Escrevo este relato pois estou preocupado com os acontecimentos recentes no México. Todos sabem, mais ou menos, que um prefeito foi morto e estão dizendo que foram traficantes que o mataram. Não sei ao certo o que houve, mas isso gerou uma manifestação. Dessa manifestação, um grupo que está se reivindicando da “Geração Z” está se organizando e tramando golpes e movimentações. Me infiltrei neles para ver o que estavam falando. Não se engane, não estou querendo ajudar governos com isso, só me preocupo com o fato de que talvez, no futuro, o Brasil seja palco desse tipo de atuação em grupo. E que, talvez, mesmo a esquerda possa cair nessa furada e se iludir com os anseios de mudança de uma suposta “Geração Z”.
Foi relativamente fácil encontrar o que todos chamavam de o “grupo no Discord” da “Geração Z” do México (GZ Mx). Foi só uma busca no X, antigo Twitter, que encontrei três contas com a tal da foto do anime One Piece. Uma delas tinha em sua descrição um link de acesso ao grupo no Discord. No momento em que escrevo, já sumiram dois perfis, inclusive aquele com o link. Eles são furtivos e, ao tempo em que disponibilizam acesso, passam a desconfiar de infiltrados no grupo.
Gostaria de esboçar aqui um diário de bordo e uma análise de discurso feitos na correria e no calor do momento.
Identidade do grupo
O Gen Z México é um grupo presente no aplicativo Discord. Lá, quanto às suas dinâmicas de interação, o aplicativo disponibiliza a função de criação de canais de texto, canais de voz, dentre outros. Quando entrei no grupo, os canais já estavam todos feitos, inclusive com recursos pagos dentro do aplicativo. O grupo contém mais de 300 perfis. Como símbolo, eles se utilizam da bandeira pirata do anime One Piece. Outras manifestações que levaram a golpes de Estado em outros lugares no mundo, como nas Filipinas e em Madagascar, também registraram a presença dessa bandeira. Não é difícil notar que ela serve de identidade e coesão ao grupo. Eles costumam associá-la a decisões e banners criados para divulgação. A ideia que essa bandeira passa é de que “estão lutando contra o governo” despojadamente: são a “geração z” que chegou para abalar governos que supostamente são “narcogovernos”, a narrativa que tentam emplacar no México (isso pode ocorrer no Brasil com tais contornos? Bom, sabemos que a pauta de segurança pública já está flutuando por aí…).
Eles se apresentam, portanto, como apartidários. Querem derrubar a presidente do México, Cláudia Sheinbaum, associando a morte do prefeito Carlos Manzo à figura da presidente e ao narcotráfico. Já estamos vendo esse discurso da parte do governo Trump, tentando emplacar a ideia de que traficantes de drogas são terroristas para poder atuar em territórios de outros países. Em algumas discussões, dentro do grupo, esse elemento apareceu. Os perfis argumentaram ora a favor de alguma interversão de Trump, ora que isso poderia ser ruim. Tudo discutido sem nenhuma discordância pontual, o que impressiona.
Na enquete acima, coloquei que era “libertário”, para passar despercebido. Quando me expressei no grupo, me fiz de apolítico. O que, para alguns, foi considerado uma posição anarquista tolerável ou a de que sou alguém que está ali querendo “o melhor para o México”, como eles dizem. A questão é que não se sabe que país melhor é esse. Nesse sentido, em vários momentos foram feitas pesquisas de perfil político dentro dos canais de texto, na forma de enquetes. Apesar de se dizerem apartidários, eles tinham grande interesse em saber quais ideologias políticas estavam ali presentes. Foi assim que, aos poucos, foram aparecendo os moderadores do grupo. No começo, um ou dois desses moderadores tomavam posição de apartidários. No entanto, e cada vez mais, mostraram que se utilizavam desse suposto lugar de neutralidade, fiel da balança, para perseguir outros perfis.
muchisimas gracias, por favor usa ese esquema de voto para seguir sacando zurdos ideológicos del grupo. No necesitamos division y ragebaiteros“
Com o tempo, os moderadores mencionados davam lugar a outros moderadores. Diziam que eles tinham muito trabalho e que precisavam de mais moderadores – e, cá entre nós, leitores, entendam que é bem difícil acompanhar essa dinâmica no formato de mensagens de texto que acabam subindo e se perdendo. No entanto, devo dizer que há uma artimanha nisso. Vou tratar dela em específico quando falar propriamente na analise do discurso deles. Por enquanto, vemos, então, que eles baseiam a ideia geral do grupo como “buscando uma mudança” (El Cambio). Essa mudança é uma mudança de governo e não se discute o que colocar no lugar.
