Resposta ao texto “Ação direta: agitação performática ou tática revolucionária?”, de Matheus Miranda, publicado no LavraPalavra no dia 16 de julho.

Tenho um lado irônico. Tenho um lado insuportável. Tenho um lado amável. E cada um tem o meu lado que merece.

– … because something is happening here but you don’t know what it is. Do you, Mr. Jones? 

– Eu sei exatamente o que está acontecendo aqui. A história é o processo pelo qual as massas tomam consciência de sua tarefa. O partido é o agente do movimento que dinamiza essa história. Esse movimento é refletido fora das consciências pela ação das massas organizadas pelo partido. A política organiza a história, o partido organiza a política. A revolta contra o partido é uma revolta contra a política. A revolta contra a política é o entrave da história. O autonomismo é uma revolta contra o partido. Logo, o autonomismo é o entrave da história. Os autonomistas não querem fazer trabalho de base. Os autonomistas não querem fazer trabalho de base porque não estão realmente interessados em transformar o mundo. O que os autonomistas realmente querem, o que eles realmente querem é dar vazão a um ímpeto pequeno-burguês. Os autonomistas são falsos heróis. Os autonomistas não querem transformar o mundo. Os autonomistas não entendem o critério para o sacrifício. São moleques, os autonomistas! Os autonomistas não sabem o que é o verdadeiro sacrifício do militante. Os autonomistas estão cansados de jogar videogame, e é por isso que eles vão para a rua fazer merda. Eles acham que na rua podem ser iguais aos heróis que vêem nos programas de televisão que assistem. São fetichistas, os autonomistas! Derrotistas. Não aceitam se submeter à disciplina regrada pelo partido porque são pequeno-burgueses. Eu sei exatamente o que está acontecendo aqui. Se são revolucionários, os autonomistas, se eles são revolucionários por que então não ocupam bancos e prédios da administração pública? Por que não ajudam a construir a greve geral? Por que se recusam a distribuir sopa nas favelas, a panfletar em porta de fábrica? Me desculpe, mas a maioria dos autonomistas é assim. Eu sei que as generalizações são perigosas, eu sei que há exceções. Mas é fato que a maioria dos autonomistas está pouco se fodendo para a transformação real do mundo. São jovens que ainda não encontraram maneiras menos destrutivas de dar vazão a um ímpeto pequeno-burguês sacana. E que, depois que vão presos, pedem a nossa ajuda! A nossa solidariedade! É óbvio que não gostaria que nenhum camarada de luta fosse submetido a esse tipo de situação. Mas é bom que isso aconteça para esses autonomistas aprenderem. Eu sei exatamente o que está acontecendo aqui.

