Retomando a crítica da economia política na crítica social

O projeto de reexaminar a crítica da economia política de Marx, no fim dos anos 60, por pupilos de Horkheimer e Adorno, é atualmente conhecido como Nova Leitura de Marx (NLM). Esta nova leitura de Marx, protagonizada principalmente por Alfred Schmidt, Hans-Georg Backhaus e Helmut Reichelt, pretendia libertar Marx dos esquemas engessados da ortodoxia marxista. Neste artigo, tentaremos reconstruir os pontos de partida deste projeto, estabelecendo suas raízes na teoria crítica social de Adorno. A partir dessa perspectiva, examinaremos a abordagem original da NLM à teoria do valor de Marx, sua compreensão do caráter lógico desta teoria, e de como as contradições da forma-mercadoria e do duplo caráter do trabalho implicam uma autonomização da sociedade. Por fim, esboçaremos alguns problemas da NLM, para uma crítica e um diálogo produtivos.

O nascimento da Nova Leitura de Marx

         Conforme algumas interpretações, Marx teria proposto uma teoria do valor-trabalho revisada a partir daquela desenvolvida por David Ricardo. Tais interpretações tendem a forcar nas duas primeiras subseções do capítulo primeiro do Capital, deixando em segundo plano as subseções referentes à forma do valor e ao caráter fetichista da mercadoria. De acordo com essa abordagem, Marx primeiramente analisa a mercadoria como um duplo de valor de uso e valor de troca. Depois, ele argumenta que por trás do valor de troca deve haver algo comum às mercadorias trocadas que fundamenta sua comensurabilidade, isto é, o valor. Por fim, ele conecta o valor ao trabalho. Isto pode parecer tudo; porém, se pararmos neste ponto, perdemos o cerne da teoria do valor de Marx.

         Aquilo que efetivamente distingue a crítica da economia política de Marx das teorias econômicas anteriores e posteriores é a teoria da forma do valor. A crítica da economia política de Marx pretende responder às seguintes perguntas: Por que valor? Por que o valor não é nada além de uma expressão do trabalho? Quais são as condições que possibilitam a existência do valor, que é uma “dimensão social objetiva” de acordo com a qual as mercadorias são trocadas? E por que o conteúdo do valor (isto é, o trabalho) assume a forma de uma coisa – isto é, o dinheiro?[1] Estas perguntas, as quais podem ser encontradas mais ou menos explicitamente no Capital e nos seus trabalhos preparatórios (ao menos a partir dos Grundrisse), não foram, com algumas raras exceções, devidamente enfrentadas pelos intérpretes e seguidores de Marx.

         Isto mudou nos anos 60 com as contribuições de Backhaus, Reichelt e Schmidt. Emergindo da Escola de Frankfurt no auge de sua influência sobre a Nova Esquerda (New Left) no pós-guerra, eles contribuíram decisivamente para a revitalização do estudo de Marx na Alemanha Ocidental. As questões gerais abordadas foram a relação de Marx com Hegel, a continuidade ou não de sua teoria do valor em relação à economia política, o caráter do seu materialismo, e assim por diante. Contudo, no cerne dessas questões, estava a radicalização da ruptura de Marx com a economia política clássica, especialmente com Ricardo, e a consequente ruptura com o marxismo clássico. Uma nova abordagem heterodoxa de Marx emergiu[2].

         Backhaus pode ser considerado como o precursor da NLM. Em 1965, ele apresentou um seminário como parte do curso de Adorno na Universidade de Frankfurt. Sob a influência de Adorno, ele elaborou os elementos essenciais da nova interpretação de Marx. Quatro anos mais tarde, ele publicou seu ensaio mais conhecido e amplamente traduzido, “On the Dialectics of the Value-Form”. Este foi o esboço do programa de pesquisa que se tornou a NLM. Backhaus via na recepção consolidada da crítica da economia de Marx uma confusão entre sua teoria do valor e a de Ricardo, e uma consequente incompreensão da especificidade da abordagem marxiana da economia política. Tal incompreensão incluía: tratar o “método de exposição” dialético de Marx como mera fraseologia ou como a reprodução lógica de um processo histórico; tratar sua exposição sobre a forma do valor como uma abordagem histórica da emergência do dinheiro, ou simplesmente ignorá-la por completo. Conforme Backhaus: “A interpretação ‘economicista’… perde a intenção crítica da teoria do valor de Marx: a ‘Crítica da Economia Política’ é tratada como uma teoria econômica entre muitas outras”[3]. No entanto, Backhaus também notou que a incompreensão da concepção de Marx acerca das formas não é uma simples falha em entender o que Marx escreveu, tendo em vista que o próprio Marx não foi capaz de desenvolver uma exposição definitiva da forma de valor. Assim, a única maneira de compreender a intenção crítica da dialética da forma do valor é por meio da sua reconstrução a partir das exposições parciais em diversos textos de Marx, seguindo as diferentes versões do argumento desde 1859 (Contribuição para a Crítica da Economia Política) até a segunda edição do Capital.

