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Indivíduo, personificação e dominação impessoal na crítica da economia política de Marx*
* Traduzido do alemão por Éric Gaúna; revisão de Talles Lopes. Publicado originalmente com o título “Individuum, Personifikation und unpersönliche Herrschft in Marx’ Kritik der politischen Ökonomie”, in: ELBE, Ingo; ELLMERS, Sven; EUFINGER, Jan. Anonyme Herrschaft. Zur Struktur moderner Machtverhältnisse. Westfälisches Dampfboot, Münster, 2012, S. 15-34.
Se há algum espaço para uma teoria do sujeito na crítica da economia política de Marx, trata-se de algo há um bom tempo controverso. Mais disseminada é a concepção de que a crítica marxiana da economia comporta certo determinismo mais ou menos pronunciado. Para demonstrá-lo, é costumeiro recorrer à famosa frase do prefácio da Contribuição à crítica da economia política (1859): “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência”[1]MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política; tradução e apresentação de Florestan Fernandes. São Paulo: Expressão Popular, 2008, p.47/ MEW 13/p.9.. Que não se possa dizer muito mais sobre sujeitos sob tais circunstâncias, parece ser também aceito por Marx, quando ele enfatiza adiante, no prefácio d’O capital, que sua apresentação [Darstellung] do capitalista e dos proprietários de terra só “trata de pessoas na medida em que elas constituem a personificação de categorias econômicas”[2]MARX, Karl. O capital: livro I: o processo de produção do capital; tradução de Rubens Enderle. — 2.ed. — São Paulo: Boitempo, 2017, p.80/ MEW 23/p.16.. Aparentemente, sua análise só poderia ter em vista estruturas sociais e processos objetivos em movimento, de modo que não é deixado espaço para uma teoria do sujeito.
Por parte daqueles que sentem falta de uma teoria do sujeito n’O capital, algumas possibilidades de vinculação foram buscadas em duas direções principais. De um lado, uma tentativa de alinhavar o problema através dos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844; a partir do discurso enfático da “essência humana”, do desenvolvimento de suas capacidades no processo de trabalho e de seu estranhamento [Entfremdung] no capitalismo, concluiu-se que ao menos a abordagem de uma teoria do sujeito estaria lá ensejada. De outro lado, desde os anos 20 do século passado, tenta-se uma combinação, que sempre apresenta novas variações, entre a crítica marxiana da economia e a psicanálise. No entanto, deve-se perguntar, em ambos os casos, se é mesmo possível unir tais abordagens, sobre uma base conceitual-categorial [begrifflich-kategorialen], à crítica da economia política. Em 1846/47, as representações [Vorstellungen] de uma “essência do homem” foram por boas razões criticadas por Marx e Engels, n’A ideologia alemã, e tal discurso não se apresenta mais nos seus textos posteriores. A psicanálise se coloca a questão ao passo que ela depende de conceitos trans-históricos de pulsão, os quais seriam então apenas muito dificilmente vinculáveis à abordagem de Marx.
Também já se fizeram objeções de que haveria em Marx um tal tipo de preponderância do estrutural. Cita-se então a famosa frase d’O 18 de Brumário: “Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram”[3]MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte; [tradução e notas de Nélio Schneider; prólogo Herbert Marcuse]. – São Paulo: Boitempo, 2011, p.25/ MEW 8/p.115.. Por vezes, figura este enunciado como solução imediatamente “dialética” da oposição entre estrutura e agência. No entanto, a afirmação do enunciado é razoavelmente banal. Que são as pessoas que agem, mas que aquilo que impõe as condições para a ação depende da situação na qual elas se encontram, já era também propriedade comum do Iluminismo, cem anos antes de Marx. Ademais, essa frase frequentemente citada não é o fundamento d’O 18 de Brumário de Marx. Ela serve apenas de introdução ao confronto — nada banal — com o papel das representações [Vorstellungen], herdado da tradição, quando algo totalmente novo se cria em uma fase de revolta e sublevação.
Comentários isolados a partir de palavras introdutórias são evidentemente insuficientes: para determinar como é tratada a relação entre a subjetividade do indivíduo e sua agência como máscara personificada[4][N.T.] No original, M. Heinrich, assim como Marx, vale-se do termo alemão Charaktermasken, denotando “máscaras de personagem”. Na tradução de 2017 d’O capital, Rubens Enderle optou por … Continue reading na crítica da economia política de Marx, devemos nos lançar a tais argumentações de forma mais precisa. Para tal, será esclarecido que o fetichismo, a dominação impessoal [unpersönliche Herrschaft] e a agência [Handeln] das pessoas como personificação de categorias econômicas são apenas distintas facetas da socialização capitalista — na qual nem a subjetividade individual tem seu significado negado, e nem a possibilidade de contraposição a esta socialização figura interditada.
Para além da “essência humana”: individualidade e acaso[5][N.T.] No original, Zufällikgeit.
A crítica marxiana da economia política não formula simplesmente uma nova teoria econômica como continuação ou alternativa à economia política (clássica); o próprio Marx enfatiza que sua crítica da economia é uma “revolução científica”[6]Cf. Carta de Marx a Ludwig Kugelmann, de 28 de dezembro de 1862. in: MARX, Karl. Cartas sobre o capital/ Karl Marx e Friedrich Engels. Tradução de Lélia Escorsim; revisão técnica e … Continue reading. Assim, podemos hoje afirmar que ela rompe com o campo científico da economia política, ou seja, com a maneira que ela forma seu objeto e suas noções. No correr de um longo processo, Marx submete os elementos constitutivos desse campo – antropologismo, individualismo, ahistoricismo e empirismo – a uma crítica de seus fundamentos, a qual também implica em uma ruptura com seus próprios desenvolvimentos teóricos iniciais[7]Examino detalhadamente esta ruptura in: HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert. Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition. … Continue reading, visto que estes estavam de diferentes maneiras atrelados ao campo científico da economia política. Para o nosso contexto, são especialmente relevantes as críticas ao antropologismo e ao individualismo.
Podemos caracterizar como antropologismo a representação [Vorstellung] de uma inerente “essência humana”, uma representação que se encontra tanto na economia política clássica como na crítica que o jovem Marx faz a ela: diante das representações do ser [Wesensvorstellungen] previamente encontráveis nos economistas clássicos (o homem como sujeito que busca o benefício e o lucro por meio da troca de mercadorias), Marx contrapõe apenas outra representação [Vorstellung] de uma “essência humana” (o homem que se objetiva na produção, em cujo desenvolvimento histórico ele desdobra suas forças genéricas). As base de tais representações da essência humana serão criticadas nas Teses sobre Feuerbach (1845) e n’A ideologia alemã (1845/46): o que filósofos e economistas generalizaram como “essência do homem” se trata simplesmente da idealização de concepções acerca do ser humano que, devido às condições materiais de vida da respectiva época, eram difundidas e plausíveis[8]“Essa soma de forças de produção, capitais e formas sociais de intercâmbio, que cada indivíduo e cada geração encontram como algo dado, é o fundamento real daquilo que os filósofos … Continue reading.
Apenas mais tarde ocorrerá a ruptura com o individualismo, ou seja, com a representação [Vorstellung] na qual a sociedade pode ser compreendida a partir da perspectiva do indivíduo (da qual não partiu apenas a economia política clássica; este também é hoje o ponto de partida da economia neoclássica). Marx aborda tal questão programaticamente nos Grundrisse (1857/58): “a sociedade não consiste de indivíduos, mas expressa a soma de vínculos, relações em que se encontram esses indivíduos uns com os outros”[9]MARX, Karl. Grundrisse. Tradução de Mario Duayer e Nélio Schneider (colaboração de Alice Helga Werner e Rudiger Hoffmann). – São Paulo: Boitempo ; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011, p. 205/ … Continue reading.
Ainda no final da década de 1840, Marx assumia acriticamente o procedimento clássico para explicar as leis econômicas da concorrência. Assim, nas conferências publicadas em 1849 como Trabalho assalariado e capital, por exemplo, tanto o movimento salarial quanto o desenvolvimento das forças produtivas reconduzem à concorrência. Apenas com a retomada de seus estudos teóricos em Londres é que Marx se desprendeu dos termos de uma teoria da ação humana própria à economia burguesa. No lugar de um emprego crítico da economia política clássica, ocorre agora uma crítica categorial e fundamental da economia política. Marx reconhece que a concorrência não é de maneira alguma um fundamento explicativo das leis econômicas; trata-se antes simplesmente da forma pela qual as leis econômicas prevalecem, questão que é sempre enfatizada nos Grundrisse[10]Cf. Ibidem, pp.456-57, 461, 545, 628-29/ MEW 42/pp.457, 462, 550, 644..