– Você sabe muita coisa. Sabe coisa demais. Esse é seu problema, na verdade. Eu sei muito pouco, e não falo das coisas que sei. Eu poderia dizer para você alguma coisa como: “a fixão na figura do herói é a ficção da política como narrativa do herói. Não há heroísmo nenhum na política. Nenhum autonomista se enxerga como herói de coisa nenhuma. É sua miopia que te faz enxergar as pessoas como se elas se enxergassem como heroínas. A sua miopia, que não é senão sua insistência em ficcionalizar procedimentos de experimentação segundo formas da estética clássica”. Eu poderia dizer outras coisas, também. “O que informa seu pensamento do engajamento político é o romance de formação, que é a escrita da interiorização em processo de saberes acumulados através do confrontamento da consciência com a realidade. Você só é capaz de pensar a inovação formal como superação regrada pelo trabalho do negativo, como desdobramento de uma contradição imanente à forma que se trata de superar”. Essas duas coisas são muito parecidas, as duas coisas que eu poderia dizer. Mas há ainda outras coisas: “o que permanece insabido nisso tudo é simplesmente que HAJA ORGANIZAÇÃO. Os maoístas franceses costumavam dizer, em 68 e nos anos que se seguiram: há razão em se revoltar. Desse jeito impessoal mesmo. Não diziam que tinham razão, mas que havia razão. O que é pensado nisso é que a revolta organiza sua própria racionalidade. Que a política se organiza como história de uma sequência que informa a própria historicidade de seu desdobramento enquanto sequência.” Isso já é um pouco diferente. Uma outra coisa: “a forma-partido no Brasil é uma forma fora de lugar”. Agora, isso eu só não vou dizer porque não gosto muito do Roberto. O que eu quero dizer, e vou dizer mesmo, é que você é em política como o Roberto era em estética. Vocês sabem muita coisa. Vocês são verdadeiros formadores de gosto. E o gosto que vocês têm formado é um gosto de merda. “O pensamento da inovação formal enquanto uma experimentação afirmativa escapa à caretice da filosofia crítica. O paradigma: o rigor e a incerteza dos processos demonstrativos na matemática. A passagem pelo absurdo, a necessidade de se sustentar hipóteses improváveis. A possibilidade de se descobrir o contrário daquilo que se esperava. A dificuldade e o esforço. A proliferação de disciplinas homogêneas e qualitativamente distintas. A exteriorização da forma ao invés da interiorização do conteúdo”. Se os matemáticos fossem em matemática como você é em política, como o Roberto é em estética, nós estaríamos fodidos! “Os filósofos até hoje se limitaram a interpretar o mundo. Isso por si só não é um grande problema, mas a coisa se complica com o fato de que os filósofos são péssimos intérpretes. Ou intérpretes bons demais. A filosofia é o entrave da história. O pensamento crítico é o entrave da história. Os filósofos até hoje se limitaram a interpretar o mundo, é preciso, pelo contrário, que calem a boca. A vez deles há de chegar, e eles poderão fazer suas filosofices. Não é o momento. Careta é o nome daquele que quer pensar criticamente onde ninguém pediu a sua opinião”. Há outras coisas que eu sei e que poderia dizer. “A concepção da política enquanto sacrifício é a iteração do dispositivo biopolítico responsável por determinar, a cada momento da história, quais são os corpos passíveis de serem assassinados violentamente sem que haja consequências. Na modernidade, o capital incorporou esse dispositivo, assim como todos os outros, à sua lógica operativa. A luta contra o capital é, portanto, uma luta contra o sacrifício. A política é a interrupção do sacrifício. A política é o pensamento da violência consequente.” Eu poderia dizer também algumas outras coisas, mas eu não vou dizer nada disso porque a verdade é que não prestei atenção no que você disse depois de um certo momento. Você diz muitas coisas que não importam. Nada do que você diz importa, na verdade. Você é um tremendo de um careta. Eu só estou sendo sincero. As coisas que poderia ter dito, essas coisas todas são coisas que eu teria dito se estivéssemos conversando e se eu quisesse que você soubesse o que penso dos absurdos que você sai falando por aí. Mas a verdade é que você já sabe de tudo isso, você sabe de muitas coisas. E esse é o seu problema.


VIDRAÇEIROS DE TODO O MUNDO, UNI-VOS!


No que nos toca, tivemos no ato de sábado a prisão de alguns integrantes do dito “bloco combativo” do bloco combativo, entre eles, Matheus Machado, que segue preso (quando da data da redação) por falsas alegações de violência contra um segurança da linha amarela do metrô e de furto de seu capacete. É inquestionável a urgência e exigimos a soltura do companheiro camarada preso injustamente, mas que sirva de lição para todos nós o que pode acontecer quando nos expomos demais em nossas redes sociais. Eu mesmo conversei algumas vezes com esse companheiro sobre o quão impróprio é o uso que faz de suas redes, e muitos outros camaradas fizeram o mesmo. Ficou claro em sua detenção que os policiais o conheciam, fizeram questão de prendê-lo e ainda disseram que sua prisão era “questão de honra”. Não somos Marighella, Fidel, Angela Davis, Não temos (ainda) milhões ao nosso lado e organizações com verba e estrutura para fazer nossa defesa em corte e agitar a opinião pública massivamente por nossa liberdade. Não lutamos para ser mártires, lutamos para sermos LIVRES DE TODA EXPLORAÇÃO. Liberdade para Matheus JÁ! Mas sem heroísmo, saudosismo e fetiche derrotista por mártires.


… because something is happening here but you don’t know what it is. do you, mr. jones?