         Tanto Backhaus quanto Reichelt atribuem o nascimento da NLM a quando Backhaus esbarrou numa cópia da primeira edição do Capital na biblioteca da Frankfurter Walter-Kolb-Studentenheim, em 1963: “após uma primeira análise, foi possível perceber uma diferença categorial na construção dos conceitos e na formulação dos problemas da teoria do valor, que, na segunda edição, foram apenas esboçados”[4]. Backhaus começou a examinar o texto num grupo de trabalho com Reichelt, Walter Euchner, G. Dill, Gisela Kress, Gert Schäfer e Dieter Senghaas. O que eles acharam mais interessante foi a presença de uma contradição dialética na análise da “forma equivalente” do valor, algo que era mais difícil de detectar na segunda edição do Capital. O conceito hegeliano de “duplicação” (Verdopplung) – naquela época analisado por Karl Heinz Haag (um assistente de Horkheimer) e usado por Marx na exposição da forma de valor na primeira edição – assumiu um novo sentido lógico[5].

         A partir dessa perspectiva, a dialética de Marx no Capital tinha de ser tratada como uma questão lógica, e não como uma vaga fraseologia filosófica vazia de consequências teóricas. Na verdade, o ponto de partida da NLM é a redescoberta crítica do método de exposição de Marx. Os conceitos dialéticos de contradição, duplicação, aparência, manifestação fenomênica, substância, entre outros, foram expurgados das leituras ortodoxas e/ou “economicistas”. Para a NLM, ao contrário, eles se tornaram a chave para compreender a crítica da economia política de Marx.

O legado de Adorno

         Reichelt afirma que a descoberta da primeira edição do Capital não teria nenhuma consequência se tivesse ocorrido com alguém que não compareceu às palestras de Adorno sobre a teoria dialética da sociedade[6].  Isto porque a originalidade da crítica da economia política de Marx encontra-se naquilo que Adorno chamou de “anamnese da gênese”. A crítica da economia política de Marx representa, na verdade, uma teoria da constituição da sociedade como uma realidade subjetiva-objetiva[7]. Como explica Backhaus: a sociedade é “objetiva” uma vez que é “universalidade abstrata que submete e domina os particulares”[8]. Ao mesmo tempo, a sociedade é subjetiva “porque existe e se reproduz tão-somente através dos seres humanos”[9].

         O conceito de sociedade como uma realidade subjetiva-objetiva foi essencial para Adorno: uma sociedade na qual a troca é sistematicamente dominante “expande a natureza de uma forma heterônoma”[10]. Numa sociedade de trocas, a reprodução das condições sociais se assemelha a uma necessidade natural; a sociedade capitalista é uma estrutura específica na qual as ações dos indivíduos erigem um âmbito objetivo que domina os próprios agentes sociais. O modo de produção capitalista destrói a antítese entre natureza e história. A legalidade a qual os agentes sociais estão submetidos é uma construção social, mas essa construção social atua sobre os agentes sociais como uma lei da natureza: “a objetividade da vida histórica é a mesma de uma história natural”.[11] A teoria social dialética deve demonstrar que “a sociedade – que se tornou independente – na verdade, não é mais inteligível; apenas a lei do tornar-se independente (the law of becoming independent) é inteligível”.[12]

         A sociedade capitalista é uma totalidade, uma universalidade, de acordo com Adorno: “não há nada socialmente factual que não encontra seu lugar nessa totalidade. Está pré-estabelecida para todos os sujeitos individuais na medida em que eles mesmos obedecem às suas restrições”.[13] E a troca é o princípio sintético que imanentemente determina a conexão de todos os fatos sociais.[14] A troca realiza a conexão social “objetiva”.[15] É o princípio de mediação que garante a reprodução da sociedade através de um processo de abstração que “implica a redução dos produtos trocados a seus equivalentes, a algo abstrato, e de maneira alguma – como o debate tradicional sustenta – a algo material”.[16]

         Adorno sustenta que é possível, a partir da análise da troca, compreender a autonomização da sociedade que caracteriza a sociedade capitalista. A abstração presente em cada troca não é subjetiva, porque é “independente tanto da consciência dos seres humanos submetidos a ela quanto da consciência dos cientistas”.[17] No modo de produção capitalista há um princípio de “redução à unidade” que permite a troca entre mercadorias. “O que torna as mercadorias trocáveis é a unidade do tempo de trabalho abstrato e socialmente necessário”. Mas tal unidade não é determinada por meio de um processo subjetivo de abstração executado pelos envolvidos na troca; ao contrário, “tempo de trabalho abstrato abstrai as pessoas reais envolvidas”, as quais são incorporadas a uma relação social que se torna autônoma[18]. O dinheiro é “aceito pela consciência leiga como uma forma de equivalente auto evidente e por isso como um meio de troca auto evidente (que) livra as pessoas da necessidade de tal reflexão”[19]. Portanto, o insight de Marx sobre o caráter fetichista da mercadoria, do dinheiro e do capital é a chave para compreender a autonomização da sociedade, de acordo com Adorno: “O conceito de fetichismo da mercadoria é nada mais que o processo necessário de abstração, o qual se apresenta para a economia como um processo natural, ‘um estado inerente de coisas’ (a being-in-itself of things)”. O caráter dialético da troca se fundamenta no fato de que “de um lado, o fetichismo da mercadoria é uma aparência; de outro, é uma realidade cabal [äußerste Realität]”[20]. É uma aparência uma vez que aquilo que é percebido como natural advém de relações sociais nas quais os agentes sociais estão integrados; é real uma vez que a redução à unidade transcende a consciência dos agentes, impondo uma legalidade “objetiva” sobre eles.