Com isso, não foi levantada apenas uma questão de detalhe da teoria econômica. Trata-se muito mais de uma crítica aos fundamentos mesmos da representação [Vorstellung] burguesa-liberal da socialização mediada pelo mercado. Logo ao início dos manuscritos dos Grundrisse, Marx afirma: “Os economistas expressam isso do seguinte modo: cada um persegue seu interesse privado e apenas seu interesse privado; e serve, assim, sem sabê-lo ou desejá-lo, ao interesse privado de todos, ao interesse geral”[11]Ibidem, p.104/ MEW 42/p.90.. A esta posição, compartilhada até hoje pelos liberais entusiastas do mercado, Marx contrapõe a “moral da história”, que negligenciam:
A moral da história reside, ao contrário, no fato de que o próprio interesse privado já é um interesse socialmente determinado, e que só pode ser alcançado dentro das condições postas pela sociedade e com os meios por ela proporcionados; logo, está vinculado à reprodução de tais condições e meios. É o interesse das pessoas privadas; mas seu conteúdo, assim como a forma e os meios de de sua efetivação, está dado por condições sociais independentes de todos[12]Ibidem, p.105/ MEW 42/p.90..
O interesse privado só pode se constituir sobre as bases determinadas de um contexto social previamente dado. Nessa medida, enquanto interesses privados que colidem na concorrência, não são interesses originários ou pré-sociais, mas são constituídos socialmente em seu caráter privado. Tais reflexões já deixam claro que a crítica marxiana da economia não se furta a admitir um lugar teórico para a subjetividade dos indivíduos em sua análise. Contudo, ao invés de conceber a subjetividade como algo interno-originário [Innerlich-Ursprüngliches], Marx enfatiza que a subjetividade deve ser tratada como socialmente constituída. Assim, o papel da subjetividade não é negado, mas recebe um enquadramento mais preciso, no interior do qual se pode finalmente tratá-la de forma significativa.
Os liberais até hoje celebram que uma enorme expansão do individualismo implementou-se junto ao estabelecimento dos modos capitalistas de produção, liberando os indivíduos dos laços, limitações e constrangimentos do feudalismo. Já n’A ideologia alemã, salientaram Marx e Engels o que o liberalismo deixa rolar para debaixo do tapete: com a libertação do indivíduo, também suas necessidades existenciais tornam-se arbitrárias. A liberdade pessoal trazida à luz no desenvolvimento de tal individualidade consiste primariamente em um “direito de poder desfrutar tranquilamente do acaso, sob certas condições”[13]MARX; ENGELS. A ideologia alemã, 2007, p.66/ MEW 3/p.75.. O indivíduo pode, com suas respectivas possibilidades, agir como quiser no mercado; a ele é deixado “um amplo espaço de escolha, de arbítrio e, em consequência, de liberdade formal”[14]MARX. Grundrisse, 2011, p.381/ MEW 42/p.377., que o servo ou a escrava, por exemplo, não tinham. O indivíduo, sozinho, seria quem forja a si mesmo, sendo senhor de seu próprio destino; sobre ele ter ou não acesso ao martelo e à bigorna para isso, pouco se diz[15][N.T.] Heinrich realiza aqui um trocadilho que se perde na tradução. Em alemão, usa-se costumeiramente a expressão Glückes Schmied para denotar aquele que é “ferreiro de sua própria … Continue reading. Não se trata apenas de uma questão da distribuição desigual dos meios de produção, mas sim do próprio modo burguês de produção: se a produção de cada um é ou não bem-sucedida, isso se decide pelas costas dos produtores, dando-se pela efetivação cega da lei do valor.
Socialização a posteriori[16][N.T.] No original, Nachträgliche Vergesellschaftigung. e suas consequências
Um tal nível de entendimento forma o panorama para aquela notória afirmação sobre as pessoas enquanto “personificações” no prefácio à primeira edição d’O capital:
Para evitar possíveis erros de compreensão, ainda algumas palavras. De modo algum retrato com cores róseas as figuras do capitalista e do proprietário fundiário. Mas aqui só se trata de pessoas na medida em que elas constituem a personificação de categorias econômicas, as portadoras de determinadas relações e interesses de classe. Meu ponto de vista, que apreende o desenvolvimento da formação econômica da sociedade como um processo histórico-natural, pode menos do que qualquer outro responsabilizar o indivíduo por relações das quais ele continua a ser socialmente uma criatura, por mais que, subjetivamente, ele possa se colocar acima delas[17]MARX. O capital: livro I. 2017, p.80. / MEW 23/p.16..
Já com esta afirmação, fica evidente que as distintas questões discutidas, se então Marx vê ou não um sujeito para além da personificação e da máscara personificada[18]Cf. HENNING, Christoph. Charaktermaske und Individualität bei Marx. In: Marx-Engels Jahrbuch 2009. Berlin, 2010, p.100-122., são respondidas com clareza. De modo algum Marx reduz as pessoas no capitalismo a personificações de categorias econômicas ou a máscaras personificadas; ele não vê apenas as pessoas concretas para além das personificações, mas também enfatiza sua capacidade de refletir suas próprias ações, a possibilidade de se elevar subjetivamente por sobre as relações da sociedade[19]É especialmente em suas análises políticas que Marx enfatiza a subjetividade dos atores envolvidos. Cf. RÜDIGER, Axel. Der Beruf der Politik: Karl Marx über Lord Palmerston, Louis Bonaparte und … Continue reading.
O fato de que Marx ainda assim tome as pessoas como personificação de categorias econômicas não é uma perspectiva escolhida arbitrariamente, mas o resultado de determinadas concepções acerca do modo de socialização burguesa, as quais, contudo, devem ser justificadas através de sua apresentação [Darstellung] n’O capital. Nessa medida, a afirmação citada acima deixa-se ler como a formulação de um determinado programa de apresentação [Darstellung][20]“Apresentação” [Darstellung] é, para Marx, não apenas a ordenação didática da matéria a ser apresentada. Mais que isso, a ordenação da apresentação [Darstellung], que expressa o todo … Continue reading: se a afirmação acerca de pessoas enquanto personificação de categorias econômicas é assumida, determinações formais fundamentais da economia devem se desenvolver conceitualmente sem o recurso explícito à ação e motivação dos agentes. É evidente que tais determinações formais só podem existir através da ação dos atores sociais; isso é banal, visto que cada determinação social só está disponível porque foi produzida por uma determinada ação. A questão é, contudo, se as determinações formais foram produzidas porque os agentes colocaram sua produção como objetivo, de modo que tais determinações sociais só poderiam ser explicadas à luz de tais objetivos, ou se tais determinações formais são reproduzidas na própria agência, sem que esteja claro aos agentes o que eles nela fazem. No primeiro capítulo d’O capital, em sua análise das determinações da forma-mercadoria, Marx deixa expresso que é desta última consideração que ele parte:
Os homens não relacionam entre si seus produtos do trabalho como valores por considerarem essas coisas meros invólucros materiais de trabalho humano do mesmo tipo. Ao contrário. Porque equiparam entre si seus produtos de diferentes tipos na troca, como valores, eles equiparam entre si seus diferentes trabalhos como trabalho humano. Eles não sabem disso, mas o fazem[21]MARX. O capital: livro I. 2017, p.149. / MEW 23/p.88..
Por todo O capital, Marx analisa em primeiro plano as determinações formais da economia, sem com isso recorrer à agência e às metas conscientes das pessoas; ele destaca primariamente as agências que correspondem às determinações formais. Este programa de apresentação é particularmente claro na relação entre ambos os primeiros capítulos do primeiro volume d’O capital. As determinações da forma-mercadoria são analisadas no primeiro capítulo sem relação com a agência dos portadores de mercadorias. Esta última é tomada e investigada[22]Ao início do segundo capítulo, Marx indica a mudança para este outro plano de forma explícita: “As mercadorias não podem ir por si mesmas ao mercado e trocar-se umas pelas outras. Temos, … Continue reading como objeto apenas no segundo capítulo — para além do prefácio — e pela primeira vez surge o discurso sobre personificação e máscaras personificadas[23]Cf. MARX. O capital: livro I. 2017, p.160/ MEW 23/p.100..
O fundamento material [sachliche Grund] dessa estratégia de apresentação [Darstellungsstrategie] reside no modo específico de socialização fundado em uma sociedade produtora de mercadorias. Aqui, as pessoas agem entre si de maneira privada e independente. Contudo, por conta da divisão social do trabalho, elas são materialmente [sachlich] dependentes umas das outras: cada um necessita do produto do outro. Esta contradição entre independência formal e dependência material [sachlicher] se resolverá através da troca: o produto próprio é trocado pelo produto alheio [Fremde] necessário; uma operação que de maneira alguma é sempre bem-sucedida. Ela sucede apenas se o trabalho individual despendido é reconhecido na troca como componente do trabalho social geral, como Marx muito claramente demonstra em Contribuição à crítica da economia política:
As mercadorias são os produtos imediatos de trabalhos privados, isolados, independentes, os quais no processo de troca privado devem confirma-se como trabalho social ou geral, ou, dito de outro modo, o trabalho, sobre a base de produção de mercadorias, não se converte em trabalho social senão pela alienação [Entäußerung] universal dos trabalhos individuais[24]MARX. Contribuição à crítica da economia política. 2008, p.117/ MEW 13/p.67. [Grifos M. H.].