El baile de las ratas, de Ferdinand van Kessel

a fanfarra clandestina deixou você fodido da cabeça usando o esgoto de caixa de som os ratos dançando alucinados e as baratas dançando alucinadas e as pombas cantando junto com os trompetes nas pontas dos trompetes os buracos dos trompetes e as bocas por através dos buracos soprando e arfejando e suspirando pombas sujas mastigadas voando alucinadas para fora dos buracos dos trompetes os ratos escalando as pernas dos trompetistas e comendo as baratas que saem alucinadas de dentro dos bolsos das calças dos trompetistas as baratas subindo alucinadas pelas paredes do esgoto e subindo por dentro das calças dos trompetistas e cavando buracos nos bolsos das calças dos trompetistas os ratos alucinados com saliva escorrendo de suas bocas atrás de baratas mastigando pombas os ratos mastigando pombas enquanto dançam alucinados atrás das baratas que saem alucinadas dos bolsos das calças dos trompetistas os buracos dos trompetes apontados para dentro do esgoto onde ratos e baratas alucinadas mastigam pombas vomitadas pelas bocas dos trompetistas nas pontas dos trompetes as pombas botam ovos e as baratas dançam alucinadas por entre os ovos pisando do lado dos ovos em cima dos ovos chutando os ovos mastigando os ovos os ratos mastigando as baratas pisoteando os ovos os ratos pisoteando os ovos saltando alucinados de um ovo para o outro enquanto mastigam as pombas que cantam junto com os trompetes e botam ovos enquanto mastigam baratas e os ovos são sugados pelos trompetes engolidos pelos trompetistas mastigados e cuspidos para fora dos buracos dos trompetes e pousam nas peles das baterias e pulam por sobre essas peles de uma pele até a outra a gema se esparramando nas peles que ficam coloridas de amarelo e os ratos pulam por sobre os bateristas para alcançar a pele e lamber as gemas e mastigar os pedaços de gemas que pulam por sobre as peles das baterias a forma abjeta emerge do esgoto e você pode sentir o chão tremer você pode sentir o chão se abrir por debaixo dos seus pés os seus pés sendo puxados para dentro da terra diretamente da sua reunião com a polícia militar do estado de são paulo você pode enxergar a fenda que se abre na pedra e você pode enxergar a dança das baratas o banquete dos pombos a orgia dos ratos a noite de valpúrgis o movimento efetivo de destruição do atual estado de coisas você pode ouvir o som dos trompetes ecoando pelas paredes da fenda que se abre e se estende do esgoto fazendo jorrar mil um milhão de ovos mastigados pisoteados estourados pintando tudo de amarelo deixando seu corpo todo melado o som dos trompetes um pinta as árvores de amarelo a gema escorrendo pelos troncos fetos de pomba mastigados alucinados comidos por baratas alucinadas e ratos pisoteando os ovos dois o esgoto escorre no mar o mar dois terços pegajoso dois terços amarelo dois terços fetos de pomba flutuando e ratos alucinados pulando de um feto para o outro atrás das baratas que mastigam ovos de baratas três nada teve lugar exceto talvez uma constelação quatro o sol coberto de fetos de pombas cinco você pode sentir o chão se abrir por debaixo dos seus pés os ratos subindo pelas paredes da fenda que se abre no chão embaixo de seus pés subindo pelas suas pernas saindo de dentro de seus bolsos alucinados dançando ao som dos trompetes mastigando baratas alucinadas pisoteando fetos de pomba manchando tudo de amarelo seis o fogo a fumaça o enxofre fetos de pombas vomitando enxofre e fogo e fumaça e os ratos dançando alucinados atrás das baratas que mastigam ovos cobertos de enxofre um pedaço de madeira um pneu uma garrafa de cerveja uma bituca de cigarro um pedaço de pano um tapume uma camiseta velha um chumaço de cabelo uma meia suja uma cueca fedida uma calcinha melada tudo isso espalhado a desconsolação a desconsolação os carros de som se arremessando para dentro do esgoto cordões de crianças e idosos se arremessando para dentro do esgoto pintados de amarelo pegajosos melados cobertos de enxofre professores se arremessando para dentro do esgoto professores de professores se arremessando para dentro do esgoto você pode sentir o cheiro do esgoto você pode sentir o gosto do esgoto você pode sentir os ratos do esgoto subindo pelas suas pernas as baratas do esgoto subindo pelas suas pernas você pode sentir um feto de pomba entalado na sua garganta lideranças sindicais dirigentes do partido funcionários públicos se arremessam para dentro do esgoto o enxofre o fogo a fumaça o que corre no esgoto o que corre no esgoto o que corre no esgoto

o que corre no esgoto, mr. jones? sete: ai!

Nota do editor – sobre estátuas queimadas e o que se seguiu à queima.

1.

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros falos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
as vá tecendo, entre todos os galos.

2.


E se encorpando em tele, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

– João Cabral de Melo Neto, Tecendo a manhã.


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