         Uma teoria dialética da sociedade tem de ser capaz de compreender o processo de autonomização da sociedade e, ao mesmo tempo, explicar o “desaparecimento de sua origem social”. Isto é formulado de forma incisiva por Adorno em um debate com Alfred Sohn-Rethel: “Materialismo histórico é a anamnese da gênese”[21]. Ela expõe a lei da autonomização da sociedade e o apagamento teórico desse processo. Esse é o fundamento da teoria crítica social de Adorno e o ponto de partida da NLM.

A conexão entre autonomização da sociedade e a análise da troca é o mais importante de se pontuar, tendo em vista que permanece apenas de forma embrionário nos escritos de Adorno. Em 1965, Adorno ainda expressou a necessidade de uma “análise sistemática-enciclopédica da abstração da troca”[22]. Mas ele nunca a realizou. Reichelt convincentemente observa que, nas reflexões de Adorno sobre troca e abstração real, “estão resumidos todos os tópicos da teoria dialética, mas todos os argumentos permanecem meras afirmações”[23]; e que “toda a teoria crítica depende da elucidação dessa ‘abstração objetiva’. Se não for possível elaborar este ‘conceito objetivo’, todos os outros conceitos da teoria crítica… estão expostos à acusação de serem especulação”[24]. A NLM pode, portanto, ser compreendida como um projeto de aprofundar e até mesmo fundamentar a teoria crítica social de Adorno.

Perspectivas Hermenêuticas

         Enquanto o marxismo ocidental privilegiava as primeiras obras de Marx como uma chave para a compreensão de suas obras de maturidade, a NLM lê a crítica da economia política de Marx como a chave para a compreensão de sua obra como um todo. A crítica da economia política é vista como um projeto inacabado, para o qual Capital e os seus manuscritos preparatórios são apenas a exposição do “conceito universal de capital”. Além disso, a NLM afirma que este conceito universal de capital não foi completamente desenvolvido por Marx em sua exposição, precisando ser reconstruído a partir das outras obras de Marx. Para compreender a crítica da economia política, é necessário compreender as implicações do método de Marx. Não é possível separar o modo de exposição do conteúdo econômico. Precisamos seguir o modo dialético da exposição da teoria, e frequentemente ir até mesmo além das formulações de Marx. Esta é uma perspectiva que a NLM compartilha com a interpretação iniciada por Althusser. Como afirma Schmidt: “por mais importante que seja a compreensão que Marx tem de sua própria obra, ela normalmente está aquém do que Marx oferece em termos de teoria em suas análises materiais”[25].

         Inicialmente, a interpretação de Backhaus considerava que as incompreensões da teoria de Marx decorriam das incompreensões de seus intérpretes. Contudo, na terceira parte de seu Materialen zur Rekonstruktion der Marxschen Werttheorie, Backhaus mudou sua visão e subsequentemente passou a considerar estas incompreensões como decorrentes do próprio Marx[26]. Uma análise atenta das diferentes exposições da forma de valor de Marx permite ao leitor compreender sua abordagem, ao mesmo tempo, como histórica e lógica. Com base na exposição de Marx na primeira edição do Capital e em algumas passagens dos Grundrisse, o desenvolvimento da forma de valor simples à forma-dinheiro pode ser compreendido como um desenvolvimento lógico-sincrônico. Mas também pode ser compreendido como um desenvolvimento histórico, se o leitor se basear na exposição de Marx presente no apêndice da primeira edição ou na segunda edição do Capital. De acordo com Backhaus, para reconstruir a teoria de Marx, precisamos adotar uma perspectiva hermenêutica diferente: não podemos simplesmente seguir o próprio texto de Marx; ao contrário, precisamos compreender quais perguntas Marx tentou responder, e então escolher qual exposição melhor as responde.

         Seguindo a mesma abordagem de Backhaus, Reichelt afirma que “no Capital, permaneceu apenas o esqueleto” da exposição dialética da “autonomização crescente do valor de troca”[27]. As análises das diferentes exposições da teoria, assim como do desenvolvimento de conceitos fundamentais nos Grundrisse, têm, para Reichelt, um papel essencial na reconstrução de uma teoria do valor estritamente marxiana.

         Outra abordagem interpretativa original da NLM se refere à relação entre os primeiros e últimos escritos de Marx. Os autores da NLM se opõe ao diagnóstico de Althusser acerca de um corte epistemológico e propõem uma leitura unitária das obras de Marx, aplicando a mesma metodologia usada pelo próprio Marx no estudo de formações sociais menos desenvolvidas através da perspectiva das formações sociais mais desenvolvidas – um método exemplificado por sua famigerada afirmação de que a anatomia humana contém a chave para a anatomia do macaco. Nesse sentido, a NLM lê os primeiros textos de Marx através de seus textos de maturidade, e dessa forma revitaliza seu significado, ao invés de abandoná-los como posições pré-marxistas, como Althusser propunha[28]. Como Schmidt afirma: “os primeiros escritos de Marx e Engels, os quais por muito tempo foram considerados como contendo o conteúdo filosófico-humanista marxista propriamente dito, só podem ser plenamente compreendidos por uma análise histórico-econômica de Das Kapital[29].

