona como uma classe. Simultaneamente, o surgimento desta contradição está ligado ao desenvolvimento do capitalismo e à emergência da contradição proletariado/burguesia. Por isso, na realidade não podemos atingir a libertação das mulheres em relação aos homens sem superar a contradição dentro do núcleo do capitalismo. Apesar de lidarmos aqui com duas contradições diferentes e duas relações de classe resultantes, uma é mais primária que a outra e deve ser vencida para que a outra seja solucionada. Portanto, a libertação das mulheres está inerentemente ligada ao processo de revolução proletária e luta de massas. Todos os variados sistemas de gênero contemporâneos, diversos como eles são como resultado da racialização, essencialmente surgem do mesmo processo histórico. Como resultado da base histórica desses sistemas ser a acumulação primitiva, a oposição revolucionária ao capitalismo é da mais alta importância. A última questão que precisamos responder é como esta teoria de gênero informa nossa estratégia revolucionária.


Luta de massas e libertação das mulheres

Baseados na análise teórica realizada acima, podemos dizer com certeza que a derrubada revolucionária do capitalismo é necessária para a libertação da mulher. O sistema de gênero europeu contemporâneo e a unidade social da família nuclear emergiram como resultados do capitalismo e por estes são perpetuados. A necessidade de uma força de trabalho não paga de trabalhadores reprodutivos continua, e sem a abolição do capitalismo, não teremos como eliminar esse sistema de opressão e exploração.

Além do mais, a derrubada do capitalismo não pode ser assegurada sem a libertação das mulheres. A ideologia de diferença sexual, as várias ideias misóginas de inferioridade física e biológica das mulheres, e as muitas justificativas para a exploração das mulheres são todos componentes ideológicos da superestrutura capitalista. Todos existem para justificar, reforçar e ocultar as relações sociais que permitem que o capitalismo funcione. Sem combater essas ideologias, elas podem ser utilizadas para o avanço de ideais e objetivos capitalistas em um contexto pós-revolucionário. Se o objetivo da revolução proletária é derrubar a classe capitalista e construir uma nova base econômica socialista, devemos rejeitar e combater todas as ideologias que justificaram a antiga ordem capitalista. O sistema de gênero europeu é uma dessas ideologias. Ele precisa ser deixado na lata de lixo da história.

O projeto de desenvolvimento socialista não deve apenas estabelecer o controle dos meios de produção para a classe trabalhadora; deve também criar uma distribuição equitativa do trabalho reprodutivo. Trabalho produtivo e reprodutivo devem ser valorizados igualmente e compreendidos como centrais para o desenvolvimento socialista, mas a fase transicional do socialismo deve garantir que as condições para ambos sejam livres da exploração de classe. Assim como o estado socialista procura eliminar a contradição entre proletariado e capitalistas, deve também eliminar a contradição entre homens e mulheres. Isso não será realizado através da eliminação dos homens enquanto indivíduos, mas através do fim de sua função de classe enquanto exploradores que se beneficiam do trabalho reprodutivo não-recompensado das mulheres. Essa tarefa não é cumprida ao mostrar os aspectos não-antagonísticos dessa contradição entre homens e mulheres, mas ao resolver essa contradição através da total reestruturação da sociedade e a eliminação da divisão de trabalho baseada em gênero.

Nos nossos esforços de organização atuais, devemos focar nas maneiras em que a exploração das mulheres pode ser continuada numa organização socialista. Mulheres proletárias são normalmente sobrecarregadas com um trabalho extra, resultado de ter que efetuarem o trabalho doméstico ao mesmo tempo em que se organizam politicamente, um fardo extra que os homens nem sempre encaram. A dominação do homem continua em espaços socialistas organizados enquanto os homens continuamente se colocam em posições de liderança, falhando ao abordar as necessidades específicas das mulheres na luta, e possuindo um longo histórico de perpetuar o clima de silêncio na questão de assédio e abuso sexual. Organizações socialistas têm sido frequentemente hostis às mulheres, precisamente porque os organizadores socialistas falham frequentemente em questionar as ideologias de diferença sexual, e falham ao elucidar as maneiras em que o gênero funciona como classe. Homens proletários que desejem entrar no processo de luta de massas e juntarem-se às forças progressistas que opõem-se ao capitalismo devem fazer isso traindo classe de gênero e unindo forças pelo fim do patriarcado. Esses camaradas devem reconhecer que eles se beneficiam materialmente da exploração das mulheres, e devem entender que sua relação com as mulheres proletárias deve ser simultaneamente uma de camaradagem, considerando que são membros do proletariado, mas também de potencial antagonismo com base em seu gênero.

