Anunciei minha palestra com o título de “O que realmente sabemos sobre o método da Crítica da Economia Política?”. Contudo, eu restringirei minha abordagem a dois aspectos: primeiro, pretendo abordar o método de Marx em O Capital, não em todo o seu projeto da Crítica da Economia Política; e, mais importante, pretendo abordar as implicações de dois textos, a Introdução de 1857 e o posfácio da segunda edição (do Livro I de O Capital), de 1873.
Não pretendo repetir tudo que já foi dito sobre esses textos. Ao contrário, eu pretendo criticar o tratamento usual que lhes é dado, especialmente as conclusões normalmente derivadas destes textos. Para fazer isso, meu primeiro passo vai ser dar um breve panorama geral sobre o que considero necessário quando nos propomos a ler os textos de Marx.
Marx foi uma pessoa dedicada aos estudos ao longo de toda a sua vida. Relutava bastante em publicar seus livros, uma vez que os revisava constantemente, de modo que nenhum dos seus textos pode ser considerado uma versão final e definitiva de seu pensamento sobre um determinado assunto. Os textos de Marx são etapas de seu processo contínuo de desenvolvimento intelectual e científico. Ademais, todos os seus textos, inclusive os mais teóricos, eram sempre intervenções nas lutas (políticas) e discussões (científicas) travadas à época. Seus escritos não tinham a intenção de ser contribuições atemporais para uma discussão eterna. Por isso, ao ler os textos de Marx, precisamos considerar esses dois lados: que eles são etapas do processo contínuo de aprendizado de Marx e que são intervenções em debates. Portanto, não podemos tratá-los como contribuições atemporais, tampouco unificá-los para estabelecer uma posição coerente e definitiva de Marx. Ao contrário, devemos analisar cada texto tanto numa dimensão diacrônica como numa dimensão sincrônica. Por dimensão diacrônica, quero dizer que devemos analisar cada texto no curso do desenvolvimento intelectual e científico de Marx, e observar quais insights Marx já havia alcançado em cada texto, bem como quais insights ele ainda não havia alcançado. Por dimensão sincrônica, quero dizer que precisamos considerar a quais lutas e a quais discussões cada texto de Marx se refere, isto é, precisamos investigar o contexto científico e político de cada escrito, e observar qual o seu papel nesse contexto.
Nesse sentido, ao analisar os dois textos propostos, a Introdução de 1857 e o posfácio da segunda edição de O Capital, vamos considerar as suas dimensões diacrônica e sincrônica.
Primeiramente, irei discutir a Introdução de 1857. Esse texto é muito famoso por sua seção sobre método, especialmente a sua famosa passagem sobre “ascensão do abstrato ao concreto”. Tenho a sensação de que praticamente nenhum intérprete deixa passar esse trecho por considerá-lo uma das chaves centrais para o entendimento do método de O Capital. A justificativa para isso reside numa dupla suposição, às vezes implícita e às vezes explícita. A primeira suposição é de que esse texto, escrito em agosto de 1857, é uma introdução aos Grundrisse, os manuscritos (econômicos) redigidos no inverno entre 1857 e 1858. A segunda suposição é de que os Grundrisse são o primeiro esboço de O Capital. Ambas as suposições, contudo, pretendo argumentar, estão erradas: a Introdução de 1857 não é uma introdução aos Grundrisse, tampouco os Grundrisse são o primeiro esboço de O Capital.
Ao analisar os Grundrisse, percebemos que não se trata, de maneira alguma, de um livro planejado. Ele começa com comentários sobre Darimon, um pupilo de Proudhon. Ao comentar Darimon, Marx chegou a questões cada vez mais fundamentais sobre mercadoria e dinheiro, e ele segue tais questões fundamentais até atingir uma análise sobre capital. Portanto, os Grundrisse é um manuscrito sem início. Seu início, na verdade, é um comentário a excertos de Darimon, assim como diversos cadernos de excertos de Marx sobre diferentes autores. Posteriormente, ele gradualmente se tornou um manuscrito de investigação, de modo que não se trata de um esboço de um livro planejado previamente, razão pela qual não poderia ter uma introdução. Portanto, a Introdução de 1857 é um texto distinto dos Grundrisse. Quando Marx escreveu a Introdução de 1857, ele não tinha planejado previamente o que viria a ser os Grundrisse.
Como sabemos, Marx se sentiu pressionado a escrever um manuscrito econômico em virtude da crise de 1857/1858, já que acreditava que esta crise abalaria muito consideravelmente o capitalismo, de tal modo que novos desenvolvimentos revolucionários teriam início, razão pela qual ele pretendia apresentar sua análise para intervir nesses movimentos revolucionários. Essa foi a motivação de Marx para se dedicar à escrita durante todo o inverno de 1857/1858. Em agosto de 1857, a situação era completamente diferente.