         Nesse sentido, por exemplo, Reichelt insiste que os processos de inversão entre sociedade civil e Estado, burguês e cidadão, terra e céu, desenvolvidos por Marx em suas primeiras obras, devem ser compreendidos sob a luz da crítica das categorias da economia política. Isto porque a crítica das formas da sociedade capitalista requer a compreensão das razões pelas quais as relações humanas se apresentam na forma de leis econômicas coercitivas. Similarmente, Backhaus demonstra que aquilo que, nas primeiras obras de Marx, é muito frequentemente rejeitado como um resíduo filosófico, deve, ao contrário, ser visto como a primeira tentativa de desenvolver um método crítico que reconheça “as estruturas isomórficas de elementos onto-teológicos, sócio-metafísicos ou as estruturas isomórficas de elementos políticos e econômicos”[30]. Assim como os debates teológicos pressupõem a duplicação da terra na oposição entre céu e terra, todo debate na área da economia política pressupõe as formas econômicas da troca: valor, dinheiro, preço, entre outras. “A principal exigência de Marx é que ‘os’ economistas não deveriam pressupor ‘categorias’ ou ‘formas’, mas que eles deveriam, ao contrário, desenvolvê-las ‘geneticamente’”[31]. O início deste método genético é encontrado por Backhaus nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, nos quais Marx aborda os “pressupostos irrefletidos” da economia política: “Marx está falando aqui sobre dinheiro, que em ‘suas’ funções opera como um sujeito ‘inumano’ (unmenschliches), notadamente, ele torna iguais coisas desiguais, ‘acumula’ valor, ‘transfere’, etc. As leis independentes das coisas, de coisas ‘alheias ao Homem’, apresentam-se como o momento ‘objetivo’ da economia”[32].

Hegel e Marx

         A filosofia de Hegel, especialmente sua Lógica, é vista pela NLM como uma fonte fundamental para compreender a exposição da crítica da economia política de Marx. Schmidt começa com o significado do termo “crítica” na “crítica da economia política” de Marx. Ele destaca que, para Marx, não há fatos sociais em si mesmos que possam ser apreendidos através dos limites disciplinares tradicionais. O real “objeto do conhecimento” é o fenômeno social como totalidade, portanto, capital como totalidade. Mas este último deve ser compreendido não como se as condições empiricamente dadas da produção fossem o objeto imediato do conhecimento. Ao contrário, Marx procede através de uma crítica das teorias e categorias burguesas[33]. Teoria e seu conteúdo “objetivo” estão relacionados, mas não são a mesma coisa. Por isso, o método de investigação é formalmente diferente do método de exposição. O método de investigação, Schmidt explica, lida com material fornecido pela história, pela economia, pela sociologia, pela estatística, e assim por diante, e lida através da “individualização” e da “análise” no pensamento. O método de exposição, ao contrário, tem que apresentar uma unidade concreta a esses dados isolados. “Exposição”, seguindo Hegel, procede do “ser” imediato à “essência” mediada, que é o fundamento do ser. Embora até as categorias mais abstratas tenham uma determinada dimensão histórica, o desenvolvimento lógico é diferente do, e até oposto ao, desenvolvimento histórico.

         Essas questões são desenvolvidas por Schmidt em sua obra History and Structure:

Para Hegel, assim como para Marx, a realidade é um processo: uma totalidade “negativa”. No hegelianismo, este processo aparece como um sistema da razão. Isto é, como uma ontologia fechada, na qual a história humana afunda ao nível de ser seu resultado, uma mera instância de sua aplicação. Em contraste, Marx enfatiza a independência e a abertura do desenvolvimento histórico, o qual não pode ser reduzido a uma lógica especulativa a qual todos os seres devem obedecer eternamente. Portanto, “negatividade” se refere a algo que é limitado no tempo, enquanto “totalidade” implica a totalidade das relações modernas de produção.[34]

         Há uma primazia gnosiológica do momento lógico sobre o histórico: sem um entendimento teórico prévio do capital, não se saberia onde procurar pelo pressuposto histórico de seu nascimento[35]. Mas isso não faz das categorias o fundamento de existência da realidade, como em Hegel. Ao contrário, as categorias são mediações da realidade no pensamento. Contudo, tal crítica a Hegel não anula a dívida de Marx com a noção hegeliana de “sistema”. O concreto não é o que se coloca diante do intelecto humano, mas uma “unidade na diversidade”, conhecimento que, embora tenha sua base necessária no método analítico, dialeticamente desfaz a dicotomia entre o factual e o mental. Por isso, Marx procede logicamente, e não historicamente, porque a forma de capital que ele desenvolve estabelece suas próprias condições de existência.

         Enquanto Schmidt enfatiza o papel do método de Hegel na crítica da economia política de Marx, Reichelt expande o argumento em direção a uma relação ontológica. Ele alega que Marx foi compelido a utilizar uma argumentação estruturada dialeticamente por uma condição objetiva, tendo em vista que há uma identidade estrutural entre a noção marxiana de Capital e a noção hegeliana de Espírito. (…) No pensamento de Marx, a expansão do conceito no Absoluto é a expressão adequada de uma realidade na qual tal processo ocorre de maneira análoga. (…) O idealismo hegeliano, no qual os seres humanos obedecem a uma noção despótica, é de fato mais adequado para este mundo invertido do que qualquer teoria nominalista que pretenda aceitar o universal como algo subjetivamente concebido. É a sociedade burguesa como ontologia.[36]