O trabalho privado torna-se trabalho social apenas a posteriori. N’O capital, Marx enfatiza este “caráter social peculiar do trabalho que produz mercadorias” na análise do caráter fetichista da mercadoria: “os trabalhos privados só atuam efetivamente como elos do trabalho social total por meio das relações que a troca estabelece entre os produtos dos trabalho e, por meio destes, também entre os produtores”[25]MARX. O capital: livro I. 2017, p.148/ MEW 23/p.87. [Grifos M. H.]. Em outras palavras: social não é o trabalho privado e individual despendido, cujo produto ainda deve tornar-se mercadoria; apenas o trabalho privado cujo produto transformou-se com sucesso em mercadoria trocada torna-se trabalho social. Em outra ocasião, descrevi este fato como “socialização a posteriori” do trabalho privado[26]Cf. HEINRICH, Michael. Wie das Marxsche „Kapital“ lesen? Leseanleitung und Kommentar zum Anfang des „Kapital“. Teil 1. Stuttgart, 2009, p.171 et. seq., p.195 et seq..
Esta socialização a posteriori tem três consequências inter-relacionadas, que surgem em Marx sob as palavras-chave fetichismo, autonomização do movimento da sociedade (dominação impessoal) e pessoas enquanto personificações de relações econômicas.
Fetichismo
Marx fala n’O capital sobre fetichismo[27]A análise do fetiche da mercadoria e do dinheiro está disposta de maneira objetiva já na Contribuição à crítica da economia política de 1859, mas lá ela ainda é tratada sob o termo … Continue reading, quando relações sociais aparecem como qualidades das coisas: as relações sociais dos produtores de mercadorias aparecem como relações de valor entre suas mercadorias (fetiche da mercadoria); assim, aqueles a trocar relacionam-se por meio de uma determinada mercadoria como expressão universal de valor, fazendo-na dinheiro. Por sua vez, isso faz aparecer uma qualidade monetária natural da mercadoria, que se deixa tornar dinheiro (fetiche do dinheiro), e o mais-valor como resultado da relação de exploração aparece na figura do lucro como fruto originário do capital (fetiche do capital).
Ao contrário do que dizem algumas formulações feitas na literatura sobre Marx, nas quais o discurso é sobre “fetiche do salário” ou “fetiche do Estado”, Marx só conhece os três referenciados fetiches. Ao lado desses ele trata, contudo, de uma longa fileira de “mistificações”: formas invertidas de aparição [verkehrten Erscheinungsweisen]. Assim, o salário não aparece como pagamento da força de trabalho, mas do trabalho. E tais mistificações têm consideráveis consequências: parece então, por conseguinte, como se os trabalhadores e trabalhadoras — ao menos quando os salários são “proporcionais” e “justos” — retém como pagamento exatamente o que adicionaram como valor aos meios de produção. De uma tal perspectiva, com o pagamento de um salário proporcional, não se pode falar de exploração. Contudo, estas mistificações não são manipulações astuciosamente pensadas, através das quais uma parte da sociedade dissimula diante da outra; são antes inversões [Verkehrungen] das relações capitalistas, às quais todos os integrantes da sociedade burguesa estão submetidos[28]Da seguinte maneira destacou Marx a forma do salário: “Sobre essa forma de manifestação, que torna invisível a relação efetiva e mostra precisamente o oposto dessa relação, repousam todas … Continue reading.
É ao final da apresentação da fórmula trinitária no terceiro volume d’O capital, na concepção de que estamos diante do capital, do trabalho e da terra como os três fatores que originam a produção — e cujos lucros de propriedade, ou seja, juros, salário e renda fundiária, retém cada um remuneração pela performance de seu respectivo fator (uma concepção que ainda é difundida pela maior parte dos manuais de economia) — que todos os fetiches e mistificações convergem, a ponto de Marx enfatizar, ao final de sua análise, que trata-se de um “mundo encantado, distorcido e de ponta-cabeça”[29]MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro III: o processo global de produção capitalista; tradução Rubens Enderle; edição de Friedrich Engels. — 1. ed — São Paulo: … Continue reading, no qual as pessoas vivem numa sociedade burguesa.
Com esta análise, Marx nega a tese formulada no Manifesto Comunista de que a transparência das relações sociais aumentaria com o desenvolvimento capitalista. Lá, quase vinte anos antes do surgimento do primeiro volume d’O capital, encontra-se escrito: “tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar sem ilusões a sua posição social e as suas relações com os outros homens”[30]MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Tradução de Álvaro Pina, e Ivana Jinkings. Organização e introdução de Osvaldo Coggiola. São Paulo: Boitempo, 2010, p.43/ MEW 4/p.465.. Esta passagem, que se deixaria ler como uma antecipação da famosa tese de Max Weber acerca do “desencantamento do mundo”[31]WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais – Parte 2. 2a ed. Campinas (SP): Cortez Editora / Editora da UNICAMP, 1995, p.451-453. por meio do estabelecimento da racionalidade capitalista, está longe de ser (em oposição a Weber) o ponto final da análise de Marx da sociedade burguesa. Que as justificativas estáveis, sólidas e religiosas das relações pessoais desapareceram, não significa que justificativa alguma mais exista. Muito pelo contrário. As pessoas estão agora apenas sujeitas a mistificações e fetichismos que surgem imediatamente das relações de produção e de troca.
Assim, o fetichismo não se constitui absolutamente como uma totalidade ilusória, da qual Adorno e alguns de seus herdeiros falam. O mundo “encantado” pode ser analisado em seus fundamentos e de forma alguma apenas por aquela classe que é explorada na sociedade burguesa. Marx chega a conceder que a economia burguesa “científica” tenha percorrido uma boa parte do caminho desta resolução crítica[32]Cf. o elogio entusiástico (e um tanto exagerado) a estes ao final do terceiro volume d’O capital. MARX. O capital: livro III. 2017, p.892-3/ MEW 25/p.838.. Contudo, Marx define ainda os limites de tais percepções:
É verdade que a economia política analisou, mesmo que incompletamente, o valor e a grandeza de valor e revelou o conteúdo que se esconde nessas formas. Mas ela jamais sequer colocou a seguinte questão: por que esse conteúdo assume aquela forma, e, portanto, por que o trabalho se representa no valor, e a medida do trabalho, por meio de sua duração temporal, na grandeza de valor do produto do trabalho?[33]MARX. O capital: livro I. 2017, p.154-5/ MEW 23/p.94..
Por que esse conteúdo toma tal forma? Porque as pessoas, apesar de sua absoluta dependência material [sachlicher], produzem privadamente de forma independente um do outro, e a socialização de sua produção ocorre apenas a posteriori. Esta forma específica, na qual se produz sob condições burguesas-capitalistas, vale para os economistas (tanto para os tempos de Marx quanto para os de hoje) como uma “necessidade natural evidente”[34]Ibidem, p.156./ MEW 23/p.95 et. seq.. O que vale apenas para a sociedade burguesa passa assim a ser tomado como uma necessidade trans-histórica, uma relação social definitiva, da qual as pessoas não podem escapar[35]Cf. Ibidem, p.148-9/ MEW 23/p.88..
De certa forma invertida, não são poucas as recepções de esquerda da análise marxiana do fetiche nas quais destaca-se apenas o elemento ilusório e mistificador. Contudo, em uma sociedade produtora de mercadorias, o fetichismo é muito mais do que uma ilusão. Já na Contribuição à crítica da economia política, Marx salienta que “o que caracteriza todas as formas sociais do trabalho criador do valor de troca é a inversão, a mistificação prosaica e real e não imaginária”[36]MARX. Contribuição à crítica da economia política. 2008, p.77-8/ MEW 13/p.35.. O fetichismo não é mera imaginação dos produtores, mas surge de suas relações sociais específicas. O processo social de produção, que cria uma dependência universal pela divisão do trabalho, não é regulado pelo conjunto dos produtores de mercadorias; os produtores não se encontram em uma relação imediata uns com os outros: sua relação é mediada pelas relações dos produtos de seu trabalho. Para os produtores, afirma Marx,
as relações sociais entre seus trabalhos privados aparecem como aquilo que elas são, isto é, não como relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, mas como relações reificadas entre pessoas e relações sociais entre coisas[37]MARX. O capital: livro I. 2017, p.148/ MEW 23/p.87. [Grifos M. H.].
Estas “relações sociais entre coisas” não são imaginárias, mas sim uma realidade com impactos bem concretos.
Autonomização do movimento da sociedade, dominação impessoal
Modos de produção pré-capitalistas são marcados por um sem número de relações pessoais de não-liberdade e de dominação pessoal [persönliche Herrschaft]. A não-liberdade do escravo é pessoal: ele é uma propriedade de uma outra pessoa. O senhor de escravos exerce o domínio de seus escravos enquanto pessoa. Ocorre de maneira semelhante com a servidão feudal ou o trabalho forçado dos servos camponeses. Assim, o senhor feudal, de quem eles dependem, não tem o mesmo poder de disposição sobre eles como o senhor de escravos sobre seus escravos, mas também os servos feudais estão constrangidos de múltiplas formas. Eles não devem apenas serviços diversos [corveia] e a partilha do que produzem [talha] ao senhor feudal, mas também não têm permissão de deixar seu feudo, precisam de permissão para o casamento, e seus filhos têm de nascer no interior das mesmas relações de dependência, isto é, o filho de um servo é destinado a ser servo.