Trata-se de uma característica interessante de ser observada junto à declaração de serem apartidários da “Geração Z”, seja lá o que isso signifique. Outro ponto que vira e mexe aparece ali é o de que a “Geração Z” é uma geração que tem sido muito julgada, e eles parecem usar isso para insuflar a vontade de mostrar o potencial dela.
Análise de discurso do grupo “Gen Z México” ou sobre o discurso do jovem desinteressado
Quero chamar a atenção aqui ao que podemos dar o nome de “discurso do jovem desinteressado”. Esse discurso tem se mostrado efetivo dentro do grupo. Ele é sabidamente mobilizado pelos habilidosos moderadores da “Geração Z”. Um perfil moderador do tipo ideológico havia dito que esses jovens são vistos como desinteressados, mas mostrariam que de fato têm interesses. Antes, porém, gostaria de mostrar que em alguns momentos perfis questionaram condutas odiosas de manifestantes. Porém, foram rapidamente neutralizados:

Vejam, no print disponibilizado, que um perfil questionou abertamente a pichação que fizeram contra a presidente como misógina e antissemita. Quando isso foi postado, um outro perfil lançou rapidamente um questionamento, digamos, interessadamente desinteressado sobre o que deveria ser feito ou não na manifestação. Diante desse e de outros momentos parecidos, pude perceber que esse movimento não é uma ocorrência de desvirtuamento ocasional de discussão. Na verdade, vários perfis desvirtuam programaticamente as discussões que, com isso, rapidamente se perdem, ofuscadas e superadas no fluxo de mensagens em esteira do Discord. Trata-se, portanto, de uma tática.
A pergunta interessada na troca de foco não foi respondida, simplesmente pairou no vazio do fluxo de mensagens. Contudo, ela foi ação suficiente para empurrar para longe o questionamento do perfil colega e seguir com outras mensagens que foram prontamente em outra direção e assunto.
Em outros momentos, perfis com discurso de esquerda, comunistas, anarquistas, passavam por uma espécie de escrutínio. Quando comentavam, outros perfis reagiam com emojis negativos. Ou tais perfis eram taxados de cara como “socialistas”, “esquerdistas”, ou se dizia que como o governo é de “esquerda”, “esquerdistas”, no geral, não podem ser confiáveis.
“Ven que el problema es la izquierda, desde 1922, puro populismo para ganar votos, y quieren seguir con lo mismo… En México no existe la verdadera derecha… Se necesita un cambio serio.“
Quando a discussão esquentava e perfis acabavam discordando sem fim, uma leva de perfis aparecia para conter a discussão. A justificativa é a de que o debate não é visto como algo bom ali dentro pois ele “divide”, “nos separa”. Nessa toada, um perfil disse que se fosse ver ali no grupo haveria mil filosofias: “se todos fossem expressá-las não haveria concórdia nenhuma”. Então era preciso reconhecer que estavam “juntos”, “lutando por algo em comum” e que não poderiam brigar ou se dividir.
WOW WOW UN MENTÓ CAMARADAS, SE LES HA DICHO NO DISCUTIR ENTRE NOSOTROS Y NO DIVIDIRNOS, NO SIEMPRE VAMOS A ESTAR DE ACUERDO EN FORMAS DE PENSAR, PERO TENEMOS UNA META, DERROCAR AL MAL GOBIERNO DE MORENA!!
ASÍ QUE NO DISCUTAMOS ENTRE NOSOTROS X FA!! 🆗
yonsan — 19:07
“camaradas”? 🤢
Esses movimentos táticos de reconciliação aconteciam em vários momentos e, reparem na divisão de funções, eram sempre os mesmos perfis neutros que apareciam para lembrar a todos que eles estavam ali por um “objetivo comum”. Qual o objetivo? Contra as coisas ruins que eles enxergam e não podem discordar. E essas “coisas”, como o narcotráfico, a pobreza e violência, não são discutidas em sua origem ou de onde vêm. Por outro lado, o que os perfis ideológicos fazem é conduzir o debate para mostrar que o governo é causa dessas mazelas.
Tampoco es para insultar, no se trata de dividirnos, estamos aquí porque queremos un cambio.“
A reflexão seguinte decorre do que se deu em torno de um pequeno manifesto escrito por um dos perfis (cá entre nós novamente, leitor, não consegui a foto original, mas você pode imaginar como é ter de ficar printando várias vezes um canal de Discord, é insuportável).