Agora eu pretendo, muito brevemente, criticar a segunda suposição que justifica a importância da Introdução de 1857 para a compreensão do método de O Capital, isto é, a de que os Grundrisse já são o primeiro esboço de O Capital. Ao escrever os Grundrisse, Marx desenvolveu, passo a passo, seu famoso plano de escrever seis livros, o qual foi anunciado no prefácio da Contribuição para a Crítica da Economia Política, de 1859. O primeiro livro desse plano deveria tratar do capital. Mas esse primeiro livro, do plano original de seis livros, de maneira alguma é idêntico ao plano posterior de escrever quatro livros com o título O Capital, elaborado apenas em 1863, ou seja, anos depois.
A exposição nos Grundrisse, bem como nos Manuscritos Econômicos de 1861-1863, foi conduzida pela oposição entre “capital em geral” e “concorrência de capitais”. “Capital em geral” não era apenas um título para um nível geral de exposição, mas tinha um sentido metodológico específico, referente tanto a conteúdo quanto a nível de abstração. Em relação ao conteúdo, “capital em geral” deveria abranger todas as características que aparecem na concorrência, em uma ordem lógica. Quanto ao nível de abstração, “capital em geral” deveria abstrair de qualquer capital singular ou particular. Então, um determinado conteúdo (todas as características do capital que aparecem na concorrência) deveria ser exposto num determinado nível de abstração (abstração da concorrência). Nos Manuscritos de 1861-1863, Marx percebeu que esse duplo requisito para a exposição do “capital em geral” não poderia ser alcançado, razão pela qual, a partir do verão de 1863, não mais utilizou o termo “capital em geral”, nem em manuscritos, cartas ou publicações.
Nesse sentido, a obra O Capital é metodologicamente distinta, inclusive no que se refere ao conteúdo, pois não está restrita ao antigo livro sobre o capital (do plano de seis livros), incluindo também os temas principais que seriam expostos nos livros sobre propriedade fundiária e trabalho assalariado. Contudo, mais importante do que essa ampliação de conteúdo, é que a estrutura metodológica não é mais orientada pela oposição entre “capital em geral” e “concorrência de capitais”; é orientada pela divisão entre capital individual e capital social total. Essa divisão é tratada em três diferentes níveis de abstração: processo de produção, processo de circulação e processo total – cada um dos três livros de O Capital. Esta nova estrutura metodológica de O Capital estava longe de ser alcançada à época em que Marx escreveu a Introdução de 1857. Desse modo, é muito limitado o que podemos apreender, a partir da Introdução de 1857, sobre o método de O Capital, cujo plano teve início a partir de 1863, seis anos mais tarde.
Agora, pretendo retornar à Introdução de 1857 para discutir que tipo de texto é esse. As considerações metodológicas de Marx não se originaram de reflexões abstratas, mas são sempre o resultado de sua prática científica. Elas emergem ex post e não ex ante. Portanto, para compreender o que a Introdução de 1857 é, temos de observar a prática científica de Marx anterior a este texto. O próprio Marx, no prefácio da Contribuição de 1859, afirma que sua chegada a Londres marcou um recomeço em seu processo de pesquisa econômica. Em Londres, Marx encontrou a maior livraria com conteúdo sobre literatura econômica de sua época, além de muitos jornais e revistas sobre economia, e pela primeira vez Marx pôde estudar os economistas clássicos ingleses diretamente em inglês. Antes, ele não lia em inglês e tinha de se utilizar de traduções em francês para ler Smith e Ricardo.
No começo dos anos de 1850, os chamados Cadernos de Londres surgiram, nos quais Marx coletou diversos excertos de literatura econômica, além de ter começado a escrever pequenos ensaios. Um desses ensaios, chamado Reflexão, sobreviveu e foi publicado pela MEGA. Um outro ensaio, contendo observações sobre economia, que Marx inclusive menciona nos Grundrisse, infelizmente não sobreviveu [Observações sobre Economia].
Este é, na minha visão, o contexto para a dimensão diacrônica da Introdução de 1857: este texto não era uma receita para os escritos posteriores, mas tinha a intenção de organizar os resultados anteriormente alcançados entre 1850 e 1857. No que se refere à sua dimensão sincrônica, ele serviu para intervir nas discussões econômicas, não apenas com autores contemporâneos à época, mas também com outros autores mais antigos, como Adam Smith, James Mill, David Ricardo, entre outros.