Em contraposição, na sociedade burguesa, os próprios cidadãos [Bürger] são pessoalmente livres: ninguém possui, por estatuto natural, um direito sobre a atividade dos outros; ninguém é obrigado por nascimento a pagar talhas ou realizar serviços. Obrigações de pagamento ou serviços surgem apenas com base no ingresso voluntário em uma relação contratual (contratos que são acordados apenas por meio da coerção exercida a uma outra pessoa não são válidos), e estes contratos são também encerráveis. Dependências pessoais, isto é, dependências que não valem por base em um acordo contratual voluntário, mas com base em um estatuto pessoal de determinadas pessoas, estão abolidas na sociedade burguesa[38]Que para isso possa ser necessário muito tempo, mostra o exemplo dos EUA, onde a escravidão foi abolida apenas com a guerra civil em 1865..
Contudo, a maioria da população não é livre apenas no sentido jurídico; ela é, em um sentido totalmente material, livre dos meios de produção e de vida. Para sobreviver em uma sociedade de troca, estas pessoas têm de levar ao mercado sua única propriedade, sua força de trabalho: elas se comprometem voluntariamente às atividades laborais para com isso receberem um salário, do qual elas então podem (bem ou mal) viver. Se as relações pré-capitalistas são o exercício da coerção pessoal de senhores de escravos ou senhores feudais (o escravo ou servo fugitivo pode ser capturado e trazido de volta por meio de violência, para que seu senhor possa apropriar-se do produto de seu trabalho), agora trata-se da dependência do dinheiro, que compele os despossuídos a buscarem eles próprios alguém que os explore — sobre a base de um contrato voluntariamente acordado.
Quem é compelido a vender sua força de trabalho sob circunstâncias desvantajosas pode sentir-se também pessoalmente dependente de seu comprador, especialmente quando este comprador se aproveita da sua situação de vantagem, não apenas arrochando o preço da força de trabalho, mas piorando suas condições. No entanto, essa situação nada incomum não deve ser confundida com as dependências pessoais dos modos de produção pré-capitalistas. Não se trata de coerção direta, mas de uma dependência coisal [sachliche][39][N.T.] Para sachlich, Rubens Enderle, ao traduzir O capital: livro I (2017), escolheu o termo “reificado(a)”, e, por vezes, “material” ou “materialmente”, recurso … Continue reading, dada pela disposição do dinheiro, através da qual o possuidor de dinheiro dispõe de poder sobre aqueles que não o possuem[40]Marx formula de maneira precisa e astuciosa nos Grundrisse: “o poder que cada indivíduo exerce sobre a atividade dos outros ou sobre as riquezas sociais existe nele como o proprietário de valores … Continue reading. Se o possuidor do dinheiro perde seu dinheiro, então ele não tem mais poder sobre o vendedor da força de trabalho. A partir disso, Marx afirma que, diferindo das formas anteriores de dominação, “o capitalista domina o trabalhador não por força de um atributo pessoal, mas apenas enquanto é ‘capital’; esse poderio [Herrschaft] é tão-só o do trabalho materializado sobre o vivo, do produto do trabalhador sobre o próprio trabalhador”[41]MARX, Karl. Teorias da mais-valia: história crítica do pensamento econômico – Livro 4 de O Capital, Volume I. Tradução: Reginaldo Sant´anna. São Paulo: DIFEL, 1980, p.386/ MEW 26.1/p.366. … Continue reading. A dominação do capital sobre os trabalhadores e trabalhadoras é uma dominação mediada por relações coisificadas. É por isso que Marx pôde afirmar n’O capital: “a coerção muda exercida pelas relações econômicas sela o domínio do capitalista sobre o trabalhador. A violência extraeconômica, direta, continua, é claro, a ser empregada, mas apenas excepcionalmente”[42]MARX. O capital: livro I. 2017, p.808-9/ MEW 23/p.765..
Esta “coerção muda” permanece certamente muda apenas enquanto as regras dominantes de propriedade e contrato são aceitas. Se estas regras são rompidas, há apropriação de bens e meios de produção sem acordo de troca (seja pela pilhagem ou pela ocupação dos locais de produção), e então entra o poder estatal e dá fim à infração dos direitos de propriedade. Por trás da coerção muda das relações econômicas, reside a coerção expressa do poder do Estado. Contudo, para garantir a posição social dominante da classe que dispõe da propriedade dos meios de produção, não é de modo algum necessário que o poder do Estado interfira de maneira direta a favor dessa classe. Basta sua garantia de que os direitos abstratos e iguais de propriedade sejam aplicados de uma maneira completamente neutra.
A dominação impessoal cria-se, porém, não nessa “coerção muda” que impele os trabalhadores e trabalhadoras duplamente livres a levarem-se eles mesmos a serem explorados. Cada produtor privado confronta-se com o problema no qual seu trabalho privadamente despendido deve provar-se como componente do trabalho social total. Isso apenas ocorre se o produto do trabalho privado é vendido como mercadoria. Entretanto, as grandezas de valor das mercadorias, nas quais as relações de medida, que são sociais e variáveis, se expressam (o estado “normal” da técnica, a produção de valor social de uso, a redução do trabalho complexo a trabalho simples), variam “constantemente, independentemente da vontade, da previsão ou da ação daqueles que realizam a troca”. Com isso, deduz Marx: “seu próprio movimento social possui, para eles, a forma de um movimento de coisas, sob cujo controle se encontram, em vez de eles as controlarem”[43]Ibidem, p.150/ MEW 23/p.89.. Através da expansão da circulação de mercadorias, a dependência mútua aumenta, de modo que desenvolve-se “um círculo completo de conexões que, embora sociais, impõem-se como naturais [gesellschaftlicher Naturzusammenhänge], não podendo ser controladas por seus agentes”[44]Ibidem, p.186/ MEW 23/p.126.. Os atores individuais são esses “nexos socionaturais” [gesellschaftlicher Naturzusammenhänge][45][N.T.] Em distinção à opção de R. Enderle para a tradução do termo, como presente na citação, optamos por traduzir gesellschaftlicher Naturzusammenhänge como “nexos socionaturais”. , tão subjugados quanto ao clima ou a alguma catástrofe natural.
Com a produção capitalista, a “personificação das coisas e coisificação das pessoas”[46]Ibidem, p.187/ MEW 23/p.128. atinge uma nova qualidade: o valor, que opera o movimento D-M-D’ do capital, transforma-se em um “sujeito automático”[47]Ibidem, p.230/ MEW 23/p.169.. Um sujeito é algo autodeterminado — ele coloca a si seus próprios fins; um autômato é o contrário disso, capaz apenas de um único processo. Como capital, o valor de fato é sujeito de um processo: o de valorização. O valor torna-se “valor em processo”, que vem da circulação, retorna a ela e, neste processo, põe um novo valor. Assim, esta é a única capacidade do valor que se autovaloriza, de modo que tal processo continuamente se repete: a este respeito, torna-se plenamente justificado o discurso sobre um sujeito automático.
A produção capitalista de mercadorias não é apenas um nexo socionatural [gesellschaftlicher Naturzusammenhänge] incontrolável, ela tem uma direção de desenvolvimento: o sujeito automático possui uma tendência para um contínuo crescimento da valorização, uma constante expansão do campo submetido à valorização. De onde vem essa tendência expansiva? A valorização do valor é literalmente “desmedida”[48][N.T.] No original, M. Heinrich emprega o adjetivo maßlos, frequentemente usado para referir-se ao que é quantitativamente “maciço”, “em demasia”, mas cuja composição de radical e sufixo … Continue reading, ela não tem medida; de qualquer ângulo, uma medida “normal” dela não se deixa especificar. A valorização tem como resultado o crescimento quantitativo do valor, a transformação de uma quantia de dinheiro D em uma quantia maior de dinheiro D’. Para um crescimento que seja suficiente, não existe uma medida — mais é sempre melhor que menos. No grau em que o modo de produção capitalista agarra a economia como um todo, todas as suas relações são submetidas a esta coerção à valorização.
Personificação e vontade individual
Os indivíduos libertados das relações pessoais de dominação feudal e de servidão encontram-se submetidos a essa relação de dominação impessoal e coisificada [sachlichen]: eles devem adequar-se às necessidades e coerções do modo capitalista de produção se querem sobreviver: tanto faz se tais coerções lhes caem bem, ou não; tanto faz se vêem nelas uma expressão de racionalidade e eficácia, ou não[49]Hanna Meißner discute de modo muito abrangente e preciso a relação entre dominação impessoal, subjetividade e a capacidade para ação em Marx. Cf. MEIßNER, Hanna. Jenseits des autonomen … Continue reading. Quando Marx fala de pessoas enquanto personificação de categorias econômicas, ele apenas extrai sua dedução a partir da existência de relações impessoais e coisais [sachlicher] de dominação. O outro lado da dominação impessoal é simplesmente o fato de que os indivíduos têm de seguir uma determinada lógica coisal [Sachlogik] se eles querem sobreviver. Personificação das coisas e coisificação das pessoas não tem outro sentido, a não ser o de que “as máscaras econômicas das pessoas não passam de personificações das relações econômicas, e que as pessoas se defrontam umas com as outras como suportes [Träger] dessas relações”[50]MARX. O capital: livro I. 2017, p.160/ MEW 23/p.100..