ATENCIÓN A DOS COSAS
1- EL MUNDO ENTERO, OPONENTES, SIMPATIZANTES Y MIRONES ESTAN MUY ATENTOS A LAS REDES DEL MOVIMIENTO POR LO DE AYER Y SERÍA UNA VERGÜENZA QUE LO QUE VEAN SEA A UN MONTON DE NIÑOS PELEANDO PORQUE HAY UN BULLY EN SU CHAT, CONCENTRENSE Y SIGAN ADELANTE
2- LA IDEA DE SUMAR MOODS ES BUENA, PROPONGO QUE SE PROPONGAN CANDIDATOS, DESPUES DE HAGA UNA ENCUESTA Y SE LES ASIGNE, ES UNA GRAN FORMA DE IR PRACTICANDO LA DEMOCRACIA PARA CUANDO RECUPEREMOS EL PODER DEL PAIS HACERLO BIEN…
PARA QUE VEAN QUE NO ES FÁCIL MANTENER EL CONTROL, TRUCHAS
ES MI APORTE
NO IDEOLOGÍA, NO AGENDAS, NO DIVISIÓN, LA UNICA AGENDA QUE PUEDE HABER ES 🇲🇽“
Veja que é considerando uma série de regras tácitas que eles se propõem a “praticar uma democracia” dentro do grupo. O problema é que, por causa delas, há vários entraves para isso. O primeiro deles é que, num grupo de pouco mais de 300 perfis, poucos se expressam de fato. Lembremos que ali existem perfis ideológicos, perfis neutros e eles se mobilizam para criar uma imagem do que é, de fato, o retrato final da “posição do grupo”. Nessa “prática de uma democracia”, eles acabam contradizendo as próprias propostas de “não à ideologia” ou “apartidarismo”, pedindo, inclusive, para os perfis votarem em candidatos caso houvesse uma eleição dentro do grupo que decidisse os rumos do país.

Com o tempo, o discurso sem ideologia e sem partido passa, portanto, a ter balizas muito claras: em primeiro lugar, o discurso do jovem desinteressado aparece sem muitas pretensões, um exemplo disso é o perfil que disse “só quero que minha mãe tenha condições de ter seus remédios”. Pouco a pouco, balizas começam a ser impostas por meio de discursos de perfis ideológicos que colocam o campo da esquerda como algo ruim, pois eles é que estão no poder e, por isso, são os responsáveis pelos problemas. Esse discurso se mantêm e se consolida com critica a “regimes ditatoriais”, sendo os exemplos mais frequentes de modelos Venezuela e Cuba. Para os perfis ideológicos esses lugares são ditaduras sanguinárias e dizem conhecer pessoas que fugiram de lá. Até mesmo um perfil disse que veio de Cuba porque fugiu da ditadura de lá.
“Para bien o para mal, soy cubano mexicano, y ya me ha tocado enfrentarme a la dictadura en Cuba antes. Lamentablemente, hay que tomar precauciones.”
O principal problema da democracia praticada desde o Discord é que, de entrada, se diz e se afirma a possibilidade da expressão livre. Contudo, o Discord é manobrado com várias ferramentas que limitam o tempo em que se pode comentar. Esse é o principal instrumento que a moderação usa para frear discussões. Quando uma pauta é colocada, para que não haja muita discussão, eles ativam o “Modo Lento” no envio de mensagens, quando não bloqueiam alguém de se expressar. Outra manobra utilizada é a de criar subcanais com acesso restrito, ou mesmo ignorar pautas colocadas em meio ao enxame de comentários. Por essas e outras, a democracia praticada por dentro do Discord é para poucos.
Claro, pero el cambio se hace cuando la gente actúa, no cuando opina. Somos ~132,000,000 de mejicanos. No necesitamos a la mayoría, necesitamos un 10%, y con eso.”

Na madrugada de segunda-feira, houve uma “assembleia”na qual falavam 7 perfis, como vemos na foto ao lado. Eles é que são os moderadores do grupo. Na ocasião, ninguém mais era deixado falar, a não ser um ou outro perfil pinçado da “plateia”, da “assembleia” no Discord. Ao longo dessa conversa assistida, eles discutiram muitas coisas. Dentre elas, as próximas manifestações. Uma delas ocorrerá no próximo dia 20. Ao comentá-las, eles dizem saber que estão em menor número e querem usar a manifestação para aparelhar e conseguir membros para o grupo. O foco agora é conseguir apoio de jovens nas universidades. Decisão, inclusive, alvo de um golpe silencioso da moderação, pois nem todos queriam marchar nas universidades. Discutiram também que só encontrariam apoio entre os “fazendeiros” (granjeros), como ocorreu em outros lugares do mundo, Argentina o exemplo. Nessa linha, o mote para angariar apoio dos “fazendeiros” seria uma pauta contra impostos que uniria os manifestantes aos fazendeiros. Seu discurso, por um lado, se atenuou quanto ao tom golpista, mas, por outro, continua em busca de apoio.

Dagoberto, o último iluminista.
AS PESSOAS PRECISAM VER ISSO! VOCÊS PRECISAM SABER O QUE ESTÁ ACONTECENDO. OH CÉUS…