         Exposição como “apresentação” assume um novo significado ontológico. Este método dialético é tão bom ou tão ruim quanto a sociedade à qual ele se refere; é válido tão-somente onde a “universalidade se impõe à custa do indivíduo”; e é de fato a duplicação filosófica da inversão real. A característica da dialética materialista é, portanto, o Methode auf Widerruf, o “método de supressão”, segundo o qual esse método tem que se dissolver assim que suas condições de existência desaparecerem.[37]

         Reichelt também se refere à utilização por Marx do conceito de übergreifendes Subjekt na exposição da transformação do dinheiro em capital:

Na condição de sujeito dominante e subordinante (übergreifendes Subjekt) do processo, no qual, alternadamente, assume e perde a forma de dinheiro e a forma de mercadoria, mas que se preserva e se expande através dessas metamorfoses, o valor requer acima de tudo uma forma independente por meio da qual sua identidade consigo mesmo possa se afirmar. Apenas no dinheiro ele encontra esta forma. Dinheiro, portanto, constitui o ponto de partida e a conclusão de todo processo de valorização.[38]

Reichelt compreende o poder dominante e subordinante do capital à luz do Absoluto do conceito de Hegel, o qual “descobre no terreno da filosofia o segredo da sociedade burguesa: a inversão de uma realidade derivada em realidade originária (die Verkehrung eines Entsprungenen zu einem Ersten). De modo que, no pensamento de Marx, a expansão do conceito no Absoluto é a expressão adequada de uma realidade na qual tal processo ocorre de maneira análoga”[39].

         Um argumento semelhante encontra-se em Backhaus. Hegel está no início do revolucionamento que Marx faz da teoria da mercadoria, do dinheiro e do capital, precisamente por causa de sua exposição teórica em uma estrutura dialética. Hegel, contudo, foi apenas o primeiro passo, considerando que ele foi incapaz de desenvolver o caráter duplo da mercadoria. (Contudo, Backhaus também aponta que Hegel observou muito bem tal duplicidade em alguns escritos não publicados e que eram desconhecidos por Marx). Para Backhaus, Hegel repete uma deficiência de Ricardo e da economia política em geral: o apagamento da gênese, embora seu aparato categorial potencialmente tivesse dado todos meios teóricos de alcançar esta tarefa[40].

Sobre o método de Marx e a crítica das teorias do valor pré-monetárias

         O ponto de partida da reconstrução da crítica da economia política de Marx, empreendida pela NLM, fundamenta-se no questionamento da interpretação do método de Marx como lógico-histórico, o qual teve início com o debate de Engels sobre a “produção simples de mercadorias”, e que foi alastrada pelo Marxismo. De acordo com Backhaus, dois textos de Engels, a resenha, realizada em 1859, da Contribuição para a Crítica da Economia Política de Marx, e o “suplemento”, de 1895, ao Volume III do Capital, levaram a uma historicização do método de exposição marxiano. Na resenha, Engels se refere ao método de exposição lógico de Marx como “nada mais que o método histórico, apenas despido da forma histórica e de interferências contingentes”[41]. Já no “suplemento”, Engels aplicou este mesmo método histórico para resolver a alegada contradição entre valores e preços de produção, fazendo dos valores o fundamento do sistema de trocas num estágio histórico de produção simples de mercadorias[42].

Para Backhaus, a noção de uma produção simples de mercadorias é a base para duas interpretações diferentes de Marx: a interpretação lógico-histórica e a interpretação hipotética. De acordo com a primeira, a teoria do valor é a explicação lógica das leis da produção simples de mercadorias; a forma do valor é o espelhamento lógico da emergência histórica do dinheiro na sociedade. Já conforme a última, a teoria do valor é uma primeira aproximação hipotética, e não realmente histórica, aos preços no capitalismo. Valores são os fundamentos da lei de troca numa sociedade de trocas generalizadas. Esta etapa precisa ser suplementada por uma segunda, a segunda aproximação, notadamente os preços de produção como os fundamentos da lei de trocas numa sociedade plenamente capitalista. O parágrafo sobre a forma de valor é novamente compreendido como um excurso histórico do escambo para a circulação monetária[43].

         Estas interpretações, embora diferentes, compartilham da ideia de um estágio inicial de trocas generalizadas sem dinheiro, e têm em comum uma interpretação histórica da forma de valor. Backhaus reúne as duas visões sob o rótulo de “teorias do valor pré-monetárias” e insiste que a teoria do valor de Marx deve ser compreendida como uma crítica às abordagens pré-monetárias ou não-monetárias: “Marx pretendia demonstrar que não era possível construir um conceito não-contraditório de uma economia de mercado pré-monetária organizada com base na divisão do trabalho… O conceito de uma mercadoria pré-monetária não pode ser elaborado”[44]. A transição da forma de valor total ou desdobrada para a forma de valor universal demonstra a impossibilidade lógica de uma troca universal sem dinheiro. Na exposição dialética que conduz a forma de valor, o processo de troca de Marx tem que ser compreendido como “circulação” (Zirkulation), uma determinação formal da troca na qual (não produtos, mas) mercadorias assumem a forma-dinheiro – isto é, a forma-preço. “Circulação” aqui deve ser distinguida da “troca” (Austausch) como tal, a qual é um tipo de conceito transhistórico, uma abstração desprovida de qualquer existência efetiva (como “trabalho” ou “produto”). Nós podemos então ter Waren-austausch (que é essencialmente monetário) e Produkten-austausch (que não é).