Não se quer dizer com isso que a pessoa verdadeira esconde-se por trás da personificação, ou que a máscara personificada seja um papel teatral, o qual o indivíduo conscientemente assume e abandona. Com tal conceitualização, Marx enfatiza que a agência econômica determinada dos proprietários formalmente livres é uma agência que se dá pela forma das condições de socialização do trabalho[51]Cf. formulações concentradas em ELBE. Ingo. Thesen zum Begrif Charaktermaske. 2002. http://www.rote-ruhr-uni.com/cms/IMG/pdf/Elbe_Charaktermaske.pdf (acesso em 10.11.2011)..
As pessoas a agir não são simplesmente marionetes presas a fios invisíveis. É sua decisão livre; em qual contrato ingressam, com o que gastam seu dinheiro, em qual campo desejam investir seu capital, como figura sua estratégia de produção, etc. Elas estão, contudo, atadas a certos imperativos em todas essas decisões: como possuidores de mercadorias que querem trocar suas mercadorias, devem relacioná-las a dinheiro, por meio do qual elas promovem, de maneira invertida, o poder coisal [sachlich] do dinheiro e garantem que aquele que possui dinheiro possa usar este poder. Permaneço capitalista apenas à medida que faço da valorização do valor o meu propósito, e com isso aceito também o caráter desmedido [Maßlosigkeit][52][N.T.] cf. nota 48. da valorização: se abdico do maior lucro possível, minhas chances na luta concorrencial com outros capitalistas afundam; me faltam os meios de acumular de maneira bem-sucedida e de adquirir novas máquinas, que por sua vez deveriam aumentar a produtividade da força de trabalho. Contudo, se eu participo ativamente desta luta concorrencial e me esforço para alcançar os maiores lucros possíveis, exerço sobre os outros a mesma pressão exercida sobre mim.
A clareza com a qual o capitalista individual vê estas relações, talvez ao ponto de que “subjetivamente, ele possa se colocar acima delas”[53]MARX. O capital: livro I. 2017, p.80/ MEW 23/p.16., não tem papel algum naquilo que enfatiza Marx múltiplas vezes. Considerando todas as torturas que o capital exerce nos trabalhadores e trabalhadoras no processo de exploração, Marx afirma: “de modo geral, no entanto, isso tampouco depende da boa ou má vontade do capitalista individual. A livre-concorrência impõe ao capitalista individual, como leis eternas e inexoráveis, as leis imanentes da produção capitalista”[54]Ibidem, p.342/ MEW 23/p.286..
Este ponto é destacado como oposto a uma crítica moralizante do capitalismo, que remete os males do capitalismo à “ganância” dos managers e banqueiros, degenerando a crítica do capitalismo a uma mera repreensão dos capitalistas, como ecoa amplamente na atualidade, durante os nascentes processos de crise. Mas minha tônica de que a vontade individual dos capitalistas é totalmente irrelevante foi, ao contrário, mal interpretada como uma “elevada questão moral” em um artigo na revista Gegenstandpunkt: se a “classe dominante deseja sua própria ação ou se ela é meramente impelida, se ela carrega culpa ou se é inocente”[55]Gegenstandpunkt (2008): Wie man „Das Kapital“ nicht schon wieder neu lesen sollte. Zur „Einführung in die Kritik der politischen Ökonomie“ von Michael Heinrich. In: Gegenstandpunkt 2-08. … Continue reading. Esta discussão, que me é imputada, é então buscada em meus textos, nos quais não há menção alguma de “culpa” ou “inocência” da classe dominante. Foi-me, ainda assim, contestado: “Os membros da classe dominante não pensam em nada melhor do que passar a vida como a personificação do capital”[56]Ibidem, p.101.. Permanece obscuro, contudo, de onde os autores têm as informações precisas acerca da representação de mundo [Vorstellungswelt] dos integrantes das classes dominantes, sobre não conhecerem nada melhor “do que passar a vida como a personificação do capital”. A questão é, contudo, por que seria relevante lidar com as representações [Vorstellungen] que as classes dominantes têm sobre suas vidas? Os autores da Gegenstandpunkt seguem:
que o capital a eles confiado ou pertencente deve crescer tanto quanto for possível. Este propósito não vem a eles primeiramente de fora, como obrigação imposta pela concorrência. Pelo contrário: porque todos os capitalistas perseguem com sua propriedade o objetivo da maior valorização possível do capital, isto é, entrar em competição com o propósito do enriquecimento, eles impõem o critério do sucesso uns aos outros[57]Ibidem..
É assim que a vontade dos capitalistas individuais é tão importante para os autores da Gegenstandpunkt: porque esta vontade figura para eles como algo que existe de forma totalmente independente do mecanismo social da concorrência. Pensado até o fim e de maneira consequente, isso conduz àquela representação da sociedade que parte do indivíduo, a qual Marx já criticou nos Grundrisse. A relação entre a vontade individual por valorização do valor e a concorrência, portanto, é concebida também por Marx de maneira exatamente oposta à da Gegenstandpunkt:
O capitalista só é respeitável como personificação do capital. Como tal, ele partilha com o entesourador o impulso absoluto de enriquecimento. Mas o que neste aparece como mania individual, no capitalista é efeito do mecanismo social, no qual ele não é mais que uma engrenagem[58]MARX. O capital: livro I. 2017, p.667/ MEW 23/p.618. [Grifos M.H.].
Ação de resistência e “associação de homens livres”
Na discussão sobre fetichismo, já foi demonstrado como não se trata, de maneira alguma, de um contexto universal ilusório. O fetichismo pode ser analisado, ainda que analisá-lo não baste para eliminá-lo. Ocorre de maneira similar com as pessoas agindo enquanto máscaras personificadas de categorias econômicas: as pessoas podem reconhecer totalmente que sua ação deve seguir uma determinada lógica coisal [Sachlogik] se elas desejam sobreviver economicamente, e que essa lógica coisal, dominada pelo propósito da valorização do capital, é totalmente e literalmente “desloucada”[59][N.T.] No original, o autor faz um jogo de palavras entre verrücken (deslocar) e verrückt, particípio do verbo que, como adjetivo, significa “louco”.: as pessoas transformam a si mesmas — tanto como personificações do trabalho assalariado quanto do capital — em meios da valorização do valor, que por sua vez não tem outro propósito a não ser esta mesma valorização. O enriquecimento dos capitalistas reflete tão pouco o propósito do modo de produção capitalista quanto da reprodução da força de trabalho: ambos são produtos residuais da valorização. A posição do capitalista é indubitavelmente mais cômoda do que a do trabalhador; a princípio, tal irracionalidade da subordinação das pessoas sob o movimento autopropelido de uma coisa deixa-se conceber, sem dúvida, a partir de ambas as posições. Mas o mero insight sobre essa irracionalidade ainda em nada modifica a dominação impessoal e a coerção ao comportamento enquanto personificação de uma categoria econômica.
Entre a posição do capitalista e a do trabalhador há, contudo, uma diferença completamente decisiva: o capitalista executa a lógica do capital; os trabalhadores e trabalhadoras sofrem essa lógica. Os possuidores de força de trabalho desfrutam da liberdade e da igualdade dos possuidores de mercadoria apenas na esfera da circulação. Por conta da peculiaridade da mercadoria que possuem, que não se separa da pessoa viva, o consumo de sua mercadoria pelo seu comprador é simultaneamente um consumo da pessoa em si, que é sua portadora. O possuidor da força de trabalho é alguém que “trouxe sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da… esfola”[60]Ibidem, p.251/ MEW 23/p.191.. Sobre o processo de produção capitalista, Marx afirma que “o operário [Arbeiter], em sua condição de vítima do processo, coloca-se numa situação de rebeldia, e sente-o como processo de servidão”[61]MARX, Karl. O capital: livro I: capítulo VI (inédito); traduzido da edição castelhana da Siglo XXI Editores S/A por Eduardo Sucupira Filho e cuidadosamente corrigido e cotejado com a edição … Continue reading.
Este “comportamento rebelde” não é um acontecimento pontual e acidental, mas sistematicamente produzido pelo processo de produção capitalista. Marx deixa isso claro ao tratar da luta pela jornada de trabalho. O capitalista compra a força de trabalho por uma jornada, mas o que é uma jornada de trabalho? Os limites da jornada de trabalho são indefinidos; o capitalista pode com igual direito exigir uma jornada longa, enquanto o trabalhador exige uma jornada curta. Mas então, o que conta é que “entre direitos iguais, quem decide é a força”[62]MARX. O capital: livro I. 2017, p.309/ MEW 23/p.249..