Marxistas ainda podem opor-se a isso ao afirmarem que se o gênero é uma classe, poderíamos então ver as mulheres burguesas enquanto aliadas e os homens proletários enquanto nossos inimigos. Isto é, claro, um argumento bobo. A contradição de gênero enquanto classe surge do capitalismo e não pode ser resolvida sem a derrubada do capitalismo. Por conseguinte, as mulheres burguesas estão bloqueando o caminho da libertação geral das mulheres, e não podem ser vistas como uma força progressiva. Por isso que as mulheres burguesas trabalharam para ocultar a noção de feminilidade enquanto classe em favor de teorias ridículas de empoderamento individual. Se as mulheres proletárias viessem a entender as mulheres enquanto uma classe, seriam forçadas a fazer uma investigação histórica do surgimento desta e então também seriam forçadas a reconhecer sua relação com o capitalismo. Mulheres burguesas permanecem inimigas das mulheres proletárias por causa da primazia da contradição proletariado/capitalistas. Além disso, feministas materialistas não desejam excluir os homens proletários da organização socialista e do processo de luta de massas. Simplesmente exigimos que homens proletários questionem sua própria relação com a contradição de classe de gênero e escolham trai-la em favor da unidade revolucionária. Não é um dever das mulheres proletárias ignorar os aspectos antagonísticos dessa contradição — os homens proletários é que devem entender sua posição de classe e traí-la.

Acima de tudo isso, devemos entender as maneiras que as mulheres burguesas são poupadas de grande parte da exploração encarada por suas contrapartes proletárias. Mulheres trabalhadoras frequentemente tem que simultaneamente enfrentar o trabalho assalariado (numa menor taxa de compensação) e voltar para casa para realizar trabalho reprodutivo não-pago. Mulheres trabalhadoras enfrentam a exploração em duas frentes, e, em algum sentido, podemos dizer que o trabalho nunca acaba para as mulheres trabalhadoras. Mulheres burguesas são normalmente poupadas dessas condições, podendo simplesmente ficar todo tempo em casa, ou trabalhar todo o tempo e empregar babás e empregadas domésticas proletárias para fazer o trabalho doméstico. Assim, as mulheres burguesas podem ainda perpetuar a exploração de gênero ao empurrar sua própria função reprodutiva goela abaixo nas mulheres trabalhadoras. Isso é materializado de maneira terrível no uso de barrigas de aluguel, no qual mulheres pobres e frequentemente desesperadas literalmente fazem a atividade de reprodução para a classe burguesa. Dada esta diferença gritante em relação à exploração de gênero, podemos ver claramente que as mulheres burguesas permanecem inimigas das mulheres trabalhadoras, apesar de serem da mesma classe de gênero. Isso é, novamente, um resultado da primazia do capitalismo em produzir e mediar a exploração de gênero.

Espero que esse ensaio tenha demonstrado com sucesso que o feminismo materialista deve ser ligado à crítica marxista da economia política para que consiga alcançar um status materialista adequado. Mais importantemente, espero ter demonstrado as maneiras pelas quais a luta pela libertação das mulheres e a luta pela revolução proletária contra o capitalismo estão inerentemente interligadas. A tarefa daqueles lutando pela libertação das mulheres é a de articular o gênero enquanto classe, e entender como essa posição de classe resulta do desenvolvimento capitalista. Isso significa que o trabalho prático de libertação das mulheres é realizado através da derrubada revolucionária do capitalismo. A tarefa para aqueles lutando pela revolução proletária é a de entender como o capitalismo produz e reproduz o gênero, e reconhecer que o fracasso de combater várias ideologias de diferença sexual é o fracasso de combater a ideologia capitalista. As percepções do feminismo materialistas, quando lidas através de Federici, nos permitem unificarmos em torno da oposição ao capitalismo, apesar da contradição antagonística de gênero entre o proletariado. Ao mesmo tempo, devemos combater a ideologia e violência de gênero dentro do movimento socialista e construir uma sociedade que remove as condições exploradoras e de gênero que circundam o trabalho reprodutivo. A burguesia permanece nossa inimiga, mesmo depois de considerarmos o gênero como uma classe. O socialismo permanece como nossa única esperança para a libertação das mulheres.

Alyson Escalante.

Traduzido por Eliel Micmás e João Nachtigall [CTP].


Original:
https://medium.com/@alysonescalante/on-women-as-a-class-materialist-feminism-and-mass-struggle-42a228bde888

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