         Desse ponto de vista, o conteúdo crítico da teoria de Marx pode ser contrastado tanto com as teorias objetivas (clássica ou marxista) quanto com as teorias subjetivas do valor. Ambos os tipos de abordagem compartilham da ideia de que é necessário abstrair do dinheiro, que é reduzido a um véu, para compreender a troca e construir uma teoria do valor. O resultado é uma dupla falha: uma naturalização do capitalismo e uma confusão sobre o papel do dinheiro numa sociedade na qual produtores privados, autônomos e independentes, têm de, ao final, validar o valor produzido numa circulação universal, através da troca de suas mercadorias por dinheiro como um equivalente universal.  As teorias do valor pré-monetárias criam um sistema duplo de medida do valor: o primeiro de acordo com a dimensão por meio da qual mercadorias são comensuráveis (trabalho ou utilidade); o segundo, através do dinheiro. Essas duas medidas não são mediadas. Os fenômenos externos, “objetivos”, da troca monetária são desconectados da dimensão do valor, que é teoricamente pressuposto como independente do dinheiro. Como explica Backhaus, há uma “cisão entre valor subjetivo e valor de troca objetivo, entre ‘substância’ subjetivamente considerada e a ‘forma’ objetivamente antecipada do valor”[45].

         Além do mais, para Backhaus, a crítica de Marx pode ser direcionada à maioria das teorias do preço, assim como aos autores que removem a dimensão do valor, como muitos seguidores de Sraffa. Eles não encontram importância no problema apresentado pela primeira vez por Aristóteles da razão pela qual objetos heterogêneos se tornam comensuráveis. De acordo com Backhaus, tampouco o problema é resolvido de forma satisfatória pelas teorias nominalistas do dinheiro. O dinheiro pode ser considerado como uma unidade abstrata apenas depois de ter determinado a dimensão que ele mede. Seguindo Backhaus, precisamos afirmar que a dimensão do valor em Marx é uma dimensão metafísica, na qual coisas assumem “propriedades sócio-naturais”. O Marx apresentado por Backhaus desenvolve uma poderosa crítica contra todas as teorias do valor que retrocedem a circulação do capital a uma troca abstrata pré e transhistórica, e ao mesmo tempo elabora uma teoria do valor que supera qualquer forma de nominalismo. O dinheiro é considerado por Backhaus como integrante da circulação de mercadorias, como o que autonomamente (fora da consciência dos agentes) constrói a conexão social entre os trabalhos privados. O conceito de dinheiro compreendido como um mero meio convencional criado para simplificar a troca é, para ele, insustentável.

A duplicação da mercadoria

         A conexão interna entre valor e dinheiro como a “duplicação real e ideal da mercadoria” é um dos temas centrais desenvolvidos por Reichelt. Partindo do primeiro ensaio de Backhaus, Reichelt argumenta que a inovação da exposição de Marx se deve à sua exposição da mercadoria como a unidade imediata de valor de uso e valor.  A contradição imanente só pode se expressar externamente quando os dois polos da mercadoria são considerados em sua relação efetiva no processo de troca. A economia política examina as mercadorias ou em sua concretude como valores de uso ou por meio de um ato subjetivo e puramente mental de abstração como valores. A investigação de Marx sobre a forma de valor demonstra que a redução subjetiva é na verdade “uma abstração feita diariamente no processo social de produção”, algo que só pode ser compreendido através de um exame minucioso de como o valor se manifesta fenomenalmente no valor de troca.

         Reichelt inicia sua argumentação enfatizando que a troca sempre ocorre entre duas coisas concretas distintas, dois valores de uso. Mercadorias nunca se mostram diretamente como expressões do trabalho humano, porém toda mercadoria tem preço e, como preços, as mercadorias podem ser comparadas: “Marx critica a economia burguesa por ela não deduzir a forma-dinheiro da estrutura do trabalho privado; o que Marx pretende afirmar é que a economia política é incapaz de entender a forma-preço… que ela é compelida a compreendê-la externamente”[46]. Em cada equiparação dentro da troca de mercadorias, a mercadoria no polo esquerdo da equação exibe seu próprio valor na concretude do corpo da mercadoria no polo direito. As duas dimensões são consideradas simultaneamente: “a mercadoria obtém uma forma de valor diferente de sua forma natural, e uma mercadoria diferente funciona, em sua forma natural imediata, como a forma fenomênica do ‘trabalho humano homogêneo coagulado’”[47]. A oposição imanente interna à mercadoria encontra sua forma de manifestação fenomênica através da duplicação da mercadoria no valor de troca: um polo da equação se torna valor de uso (na forma relativa) que exibe seu próprio valor no corpo de outra mercadoria (na forma de equivalente) que funciona tão-somente como objetivação de valor. Trabalho humano abstrato encontra uma encarnação visível num corpo no qual pode se expressar. Seu valor não é mais apenas “coisa do pensamento”, mas adquire também uma existência objetiva. A abstração do valor se concretiza num objeto autônomo que se confronta com todos os outros valores de uso como mercadorias. Como afirma Marx: “mercadorias são coisas (Sache). Elas precisam ser o que elas são de forma coisificada (sachlich) ou se revelarem em suas próprias relações coisificadas (sachliche)”[48]. A exposição do valor como dinheiro e preço, do trabalho abstrato obtendo uma forma objetiva no equivalente universal, é o resultado teórico da elaboração da forma de valor de Marx.