O mesmo vale para as condições concretas de trabalho (a intensidade do trabalho, as pausas, a exposição à sujeira, ao calor, etc) e também para o valor do próprio trabalho. O fato de o elemento histórico-moral do valor da mercadoria força-de-trabalho, enfatizado por Marx, ser dado para um certo período e em um certo país[63]Ibidem, p.244-5/ MEW 23/p.185., não significa de modo algum que não haja disputa: os trabalhadores e trabalhadoras buscam expandir a disputa desse elemento; os capitalistas, por sua vez, buscam diminuí-la[64]MARX, Karl. A luta entre o capital e o trabalho e seus resultados. in: Salário, preço e lucro (1865). https://www.marxists.org/portugues/marx/1865/salario/cap03.htm#i14 (acesso em 18/11/21)/ MEW … Continue reading. Não raro são necessárias duras lutas apenas para manter a situação alcançada até então, o que tampouco acontece sempre.
Tudo isso são lutas no interior do sistema capitalista que, em primeiro lugar, possibilitam a reprodução da força de trabalho, dado que o capital tem, em seu caráter desmedido [Maßlosigkeit], a tendência de destruir a força de trabalho. Com isso, o mencionado “comportamento rebelde” assegura não apenas a sobrevivência dos trabalhadores e trabalhadoras, mas também a existência a longo prazo da exploração capitalista. Quando os resultados de tais lutas são transcritos em leis de jornada e condições de trabalho nos países de capitalismo desenvolvido; quando as condições de luta são fixadas através de garantias legais de liberdade de associação sindical e direito à greve, então há de fato uma conquista histórica em comparação com o início da história capitalista, período em que, com frequência, o poder do estado empregava pura e simplesmente a violência contra os grevistas. Contudo, tais fixações de direitos não são de forma alguma o primeiro passo para além do capitalismo, como alguns conservadores e também alguns esquerdistas suspeitam. Muito pelo contrário, trata-se do reconhecimento (e ao mesmo tempo da canalização por meio do Estado) das formas necessárias de movimento do capitalismo, incluindo também o conflito permanente de classes.
Marx não tinha apenas esperança de que a luta no interior do sistema salarial desenvolveria-se em uma luta contra o próprio sistema salarial. Grande parte de sua obra acha-se sob influência — que foi enfraquecendo com o passar do tempo — de uma filosofia teleológica da história que afirma o comunismo como um destino histórico necessário. Esta filosofia da história foi de um significado central tanto para os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 quanto para o Manifesto Comunista. Lia-se neste último: “a burguesia produz, sobretudo, seus próprios coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis”[65]MARX.; ENGELS. Manifesto Comunista. 2010, p.51/ MEW 4/p.474.. Assim, ao final do primeiro volume d’O capital, essa passagem do Manifesto é citada, e Marx não formula menos apoditicamente que, com o crescimento da acumulação capitalista, aumentaria
a massa de miséria, opressão, servidão, degeneração, exploração, mas também a revolta da classe trabalhadora, que, cada vez mais numerosa, é instruída, unida e organizada pelo próprio mecanismo do processo de produção capitalista. O monopólio do capital se converte num entrave para o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um grau em que se tornam incompatíveis com seu invólucro capitalista. Arrebenta-se o entrave. Soa a hora derradeira da propriedade privada capitalista, e os expropriadores são expropriados”[66]MARX. O capital: livro I. 2017, p.832-3/ MEW 23/p.790-1..
É claro, contudo, que tal filosofia da história não tem um papel para a análise exposta n’O capital. Ainda que Marx a apresente como inferência a partir dessa análise, ela não é de forma alguma sua substância. Ela tem um caráter simplesmente “declamatório”[67]Cf. mais detalhadamente in: HEINRICH, Michael. Geschichtsphilosophie bei Marx. In: Beiträge zur Marx-Engels Forschung Neue Folge. Hamburg, 1996. p.67.. No entanto, são precisamente essas declamações histórico-filosóficas que tiveram historicamente o maior impacto, pois atenderam a uma necessidade generalizada de uma “visão de mundo” no movimento dos trabalhadores. Elas se tornaram parte integrante de um “marxismo”[68]Para mais, cf. ELBE, Ingo. Marx im Westen. Die neue Marx-Lektüre in der Bundesrepublik seit 1965. Berlin, 2008, p.12-29. tradicional que dominou por muito tempo.
Até certo ponto, Marx pôde de fato mostrar como amadurecem “os elementos criadores de uma nova sociedade e os fatores que revolucionam a sociedade velha”[69]MARX. O capital: livro I. 2017, p.571/ MEW 23/p.526., ainda que, contudo, não haja qualquer garantia da efetiva insurreição. Aos elementos formativos [Bildungselemente] observados por Marx, corresponde também a individualidade do trabalhador e da trabalhadora, exigida e desdobrada pela produção capitalista desenvolvida. A cientificação da produção e as mudanças nos requisitos de trabalho, assim como a crescente importância do controle das máquinas e da produção, não só colocam progressivamente maiores exigências na educação [Bildung] da força de trabalho, mas também em seu fator de independência e responsabilidade. Há ainda um grande número de processos de produção em que a força de trabalho é limitada a uma subfunção unilateral. Mas o desenvolvimento da produção capitalista exige cada vez mais “a substituição do indivíduo parcial, mero portador de uma função social de detalhe, pelo indivíduo plenamente desenvolvido, para o qual as diversas funções sociais são modos alternantes de atividade”[70]Ibidem, p.558/ MEW 23/p.512.. O próprio desenvolvimento capitalista cria potenciais de individualidade, mas só desenvolve esses potenciais de acordo com seu propósito estreito: a maximização do lucro.
Como consequência, a organização capitalista da produção não ameaça constantemente a reprodução individual da força de trabalho apenas através da exaustão física e psíquica do trabalho, que é também o caso quando o controle direto do capital sobre o processo de produção reduz, e a utilização dos potenciais criativos individuais conduz à “dissolução de fronteiras” do trabalho e da liberdade. Sob as mudanças que estavam no alvo de Marx, um número crescente das forças de trabalho também pode reconhecer, pelo conteúdo do processo de produção capitalista que elas operam, quão grande é a discrepância entre o que seria técnica e socialmente possível e o que realmente ocorre sob o ditame da maximização do lucro. O fato de que os potenciais dos indivíduos desenvolvidos pelo capitalismo encontram seus limites repetidamente no propósito tacanho do capital, não tem necessariamente que resultar em resistência; mas estamos lidando aqui com uma dor permanente que, ao invés de mais fraca, provavelmente se tornará mais forte com o aumento do nível de educação [Bildungsniveau] e maiores campos de disposição da força de trabalho.
O que há de comum nas várias caracterizações de uma “associação de homens livres”[71][N.T.] No original, “Verein freier Menschen”. Menschen é plural de Mensch, um substantivo que, embora masculino na língua alemã, se deixa simplesmente traduzir por “pessoas” quando no … Continue reading ou de uma sociedade comunista, que podem ser encontradas em Marx, é que nela, os indivíduos finalmente recebem espaço para desenvolver sua individualidade. A produção cooperativa [Genossenschaftliche], que não é mais mediada pelo mercado e, portanto, pelos poderes coisais [sachlichen] do valor e do dinheiro, mas está sujeita à regulação e planejamento social, é a única forma de organização vagamente delineada de uma economia comunista. Seu propósito, entretanto, é a “individualidade livre”, e Marx o enfatiza em uma comparação esquemática do comunismo com as épocas históricas anteriores:
Relações de dependência pessoal (de início, inteiramente espontâneas e naturais) são as primeiras formas sociais nas quais a produtividade humana se desenvolve de maneira limitada e em pontos isolados. Independência pessoal fundada sobre uma dependência coisal [sachlicher] é a segunda grande forma na qual se constitui pela primeira vez um sistema de metabolismo social universal, de relações universais, de necessidades múltiplas e de capacidades universais. A livre individualidade fundada sobre o desenvolvimento universal dos indivíduos e a subordinação de sua produtividade coletiva, social, como seu poder social, é o terceiro estágio. O segundo estágio cria as condições do terceiro”[72]MARX. Grundrisse, 2011, p.106/ MEW 42/p.91. [Grifo M. H.].
Nenhuma igualdade repressiva e nenhum suposto “novo homem” constitui o comunismo, mas sim a “livre individualidade”[73]Para mais sobre a liberdade como categoria central na obra marxiana, cf. BLUHM, Harald. Freiheit in Marx’ Theorien. In: PIES, Ingo; LESCHKE, Martin (Hg.). Karl Marx’ kommunistischer … Continue reading. São incompatíveis com essa concepção tanto as diferentes variantes do socialismo de mercado, que estendem a dominação coisal [sachliche] do valor e do dinheiro e submetem os indivíduos novamente a poderes coisais, quanto uma economia planejada central, que sujeita os indivíduos — mesmo que orientada pela razão e para o bem-estar — ao despotismo de uma instância central de dominação. Cooperativas, comunas e associações não poderão deixar de negociar entre si as questões que os afetam em conjunto — seja para chegarem a acordos ou não.
