Amanda Armstrong, fevereiro de 2008

Neste artigo, Amanda traça um paralelo quanto à questão do tempo em Marx e Freud. A ascensão do comunismo como um “ponto de corte” no tempo sob o capitalismo, que acumula a história alienadamente, é curiosamente similar ao que almeja a terapêutica freudiana: desvelar um passado que é alienado do indivíduo (seu inconsciente) e que domina seu presente, para que, armado dessa sua história individual, possa avançar em direção ao futuro.

A essência da emancipação seria, portanto, uma mudança temporal: é necessário usar o próprio presente do capitalismo, no qual a história existe não como passado, mas como um “presente eterno” (o que reforça os paralelos entre o capital marxiano e a pulsão de morte freudiana), para desalienar a história social, permitindo um salto em direção ao futuro.

Em duas ocasiões, Sigmund Freud observou que a política, a pedagogia e a psicanálise são todas profissões impossíveis. Cornelius Castoriadis tentou dar sentido a essa observação enigmática em um ensaio de 1994 intitulado Psicanálise e Política, no qual argumenta que, além de essas três “profissões” serem estruturalmente análogas, elas também estão entrelaçadas umas com as outras de tal forma que a “impossível” realização dos objetivos pedagógicos ou psicanalíticos depende, em última análise, de uma transformação política emancipatória.

A impossibilidade da psicanálise, assim como da pedagogia, reside no fato de que ambas tentam auxiliar na criação de autonomia para seus sujeitos utilizando-se de uma autonomia que ainda não existe. Isto parece ser uma impossibilidade lógica…. Mas a impossibilidade também aparece, especialmente no caso da pedagogia, na tentativa de produzir seres humanos autônomos dentro de uma sociedade heterônoma. A solução para este enigma é a tarefa “impossível” da política — tanto mais impossível, uma vez que também deve apoiar-se em uma autonomia ainda não existente, a fim de trazer seu próprio tipo de autonomia à existência.¹

A análise de Castoriadis da “possibilidade impossível” da política emancipatória, embora deformada por sua tendência a tratar formações sociais dinâmicas como estados estáticos de ser (isto é, “autonomia”), transmite, de forma parcialmente velada, certas dimensões importantes da política marxista. Primeiro, tornando análoga a emancipação social à pedagogia e à psicanálise, Castoriadis a posiciona ao longo de um eixo temporal, indicando que os marxistas devem se esforçar para trazer uma ruptura, no tempo, entre uma era caracterizada pela “independência pessoal fundada na dependência objetiva”², e uma era subseqüente caracterizada por uma forma de liberdade social mais arrebatadora. A natureza essencialmente temporal (e não espacial) dessa “quebra” pela qual anseia foi muitas vezes esquecida na esquerda — uma amnésia que teve consequências desastrosas para o projeto de emancipação social.

Em segundo lugar, a formulação paradoxal de Castoriadis sobre a (não) existência das condições para a autonomia social indica, embora de maneira altamente atenuada, algo significativo sobre o fundamento sobre o qual um possível futuro socialista poderá ser construído. Como Marx argumentou nos Grundrisse, uma transição emancipatória para uma sociedade pós-capitalista implicaria a abolição do valor como forma de mediação social e a libertação da riqueza social e das capacidades humanas acumuladas de forma alienada sob o capitalismo³.

Em outras palavras, a forma social que atualmente frustra a emancipação social—isto é, o capital—também constituiria a base sobre a qual uma sociedade socialista seria construída. Assim, em certo sentido, é correto dizer que não existe uma base social atualmente constituída para a emancipação, mas que a base da emancipação pode, não obstante, ser encontrada na sociedade contemporânea. Se este não fosse o caso, como Marx observou nos Grundrisse, “então todas as tentativas de explodir [a sociedade capitalista] seriam quixotescas”.⁴ Como Moishe Postone argumenta:

A especificidade da dinâmica dialética do capitalismo, como analisada por Marx, implica em uma relação de passado, presente e futuro muito diferente daquela implícita em qualquer noção linear de desenvolvimento histórico…. No capitalismo, o tempo histórico objetificado é acumulado em uma forma alienada, reforçando o presente e, enquanto tal, domina os vivos. No entanto, também permite a libertação das pessoas do presente, por debilitar o seu momento necessário, tornando assim possível o futuro — a apropriação da história de modo que as relações mais antigas sejam invertidas e transcendidas. Ao invés de uma forma social estruturada pelo presente, pelo tempo de trabalho abstrato, pode haver uma forma social baseada na plena utilização de uma história não mais alienada, tanto para a sociedade em geral quanto para o indivíduo.⁵

Em uma breve nota de rodapé anexada a essa passagem, Postone observa:

Seria possível traçar um paralelo entre essa compreensão da história da formação social capitalista e a noção freudiana da história individual, em que o passado não aparece como tal, mas sim de uma forma velada e internalizada que domina o presente. A tarefa da psicanálise é desvelar o passado de tal forma que sua apropriação se torne possível. O momento necessário de um presente compulsivamente repetitivo pode, desse modo, ser superado, o que permite ao indivíduo avançar para o futuro.⁶

Com esta nota de rodapé, voltamos à analogia entre a psicanálise e a política emancipatória na qual começamos. No que se segue, quero tentar abrir algumas incursões para pensar sobre o significado dessa analogia — é apenas uma coincidência, ou podemos oferecer uma explicação sobre por que Freud formulou uma teoria da emancipação individual que era tão chocantemente análoga à formulação de Marx da relação entre história e emancipação?

Uma maneira de fazer inserções nessa comparação entre as concepções de tempo e emancipação de Marx e Freud é através de uma análise da teorização de Freud sobre a “compulsão à repetição” – uma compulsão hipotética para a qual, em seu ensaio metapsicológico “Além do Princípio do Prazer”, Freud encontra evidências em vários fenômenos sociais e psicológicos (a partir de várias fases de desenvolvimento e eras históricas). Ele chega a sugerir que essa “compulsão” pode apropriadamente ser entendida como uma “necessidade inerente à vida orgânica de restaurar um estado anterior de coisas que a entidade viva foi obrigada a abandonar sob a pressão de forças externas perturbadoras”.⁷

O parágrafo em que esta citação está inserida é diretamente precedido por uma discussão da tentativa do psicoterapeuta de ajudar seu paciente a superar um presente compulsivamente repetido, indicando que Freud conceitualizou o objetivo psicoterapêutico de ajudar um paciente a avançar para o futuro de alguma forma contínua com, ou relevante para, um problema histórico-mundial mais amplo, concernente ao “instinto de morte” socialmente geral – um problema que ele exploraria mais extensivamente em “O Mal-estar na Civilização”.

A mudança rápida e subteorizada de níveis de análise de Freud nesses parágrafos, também como em outros pontos ao longo de seus escritos, leva-me à hipótese de que Freud identificou parcialmente seus pacientes individuais com a sociedade e que, ao desenvolver sua prática psicanalítica, estava  — em parte — formulando um modelo velado de como a sociedade poderia superar a “compulsão a repetir” imposta pela forma-valor da mediação social e, assim, perceber as possibilidades para a emancipação humana imanentes no presente.

Presumindo que esta explicação da analogia entre psicanálise e política emancipatória é plausível, nós (como historiadores de esquerda) podemos formular uma avaliação histórica ambivalente de Freud: por um lado, ele promoveu uma concepção da dimensão temporal da emancipação em um momento histórico no qual muitos teóricos sociais da esquerda estavam mudando para um quadro espacial de referência — uma mudança que ainda assombra a Esquerda; por outro lado, ao identificar parcialmente os indivíduos com a sociedade (em vez de — como Marx ou Adorno — analisar a maneira pela qual, no capitalismo, o indivíduo media a sociedade), Freud preparou o terreno para Herbert Marcuse e outros freudo-marxistas da Nova Esquerda, que substituíram a emancipação social por um “desejo” reificado como o desideratum [objeto de desejo/condição] da política de esquerda.


[1] Cornelius Castoriadis, World in Fragments: Writings on Politics, Society, Psychoanalysis, and the Imagination, Ed. & Trad., David Ames Curtis (Stanford University Press, 1997) 131.

[2] Karl Marx, Grundrisse, Trad. Martin Nicolaus (London: Penguin and New Left Review, 1973) 158.

[3] Ibid, 704–712.

[4] Ibid, 159.

[5] Moishe Postone, Time, Labor, and Social Domination: A Reinterpretation of Marx’s Critical Theory (Cambridge University Press, 1993) 377.

[6] Ibid, 377, n. 131.

[7] Sigmund Freud, “Beyond the Pleasure Principle,” The Freud Reader, Ed. Peter Gay (New York: Norton and Co., 1989) 612. Ênfase adicionada.


Autora: Amanda Armstrong
Data de publicação: Fevereiro de 2008
Original:
https://platypus1917.org/2008/02/01/on-the-relationship-between-psychoanalysis-and-emancipatory-politics-castoriadis-marx-and-freud-on-time-and-emancipation/
Tradução: Cian Barbosa [Tradutores Proletários]
Revisão: Eliel Micmás [Tradutores Proletários]

Arte de capa: Eliel Micmás [Tradutores Proletários]
Recursos utilizados:
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https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Coast_watch_(1979)_(20660236845).jpg
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https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sigmund_Freud_1926.jpg

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