         Reichelt acompanha de perto a dedução dialética de Marx da forma de valor simples até a forma de equivalente universal (e então até a forma-dinheiro), demonstrando como, no processo de troca, a contradição entre trabalho concreto e trabalho abstrato, assim como entre trabalho privado e trabalho social, é apagada. Por um lado, trabalho privado empregado na produção de mercadorias deve se mostrar como trabalho social. Por outro, em sociedades não capitalistas, trabalhos concretos são diferentes formas de atividades do mesmo sujeito. Na circulação capitalista universal de mercadorias, um resultado similar deve ser alcançado através da circunstância bizarra de que o trabalho adquire a propriedade suprassensível de ser trabalho humano abstrato, que é a substância do valor.

         Trabalho abstrato – isto é, trabalho privado que se torna trabalho social – requer que a mercadoria se efetive como valor de uso; ou seja, que o trabalho concreto se confirme como parte da divisão social do trabalho. Esta é a contradição que constitui a differentia specifica de uma sociedade na qual o trabalho não é imediatamente social na produção em geral. Em um sistema de trocas privadas entre produtores independentes, o trabalho social só se constitui graças à validação (monetária) final no mercado: “a existência de uma forma de equivalente universal é a forma pela qual esta contradição é analisada e por fim superada”[49].

         A validação social do trabalho privado acontece apenas através da metamorfose da mercadoria cujo trabalho objetivado na produção conta como imediatamente social. Esta mercadoria é o equivalente universal: dinheiro. Apenas a troca entre dinheiro e mercadoria confirma a necessidade social do trabalho objetivado na produção de uma mercadoria particular. A razão pela qual o trabalho objetivado na produção de mercadorias tem de se expressar por meio do dinheiro decorre da contradição do duplo caráter do trabalho produtor de mercadorias. Como Reichelt afirma, a teoria do dinheiro de Marx está baseada na dedução do dinheiro a partir da estrutura do processo de troca, mas também da dedução da forma de equivalente universal compreendido como a conexão interna necessária entre valor como forma, valor como substância e valor como grandeza.

Após a exposição da duplicação da mercadoria na circulação simples, Reichelt desenvolve o “lado positivo” da crítica de Backhaus à noção de produção simples de mercadorias. Reichelt propõe uma compreensão da teoria do dinheiro de Marx como “uma concretização posterior da dedução do dinheiro realizada da forma mais abstrata”[50], examinando a relação lógica entre as esferas da “circulação” e da “produção”. Na circulação simples, os membros da sociedade se apresentam como meros vendedores ou compradores. Não obstante, a circulação não pode ser considerada como um processo autônomo. Mercadorias são trocadas na circulação, mas sua produção está pressuposta. Uma vez que as mercadorias são vendidas, elas deixam a esfera da circulação e entram na esfera do consumo[51].

         A exposição das diferentes funções do dinheiro, desenvolvida por Marx no terceiro capítulo do Capital, é compreendia por Reichelt como um processo de progressiva independência do dinheiro como a existência coisificada da riqueza abstrata. A análise do entesouramento que Marx faz nos Grundrisse se torna essencial. Para ganhar independência como valor, o dinheiro precisa sair da circulação, mas, fora da circulação, o dinheiro é apenas riqueza (abstrata) em potencial: “a realidade da riqueza universal que existe como uma coisa (isto é, como dinheiro) tem um fundamento fora de si, na totalidade das partículas que constituem sua substância”[52]. A contradição é superada assim que o dinheiro assume a forma do capital, valor que se autovaloriza e que adquire a forma do movimento D-M-D’: “em cada uma dessas formas, isto (dinheiro como capital) permanece valor de troca em si mesmo. Assim, é dinheiro não apenas se ganha a forma de dinheiro, mas também se adquire a forma de mercadoria… em cada uma dessas formas, é em si mesmo”[53].

         Reichelt acompanha o argumento de Marx para demonstrar que a circulação simples é a manifestação de um processo que reside fora dele – isto é, a produção capitalista – e que o Éden dos direitos naturais do homem é a aparência que acoberta a apropriação de trabalho não pago despedindo na produção de mercadorias. A circulação não tem uma existência autônoma. A teoria do valor de Marx apresentada nos três primeiros capítulos do Capital não é o esquema de um sistema de produção de mercadorias, na qual condições objetivas e subjetivas de produção estão ainda separadas. É apenas a superfície do processo de produção capitalista: a mercadoria com a qual Marx inicia sua exposição como um pressuposto deve ser apreendida como mercadoria produzida de forma capitalista. Esse é exatamente o início dos Resultados do Processo Imediato de Produção de Marx, que é um dos mais nítidos exemplos do método de Marx de estabelecer um pressuposto. Posteriormente, o “trabalho” que ocorre no processo capitalista de produção de mercadorias é o trabalho vivo de trabalhadores assalariados. Numa famosa passagem dos Grundrisse, Marx se refere a ele como trabalho abstrato em movimento.