Da mesma maneira, o entendimento marxiano do comunismo não é compatível com formas de mentalidade performalista [Leistungsdenken] que nos foram legadas. Que a performance [Leistung] de atividade deve ser remunerada, ou ao contrário, que a remuneração apenas deve ser dada pela performance, trata-se de um componente central da ideologia burguesa; não necessariamente da realidade burguesa. O vínculo entre salário [Lohn] (compreendido como proporção individual do produto total da sociedade) e performance não é confrontado apenas com o problema de comparar e medir a performance. Acima de tudo, o desenvolvimento da individualidade fica então submetido a este padrão; sob tais condições, não se pode falar de “individualidade livre”. Para esta última verdadeiramente se realizar, não há então como contornar o princípio básico, formulado por Marx em sua Crítica do Programa de Gotha, que desvincula salário de desempenho: “De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”[74]MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha; seleção, tradução e notas Rubens Enderle. — São Paulo: Boitempo, 2012, p.32/ MEW 19/p.21..
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___________. O capital: livro I: o processo de produção do capital; tradução de Rubens Enderle. — 2.ed. — São Paulo: Boitempo, 2017/ MEW 23.
___________. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte; [tradução e notas Nélio Schneider; prólogo Herbert Marcuse]. São Paulo: Boitempo, 2011/ MEW 8.
___________. Teorias da mais-valia: história crítica do pensamento econômico – Livro 4 de O Capital, Volume I. Tradução: Reginaldo Sant´anna. São Paulo: DIFEL, 1980/ MEW 26.1. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã; tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano C. Martorano. – São Paulo: Boitempo, 2007/ MEW 3.
___________. Cartas sobre o capital/ Karl Marx e Friedrich Engels. Tradução de Lélia Escorsim; revisão técnica e apresentação de José Paulo Netto. —São Paulo: Expressão Popular, 2020/ MEW 30.
___________. Manifesto Comunista. Tradução de Álvaro Pina, e Ivana Jinkings. Organização e introdução de Osvaldo Coggiola. São Paulo: Boitempo, 2010/ MEW 4. WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais – Parte 2. 2a ed. Campinas (SP): Cortez Editora / Editora da UNICAMP, 1995. 2
↑1 | MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política; tradução e apresentação de Florestan Fernandes. São Paulo: Expressão Popular, 2008, p.47/ MEW 13/p.9. |
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↑2 | MARX, Karl. O capital: livro I: o processo de produção do capital; tradução de Rubens Enderle. — 2.ed. — São Paulo: Boitempo, 2017, p.80/ MEW 23/p.16. |
↑3 | MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte; [tradução e notas de Nélio Schneider; prólogo Herbert Marcuse]. – São Paulo: Boitempo, 2011, p.25/ MEW 8/p.115. |
↑4 | [N.T.] No original, M. Heinrich, assim como Marx, vale-se do termo alemão Charaktermasken, denotando “máscaras de personagem”. Na tradução de 2017 d’O capital, Rubens Enderle optou por traduzi-lo apenas como “máscaras”, indicando suas particularidades em nota. Optamos aqui por “máscaras personificadas”. Cf. MARX. O capital: livro I. 2017, p.152, nota ***/ MEW 23/p.91. |
↑5 | [N.T.] No original, Zufällikgeit. |
↑6 | Cf. Carta de Marx a Ludwig Kugelmann, de 28 de dezembro de 1862. in: MARX, Karl. Cartas sobre o capital/ Karl Marx e Friedrich Engels. Tradução de Lélia Escorsim; revisão técnica e apresentação de José Paulo Netto. —São Paulo. São Paulo: Expressão Popular, 2020, p.164-66/ MEW 30/p.640. |
↑7 | Examino detalhadamente esta ruptura in: HEINRICH, Michael. Die Wissenschaft vom Wert. Die Marxsche Kritik der politischen Ökonomie zwischen wissenschaftlicher Revolution und klassischer Tradition. 5. Aufl. Münster. 2011. |
↑8 | “Essa soma de forças de produção, capitais e formas sociais de intercâmbio, que cada indivíduo e cada geração encontram como algo dado, é o fundamento real daquilo que os filósofos representam como ‘substância’ e ‘essência do homem’, aquilo que eles apoteosaram e combateram” (MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã; tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano C. Martorano. – São Paulo: Boitempo, 2007, pp.43, 183-4/ MEW 3/pp.38, 167). Que Marx e Engels realizaram uma crítica de suas posições iniciais através d’A ideologia alemã, fica destacado no prefácio de Contribuição à crítica da economia política: tratava-se de “acertar as contas com a nossa antiga consciência filosófica”. MARX. Contribuição à crítica da economia política. 2008, p.49/ MEW 13/p.10. |
↑9 | MARX, Karl. Grundrisse. Tradução de Mario Duayer e Nélio Schneider (colaboração de Alice Helga Werner e Rudiger Hoffmann). – São Paulo: Boitempo ; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011, p. 205/ MEW 42/p.189. |
↑10 | Cf. Ibidem, pp.456-57, 461, 545, 628-29/ MEW 42/pp.457, 462, 550, 644. |
↑11 | Ibidem, p.104/ MEW 42/p.90. |
↑12 | Ibidem, p.105/ MEW 42/p.90. |
↑13 | MARX; ENGELS. A ideologia alemã, 2007, p.66/ MEW 3/p.75. |
↑14 | MARX. Grundrisse, 2011, p.381/ MEW 42/p.377. |
↑15 | [N.T.] Heinrich realiza aqui um trocadilho que se perde na tradução. Em alemão, usa-se costumeiramente a expressão Glückes Schmied para denotar aquele que é “ferreiro de sua própria sorte”, expressão equivalente para se referir a quem seria “senhor/dono de seu próprio destino” na língua portuguesa (no inglês, equivale ao self-made man). |
↑16 | [N.T.] No original, Nachträgliche Vergesellschaftigung. |
↑17 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.80. / MEW 23/p.16. |
↑18 | Cf. HENNING, Christoph. Charaktermaske und Individualität bei Marx. In: Marx-Engels Jahrbuch 2009. Berlin, 2010, p.100-122. |
↑19 | É especialmente em suas análises políticas que Marx enfatiza a subjetividade dos atores envolvidos. Cf. RÜDIGER, Axel. Der Beruf der Politik: Karl Marx über Lord Palmerston, Louis Bonaparte und Abraham Lincoln. In: Marx-Engels Jahrbuch 2009. Berlin, 2010, p. 148-175. |
↑20 | “Apresentação” [Darstellung] é, para Marx, não apenas a ordenação didática da matéria a ser apresentada. Mais que isso, a ordenação da apresentação [Darstellung], que expressa o todo coeso das categorias apresentadas [dargestellten Kategorien], tem ainda determinado conteúdo informativo ela própria (para mais, cf. HEINRICH, Michael. Weltanschauung oder Strategie? Über Dialektik, Materialismus und Kritik in der Kritik der politischen Ökonomie. In: DEMIROVIC, Alex (Hg.): Kritik und Materialität. Münster, 2008, p.60-72). |
↑21 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.149. / MEW 23/p.88. |
↑22 | Ao início do segundo capítulo, Marx indica a mudança para este outro plano de forma explícita: “As mercadorias não podem ir por si mesmas ao mercado e trocar-se umas pelas outras. Temos, portanto, de nos voltar para seus guardiões, os possuidores de mercadorias” (MARX. O capital: livro I, 2017, p. 159/ MEW 23/p.99). No entanto, o significado do segundo capítulo permaneceu frequentemente incompreendido. Assim notará W. F. Haug, por exemplo, que as palavras marxianas na citação acima foram elevadas demasiadamente e tomadas em sua figuração literal, e que desse modo, “porque as mercadorias não podem expressar elas próprias o seu valor, Marx teria de voltar-se, ainda na análise da forma-valor, aos portadores de mercadorias”. Dessa maneira, seguirá Haug, a expressão do valor exigiria apenas um único ator; mas o valor, que aqui é tratado, exige dois (HAUG, Wolfgang Fritz. Vorlesungen zur Einführung ins „Kapital“. Neufassung von 2005. Hamburg, 2006, p.62). Com Haug, contudo, não se descobre por que Marx decidiu não tratar desse um ator na análise formal. Aparentemente, a diferença entre a investigação da relação de troca de duas mercadorias (que é tratada no primeiro capítulo) e a do processo de troca dos portadores de mercadoria (segundo capítulo) não é clara para ele. A diferença categorial dos dois primeiros capítulos é reduzida por Haug a uma “concretização” categorial indeterminada. A “necessidade objetiva-estrutural da troca” entraria em cena logo no segundo subcapítulo do capítulo I, mas agora “essas relações de produção recebem uma concretização social” (Ibidem, p.63). A pergunta subjacente, sobre por que tal “concretização social” seria de alguma maneira necessária, não é posta uma única vez por Haug. |