Com isso em mente, nós podemos finalmente compreender o que “ascensão do abstrato ao concreto” realmente significa. Marx não a anunciou como algo específico do seu próprio método; ele menciona essa famosa “ascensão” como o método científico da economia política; foi o que ele aprendeu estudando vários e diferentes economistas burgueses. Portanto, a passagem sobre “ascender do abstrato ao concreto” não nos diz realmente nada sobre o método do próprio Marx, mas sim resume o que pode ser encontrado em Smith e Ricardo como pontos de partida sobre valor, dinheiro, capital, renda fundiária, e assim por diante.
Em agosto de 1857, Marx ainda não era capaz de descrever sua própria abordagem metodológica, porque ainda não havia iniciado sua exposição sobre a crítica da economia política, além dos pequenos ensaios mencionados anteriormente. Não obstante, ainda podemos aprender algo da Introdução de 1857, que também tem a ver com essa “ascensão do abstrato ao concreto”, mas de uma maneira muito diferente do que normalmente se compreende dessa passagem. Normalmente, essa passagem é utilizada como guia. Contudo, como guia, ela é enganosa, pois pressupõe que já sabemos o que é “abstrato” e o que é “concreto”. Mas Marx teve de descobrir isso. Quando observamos os Grundrisse, nós vemos bem no final que Marx inicia uma nova seção com o título de “Primeiro: Valor”, a qual se encerra após uma página e meia. A Contribuição de 1859 não se inicia com valor, mas sim com mercadoria. Mercadoria, conforme Marx afirma em suas Notas sobre Wagner, é a categoria mais concreta da economia política. Portanto, Marx não começa com a categoria mais abstrata, mas sim com a mais concreta, e deriva categorias abstratas dela. Contudo, a mercadoria com a qual ele começa não é realmente a mercadoria concreta que vemos diariamente quando vamos ao mercado. Essa mercadoria concreta tem seu preço em dinheiro. Mas no desenvolvimento das categorias, Marx, ao tratar da mercadoria, não podia pressupor logo no início da exposição a existência do dinheiro. Portanto, a mercadoria com a qual Marx começa é um tipo abstrato de mercadoria, que tem valor de troca, mas não tem ainda preço. Ela só terá preço quando tivermos a categoria dinheiro, e esta categoria não existe ainda no início da exposição. Mencionei tudo isso apenas para elucidar a razão pela qual não podemos pressupor que é nítido, desde o início, o que é abstrato e o que é concreto. Determinar o que é abstrato e o que é concreto é uma tarefa da investigação. Quando Marx escreveu a Introdução de 1857, ele ainda não havia terminado essa investigação. Nesse sentido, eu acredito que essa famosa “ascensão do abstrato ao concreto” não é útil para compreender O Capital.
No entanto, eu acredito que há outro ponto da Introdução de 1857 que nos é útil. Na Introdução, Marx rascunha, muito superficialmente, um tipo de ciência empírica, baseada numa pesquisa empírica, mas sem as ilusões do empirismo. Com “ilusões do empirismo”, quero dizer a ideia de que dados empíricos são suficientes para compreender o capitalismo e que considerações filosóficas são supérfluas. Esse tipo de empirismo encontramos na chamada Ideologia Alemã. Nela, Marx afirma frequentemente que precisamos de uma ciência que ateste o que existe, que considere seres humanos reais, necessidades reais etc. Filosofia, na Ideologia Alemã, é uma palavra com cunho negativo, com a qual Marx pretendia demarcar uma posição. Já na Introdução de 1857, Marx menciona que a totalidade concreta deve ser o resultado de um processo mental, do pensamento. É constituída com conhecimento empírico, é claro, mas também é constituída com categorias e considerações abstratas. Assim, nós observamos, de forma bastante embrionária, a formulação de uma ciência empírica que supera o empirismo, isto é, uma ciência empírica com base em categorias teóricas. No que se refere às categorias teóricas, Marx afirma, também na Introdução, que a ordem na qual devemos apresentar tais categorias não pode seguir seu desenvolvimento histórico, mas sim a conexão dessas categorias na sociedade. Desse modo, não podemos fazer uma análise com base num empirismo histórico, tão-somente seguindo um desenvolvimento na história, mas sim resolver a questão teórica de como as categorias econômicas se relacionam umas com as outras numa sociedade capitalista desenvolvida. Marx estava apenas no começo dessa tarefa em 1857.
