* [1] Esta nota é pretexto. Examino o Marcuse… manipulado pela entrevista, não o verdadeiro.
Sei – a partir de uma entrevista do “Paese Sera” que Marcuse teria definido os jovens estudantes como “os verdadeiros heróis do nosso tempo” (a palavra “heróis” é usada em sentido positivo, e não, por exemplo, como poderia ser usada a propósito de Hitler ou Molotov). Então também Marcuse é um adulador? Ele provavelmente queria dizer “protagonistas”, que são heróis em acepção suspensa. Eu, no entanto, diria antes “antagonistas”, pois os verdadeiros protagonistas são, ainda, os velhos e os jovens que estão do lado dos velhos (ou seja, protagonista é a maioria).
Além disso, é preciso especificar que, se é justo distinguir o problema dos jovens do Ocidente do problema dos jovens no Oriente, todavia me parece absolutamente necessário distinguir ainda o problema dos jovens em países de cultura também marxista e o problema dos jovens em países desprovidos de cultura marxista. Marcuse de fato fala de “heróis” (digamos “antagonistas”), referindo-se particularmente à América e à Alemanha Ocidental: dois países desprovidos de tradição cultural marxista. E aqui sua função antagonista pode ser qualificada, de modo suficientemente justo, de “heroica”, em sentido positivo. Muito menos em países como a França e a Itália (hoje em dia o próprio Papa assimilou em suas encíclicas a tradição cultural marxista).
É a própria postura e a ação política dos jovens na França e na Itália que mostra o fundo “adulatório” da frase do Marcuse “entrevistado” e a imprecisão. De fato, os estudantes franceses e italianos, colocando em crise a cultura marxista tradicional (com razão), ao invés de reconstruí-la, progredindo, a refutam simplesmente, regredindo. Regredindo sob quais posições? Sob posições ressurgimentais [2]Referência ao Risorgimento, período revolucionário da história italiana no século XIX que desencadeou o processo de unificação. [N. do T.] [risorgimentali]. A analogia entre os motes constitucionais de 1848 e os motes reformistas de 1968 é impressionante. E o que isto significa? Significa que a burguesia toma posição nas barricadas contra si mesma, que os “filhinhos do papai” se revoltam contra os “papais”, continuando uma tradição na qual o verdadeiro protagonista da história é a burguesia. Em suma, os estudantes são uma miríade de pragmáticos e enérgicos McLuhan, que fundamentalmente colocam seu mundo burguês em crise para reificá-lo.
Acrescento que sua indiferença pela Resistência demonstra que a Resistência não foi (como erroneamente se crê) um último episódio do Risorgimento: participaram dela de fato os operários e camponeses. Ela foi, portanto, mesmo que parcial e confusamente, revolucionária.
Ora, a meta dos estudantes não é mais a Revolução, mas sim a Guerra Civil. Mas repito, a Guerra Civil é uma guerra santa que a burguesia combate contra si mesma, porque, como diz o velho Lukács, ela “não pode existir sem revolucionar continuamente os meios de produção, as relações de produção, e, portanto, todas as relações sociais”. [3] Isso, na verdade, é dito no “Manifesto do Partido Comunista” de Marx e Engels. [N. do T.]
Logo, se são heróis, os estudantes são heróis de uma Guerra Civil, cujos primeiros episódios talvez já estejam sendo combatidos, e que terminarão perdendo: dado que também uma vitória deles não significaria outra coisa senão uma inteligente e rápida série de reformas (as Guerras Civis, mesmo que vencidas pelos “nossos”, nunca tiveram outros resultados). De todo modo, é preciso então que seja dito bem claramente: adeus Revolução. A história futura é uma história burguesa, graças a seus bravos e heroicos estudantes. [4]Enquanto escrevia esta nota, ainda não havia saído a estúpida e pré-histórica nota da “Pravda” contra Marcuse.
Felipe Catalani
Doutor em Filosofia pela USP. É autor de diversos artigos na área de teoria crítica, pensamento social brasileiro e filosofia alemã moderna e contemporânea.
↑1 | Esta nota é pretexto. Examino o Marcuse… manipulado pela entrevista, não o verdadeiro. |
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↑2 | Referência ao Risorgimento, período revolucionário da história italiana no século XIX que desencadeou o processo de unificação. [N. do T.] |
↑3 | Isso, na verdade, é dito no “Manifesto do Partido Comunista” de Marx e Engels. [N. do T.] |
↑4 | Enquanto escrevia esta nota, ainda não havia saído a estúpida e pré-histórica nota da “Pravda” contra Marcuse. |