↑23 | Cf. MARX. O capital: livro I. 2017, p.160/ MEW 23/p.100. |
↑24 | MARX. Contribuição à crítica da economia política. 2008, p.117/ MEW 13/p.67. [Grifos M. H.] |
↑25 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.148/ MEW 23/p.87. [Grifos M. H.] |
↑26 | Cf. HEINRICH, Michael. Wie das Marxsche „Kapital“ lesen? Leseanleitung und Kommentar zum Anfang des „Kapital“. Teil 1. Stuttgart, 2009, p.171 et. seq., p.195 et seq. |
↑27 | A análise do fetiche da mercadoria e do dinheiro está disposta de maneira objetiva já na Contribuição à crítica da economia política de 1859, mas lá ela ainda é tratada sob o termo “mistificação”. O conceito “fetichismo” foi utilizado pela primeira vez por Marx para esta noção nas Teorias sobre o mais-valor (1861-1863). O termo “fetichismo” também figurou mais cedo em sua obra, mas ainda com um uso coloquial. |
↑28 | Da seguinte maneira destacou Marx a forma do salário: “Sobre essa forma de manifestação, que torna invisível a relação efetiva e mostra precisamente o oposto dessa relação, repousam todas as noções jurídicas, tanto do trabalhador quanto do capitalista, todas as mistificações do modo de produção capitalista, todas as suas ilusões de liberdade, todas as tolices apologéticas da economia vulgar”. MARX. O capital: livro I. 2017, p.610/ MEW 23/p.562. |
↑29 | MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro III: o processo global de produção capitalista; tradução Rubens Enderle; edição de Friedrich Engels. — 1. ed — São Paulo: Boitempo, 2017, p. 892/ MEW 25/p.838. |
↑30 | MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Tradução de Álvaro Pina, e Ivana Jinkings. Organização e introdução de Osvaldo Coggiola. São Paulo: Boitempo, 2010, p.43/ MEW 4/p.465. |
↑31 | WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais – Parte 2. 2a ed. Campinas (SP): Cortez Editora / Editora da UNICAMP, 1995, p.451-453. |
↑32 | Cf. o elogio entusiástico (e um tanto exagerado) a estes ao final do terceiro volume d’O capital. MARX. O capital: livro III. 2017, p.892-3/ MEW 25/p.838. |
↑33 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.154-5/ MEW 23/p.94. |
↑34 | Ibidem, p.156./ MEW 23/p.95 et. seq. |
↑35 | Cf. Ibidem, p.148-9/ MEW 23/p.88. |
↑36 | MARX. Contribuição à crítica da economia política. 2008, p.77-8/ MEW 13/p.35. |
↑37 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.148/ MEW 23/p.87. [Grifos M. H.] |
↑38 | Que para isso possa ser necessário muito tempo, mostra o exemplo dos EUA, onde a escravidão foi abolida apenas com a guerra civil em 1865. |
↑39 | [N.T.] Para sachlich, Rubens Enderle, ao traduzir O capital: livro I (2017), escolheu o termo “reificado(a)”, e, por vezes, “material” ou “materialmente”, recurso que também empregamos até este ponto. Contudo, a partir deste momento, preferimos fazê-lo como Mário Duayer e Nélio Schneider o fizeram nos Grundrisse (2011), pelo adjetivo “coisal”. Também Jesus Ranieri realizou tal opção ao traduzir os Manuscritos econômico-filosóficos (2010). |
↑40 | Marx formula de maneira precisa e astuciosa nos Grundrisse: “o poder que cada indivíduo exerce sobre a atividade dos outros ou sobre as riquezas sociais existe nele como o proprietário de valores de troca, de dinheiro. Seu poder social, assim como seu nexo com a sociedade, [o indivíduo] traz consigo no bolso”. MARX. Grundrisse. 2011, p.105/ MEW 42/p.90. |
↑41 | MARX, Karl. Teorias da mais-valia: história crítica do pensamento econômico – Livro 4 de O Capital, Volume I. Tradução: Reginaldo Sant´anna. São Paulo: DIFEL, 1980, p.386/ MEW 26.1/p.366. [N. T.] No excerto em questão, R. Sant’Anna escolheu traduzir Herrschaft por “poderio”. Optamos, no restante do material, por “dominação”. |
↑42 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.808-9/ MEW 23/p.765. |
↑43 | Ibidem, p.150/ MEW 23/p.89. |
↑44 | Ibidem, p.186/ MEW 23/p.126. |
↑45 | [N.T.] Em distinção à opção de R. Enderle para a tradução do termo, como presente na citação, optamos por traduzir gesellschaftlicher Naturzusammenhänge como “nexos socionaturais”. |
↑46 | Ibidem, p.187/ MEW 23/p.128. |
↑47 | Ibidem, p.230/ MEW 23/p.169. |
↑48 | [N.T.] No original, M. Heinrich emprega o adjetivo maßlos, frequentemente usado para referir-se ao que é quantitativamente “maciço”, “em demasia”, mas cuja composição de radical e sufixo indica simplesmente aquilo que não tem [-los] medida [maß]. Heinrich aponta então para o último sentido, mais literal. Buscando preservar a polissemia e efeito, escolhemos o adjetivo “desmedido”. |
↑49 | Hanna Meißner discute de modo muito abrangente e preciso a relação entre dominação impessoal, subjetividade e a capacidade para ação em Marx. Cf. MEIßNER, Hanna. Jenseits des autonomen Subjekts. Zur gesellschaftlichen Konstitution von Handlungsfähigkeit im Anschluss an Butler, Foucault und Marx. Bielefeld. 2010, p.200 et seq. |
↑50 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.160/ MEW 23/p.100. |
↑51 | Cf. formulações concentradas em ELBE. Ingo. Thesen zum Begrif Charaktermaske. 2002. http://www.rote-ruhr-uni.com/cms/IMG/pdf/Elbe_Charaktermaske.pdf (acesso em 10.11.2011). |
↑52 | [N.T.] cf. nota 48. |
↑53 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.80/ MEW 23/p.16. |
↑54 | Ibidem, p.342/ MEW 23/p.286. |
↑55 | Gegenstandpunkt (2008): Wie man „Das Kapital“ nicht schon wieder neu lesen sollte. Zur „Einführung in die Kritik der politischen Ökonomie“ von Michael Heinrich. In: Gegenstandpunkt 2-08. p.100. |
↑56 | Ibidem, p.101. |
↑57 | Ibidem. |
↑58 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.667/ MEW 23/p.618. [Grifos M.H.] |
↑59 | [N.T.] No original, o autor faz um jogo de palavras entre verrücken (deslocar) e verrückt, particípio do verbo que, como adjetivo, significa “louco”. |
↑60 | Ibidem, p.251/ MEW 23/p.191. |
↑61 | MARX, Karl. O capital: livro I: capítulo VI (inédito); traduzido da edição castelhana da Siglo XXI Editores S/A por Eduardo Sucupira Filho e cuidadosamente corrigido e cotejado com a edição alemã por Célia de Regina de Andrade Bruni. — 1ª Edição. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1978, p.21/ MEGA II/4.1/p.65. |
↑62 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.309/ MEW 23/p.249. |
↑63 | Ibidem, p.244-5/ MEW 23/p.185. |
↑64 | MARX, Karl. A luta entre o capital e o trabalho e seus resultados. in: Salário, preço e lucro (1865). https://www.marxists.org/portugues/marx/1865/salario/cap03.htm#i14 (acesso em 18/11/21)/ MEW 16/p.147 et seq. |
↑65 | MARX.; ENGELS. Manifesto Comunista. 2010, p.51/ MEW 4/p.474. |
↑66 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.832-3/ MEW 23/p.790-1. |
↑67 | Cf. mais detalhadamente in: HEINRICH, Michael. Geschichtsphilosophie bei Marx. In: Beiträge zur Marx-Engels Forschung Neue Folge. Hamburg, 1996. p.67. |
↑68 | Para mais, cf. ELBE, Ingo. Marx im Westen. Die neue Marx-Lektüre in der Bundesrepublik seit 1965. Berlin, 2008, p.12-29. |
↑69 | MARX. O capital: livro I. 2017, p.571/ MEW 23/p.526. |
↑70 | Ibidem, p.558/ MEW 23/p.512. |
↑71 | [N.T.] No original, “Verein freier Menschen”. Menschen é plural de Mensch, um substantivo que, embora masculino na língua alemã, se deixa simplesmente traduzir por “pessoas” quando no plural, ao contrário, por exemplo, de Männer, literalmente “homens”. Cf. Ibidem, p.153/ MEW 23/p.92. |
↑72 | MARX. Grundrisse, 2011, p.106/ MEW 42/p.91. [Grifo M. H.] |
↑73 | Para mais sobre a liberdade como categoria central na obra marxiana, cf. BLUHM, Harald. Freiheit in Marx’ Theorien. In: PIES, Ingo; LESCHKE, Martin (Hg.). Karl Marx’ kommunistischer Individualismus. Tübingen, 2005; para o caráter individualista da concepção marxiana de comunismo, cf. WALLAT, Hendrik (2009). Weder Staat noch Kollektiv. Sozialismuskritik im Werk von Karl Marx. In: PROKLA 155 Sozialismus?. 39.Jg. Nr. 2., 2009.s. 269-286. |
↑74 | MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha; seleção, tradução e notas Rubens Enderle. — São Paulo: Boitempo, 2012, p.32/ MEW 19/p.21. |