Meu último apontamento sobre a Introdução de 1857 é que a dialética não é mencionada. Nem a dialética de Hegel, nem a dialética do próprio Marx como algum tipo de inversão da dialética de Hegel. A dialética não era uma questão nesse texto. Isto porque Marx só retomou a leitura de Hegel em 1858, quando um amigo seu lhe enviou alguns livros de Hegel que eram de Bakunin. Marx afirmou posteriormente em suas cartas que ler novamente a Lógica de Hegel foi útil para sua exposição. Portanto, o desenvolvimento de como utilizar ou não a dialética só teve início após a escrita da Introdução.
Terminada as considerações sobre a Introdução de 1857, passo ao segundo texto, o posfácio da segunda edição alemã do Livro I de O Capital, de 1873.
Quanto à dimensão diacrônica desse texto, nós observamos uma situação completamente diferente comparada à Introdução. Marx havia publicado sua exposição desde o final de 1867, e estava, desde 1863, preparando O Capital. Já a dimensão sincrônica desse texto, na minha visão, mostra-nos nitidamente que não se trata de um ensaio sobre método. Para compreender o contexto desse posfácio, precisamos analisar a recepção da primeira edição do Livro I, publicada em 1867, seis anos antes. Marx tinha grandes expectativas de que o livro seria um sucesso tanto em termos políticos quanto em termos financeiros. Contudo, Marx ficou decepcionado nos dois aspectos. As mil cópias da primeira edição do Livro I só foram vendidas após mais de quatro anos da sua publicação. Uma discussão substancial do livro não ocorreu, pois a maioria dos jornais burgueses da Alemanha não lhe dedicou qualquer resenha. No posfácio, Marx menciona que, ao menos entre a classe trabalhadora, o livro teve recepção. Mas isso também não ocorreu. Houve algumas resenhas do livro em alguns jornais da classe trabalhadora, a maioria escrita por amigos de Marx, mas não há evidência de que o livro foi de fato amplamente lido por trabalhadores. As evidências apontam o contrário: o preço do livro era bastante alto, aproximadamente o salário semanal de um trabalhador qualificado – o que indica que a maioria dos trabalhadores não podia comprá-lo. Além disso, o livro não era acessível. Na primeira edição, havia citações em cinco línguas, além do alemão, que não estavam traduzidas. Além de diversas referências mitológicas e literárias pouco conhecidas de pessoas que não fossem altamente instruídas. Portanto, definitivamente não era um livro acessível para a classe trabalhadora.
No posfácio, Marx precisou principalmente defender o livro de diversos ataques. Como já mencionei, uma crítica detalhada do conteúdo do livro não ocorreu. Quando o livro era resenhado por jornais burgueses, a crítica permanecia no nível superficial do método. E o método, para a maioria desses críticos, era “hegeliano”. Nesse sentido, precisamos considerar que, no ano de 1867, a opinião prevalecente era nitidamente anti-hegeliana. A atribuição de “hegelianismo” ao método do livro significava que este era anacrônico e que não contribuía de maneira alguma para os debates da época. Naquele período, atribuir o rótulo de “hegeliano” significava aniquilar a reputação de um livro.
Portanto, Marx precisou defender o livro desses ataques, e utilizou este posfácio para isso. Quando lemos o posfácio, vemos Marx começar com uma defesa bastante superficial da dialética. Ele transcreve uma citação bastante longa de um crítico russo, que descreveu a abordagem de Marx, de forma bastante amigável, como seguindo o desenvolvimento histórico do objeto, tentando identificar as leis de desenvolvimento deste objeto e demonstrar como este objeto se desenvolve de acordo com tais leis e não conforme as intenções dos agentes. A essa citação, Marx comenta “o que mais este crítico descreveu senão o método dialético?”.
Quando tomamos esta passagem de forma literal, o método dialético significa apenas seguir o desenvolvimento histórico de algo. Esta é, na minha visão, uma definição vaga e pobre da dialética. A única vantagem dessa descrição vaga e pobre da dialética é mostrar ao público que a dialética não é, de maneira alguma, algo misterioso ou metafísico, que era a opinião generalizada sobre a filosofia hegeliana. Acredito que esta era a intenção de Marx ao apresentar uma visão tão pobre sobre a dialética. Contudo, Marx não para neste ponto. Marx também tenta descrever sua própria relação pessoal com a filosofia de Hegel. Sua posição é dúbia. Ao mesmo tempo em que se afirma um discípulo de Hegel, também se define como um crítico de Hegel, e não um mero seguidor. Essa posição dúbia de Marx em relação a Hegel já havia sido expressa no Manuscrito II do Livro II do Capital, escrito em 1868. No posfácio, contudo, Marx adiciona todas essas frases metafóricas que têm sido continuamente citadas. Marx afirma, no posfácio, que sua dialética é o exato oposto da dialética de Hegel: Hegel transforma a Ideia num sujeito independente, enquanto para Marx o ideal é apenas o real pensado. Afirmar que Hegel simplesmente transforma a Ideia num sujeito independente é bastante superficial. Acredito que Marx também sabia disso, mas esse posfácio não era o lugar para desenvolver um ensaio sobre Hegel. Por isso, ele menciona essa acusação a Hegel tão-somente para mostrar ao público que ele, Marx, não era um hegeliano tradicional. Isso é OK, mas o que não é OK é usarmos tais frases metafóricas como se elas fossem resultado de uma espécie de sabedoria eterna sobre a relação entre Marx e Hegel. Tais frases metafóricas, como a de que a dialética de Hegel está de ponta cabeça e precisaria ser invertida, não possuem qualquer conteúdo. Marx utiliza essa frase para demarcar uma posição, mas o conteúdo demarcado não fica claro com essa frase, razão pela qual ela não é, de maneira alguma, útil para a compreensão de O Capital.
Não obstante, acredito que também no posfácio há algo que é útil e que devemos levar em consideração: a bem conhecida distinção entre o método de investigação e o método de exposição. À primeira vista, essa distinção parece ser uma banalidade. Qualquer estudante sabe que, primeiramente, precisamos fazer uma investigação para encontrar a conexão entre diferentes aspectos e, então, precisamos refletir como é possível apresentar os resultados. Ao ler O Capital, essa distinção se torna menos banal. A exposição, para Marx, tem um significado enfático: não é algo arbitrário, tampouco se trata de uma escolha subjetiva. A exposição, como já foi afirmado nas considerações sobre a Introdução de 1857, deve apresentar as categorias numa ordem que reflita as relações entre as condições econômicas no interior da sociedade capitalista. Dessa forma, não há apenas exposições boas ou ruins. Para Marx, há uma exposição correta.
Nesse sentido, exposição e investigação não são totalmente opostas, uma vez que uma das principais tarefas da investigação é justamente encontrar a exposição correta. Esta é a razão pela qual, em vários manuscritos, a tentativa de encontrar uma exposição correta se torna o objeto da investigação. Em diversos manuscritos há uma constante transformação do processo de exposição num processo de investigação sobre a forma correta de exposição. Quando lemos os manuscritos, portanto, precisamos sempre nos perguntar em que nível estamos: se no nível da exposição ou no nível da investigação sobre a exposição. Essa é a principal lição que podemos apreender deste posfácio.
Agora, ao final dessa palestra, pretendo fazer algumas considerações sobre o método em O Capital. Quando pretendemos compreender o método em O Capital, não podemos procurar um ensaio definitivo sobre método. Isto porque Marx não desenvolveu primeiro um método, como um tipo de receita, e então seguiu este método. Suas tentativas metodológicas seguiram uma espécie de learning by doing. E ele foi mente aberta o suficiente para entender que não há apenas um método a seguir, mas que há diferentes métodos para diferentes problemas. Quando lemos cuidadosamente O Capital, não vamos encontrar o método, vamos encontrar uma variedade de métodos e uma combinação de diferentes métodos conforme diferentes problemas. Descobriremos, em O Capital, que Marx está desenvolvendo uma ciência empírica, utilizando bastante informações empíricas, sem recair nas ilusões de um empirismo. Como consta no prefácio da primeira edição do Livro I, o que é central para Marx é o desenvolvimento teórico, de modo que o capitalismo da Inglaterra é apenas o exemplo deste desenvolvimento teórico. Em manuscritos anteriores, Marx denominou este desenvolvimento teórico das categorias como o desenvolvimento dialético das categorias. Portanto, a dialética em O Capital é um método conceitual, uma abordagem conceitual.
Contudo, como Marx afirmou no Urtext, que ele escreveu em 1858 como um esboço da Contribuição de 1859, a exposição dialética tem que estar ciente de seus limites. Estará correta apenas enquanto estiver ciente de seus limites. E os limites são exatamente o ponto em que a relação puramente conceitual das categorias não é mais suficiente, e a análise histórica tem de ter início. Por isso, em O Capital, encontramos várias análises de processos históricos. Mas esse conhecimento histórico está nitidamente subordinado ao desenvolvimento teórico – ele entra na exposição em alguns pontos bem definidos. O desenvolvimento dialético tem seus limites, mas também limita a exposição histórica em O Capital. Para discutir isso de forma mais detalhada, precisamos observar os textos de Marx; não podemos considerar nenhum ensaio específico e definitivo sobre método; podemos apenas aprender como Marx fez, analisando sua própria exposição.
Tradução de Talles Lopes
Revisão de Felipe Aiello