A constituição “objetiva” da sociedade

         O que emerge de uma leitura atenta de Reichelt e Backhaus é que, conforme a determinação formal do dispêndio de trabalho, não é possível determinar, antes da troca efetiva, a parcela de trabalho imediatamente privado despendido na produção que obterá a forma de dinheiro; ou seja, que será validada como social através da metamorfose com a mercadoria produzida por trabalho imediatamente social. A crítica de Proudhon feita por Marx no capítulo sobre dinheiro nos Grundrisse é vista como fundamental para compreender o duplo caráter do trabalho. Como demonstra Backhaus,

Marx deduz o conceito de “trabalho social” e descobre a contradição entre esta forma de trabalho e o trabalho “real” que tem um caráter privado. Esta contradição é considerada por Marx como a razão pela qual “trabalho se apresenta como valor”, ou, em outras palavras, a razão da existência do dinheiro[54].

A crítica do socialismo proudhoniano é, ao mesmo tempo, a exposição da teoria da forma do valor e a dedução conceitual da forma-dinheiro a partir da constituição de uma sociedade de produtores privados e autônomos. Sem compreender a conexão entre dinheiro e a forma de dispêndio de trabalho, a teoria do valor de Marx perde sua própria especificidade e retorna à teoria do valor de Ricardo, na qual a grandeza do valor produzido pode ser determinada através de um ato subjetivo de medição na produção. Um certo tipo de teoria do valor-trabalho deixa passar completamente a natureza contraditória da produção capitalista na qual, como Marx afirma, “a priori, nenhuma regulação social consciente da produção ocorre” e o caráter social do trabalho “se afirma apenas como uma média operada cegamente”[55]. A teoria do valor é, para Marx, uma dimensão supraindividual que se impõe independentemente da consciência dos agentes da produção. A abstração do trabalho é um processo, e não pode ser reduzida a uma generalização mental. Trabalho abstrato não pode ser confundido com trabalho como uma atividade orientada a fim de caráter metahistórico. Trabalho como tal é uma abstração mental que nunca existe sem adquirir uma determinada forma social, enquanto trabalho abstrato é a forma específica que o trabalho adquire numa sociedade na qual o metabolismo social com a natureza ocorre através de um sistema de trocas monetárias entre produtores privados. Como é frequentemente repetido por Backhaus e Reichelt, a teoria do valor de Marx consiste na compreensão de “como a lei do valor se impõe” e na apreensão do processo “objetivo” que ocorre às costas dos agentes econômicos.

         A cisão entre a dimensão individual da produção e a dimensão supraindividual da validação social na circulação é essencial para compreender o significado do caráter fetichista da mercadoria, que o marxismo tem reduzido a uma referência banal à historicidade do valor e do modo capitalista de produção[56]. Podemos falar de caráter fetichista porque os processos privados de produção não têm uma coordenação prévia além daquela que ocorre através da troca entre mercadorias e dinheiro. Dinheiro é o meio que estabelece a conexão social dos processos privados de produção e, assim, que constitui a sociedade “às costas” e “sem a consciência” dos agentes individuais. A conexão social é determinada pelo sistema de trocas entre mercadorias e dinheiro – isto é, entre coisas.

         O ponto de vista da economia política presume como dadas a troca universal de mercadorias e a forma do valor. Assim como a organização capitalista do trabalho. Por isso é incapaz de compreender a “inversão” e a “absurdidade” de uma relação social estabelecida por meio de coisas. Backhaus afirma que a “economia acadêmica” é obrigada a lidar com valor ou com a forma do valor como “algo externo aos seres humanos (Sache außer dem Menschen): o dinheiro é comparado com aquelas formas matemáticas (como linha ou número) que apenas duvidosamente podem ser deduzidas pelos seres humanos”[57]. Seguindo Marx, Backhaus descreve as categorias da economia política como “formas degeneradas” (Verrückte Formen). Categorias econômicas são formas invertidas, degeneradas e absurdas. São a transposição e a projeção do sensível sobre o suprassensível. A teoria econômica apreende apenas o resultado desta loucura e absurdidade. A crítica da teoria econômica tem a tarefa de demonstrar a gêneses destas Verrückte Formen, sua origem humana.

         Ao reconstruírem a teoria da forma do valor de Marx, Backhaus e Reichelt apreendem o significado do processo de autonomização das relações sociais descrito por Adorno. É a manifestação exterior da contradição fundamental do modo de produção capitalista: o duplo caráter do trabalho que produz mercadorias. Em virtude desta contradição, a socialização do trabalho ocorre independentemente do dispêndio do trabalho, através de um sistema de trocas monetárias entre produtores privados, que gera uma forma autônoma de movimento social: o caráter fetichista. Graças a essa compreensão do caráter fetichista da mercadoria, Backhaus e Reichelt conseguiram completar o que Adorno considerava essencial para uma teoria crítica da sociedade: não apenas decifrar a “gênese social” da autonomização da sociedade, mas também compreender o “apagamento” desta gênese, que leva ao fetichismo. A circulação universal, monetária e mercantil de “coisas” no mercado faz com que o caráter social e historicamente específico da produção capitalista pareça um atributo “natural” dessas coisas. O ocultamento da gênese dessa autonomização da sociedade se origina desta Schein, desta “falsa aparência”, deste simulacro. Essa naturalização do modo de produção capitalista decorre desta realidade “objetiva” em si, do seu caráter fetichista. O ocultamento da gênese é assim alcançado.

Crítica e diálogo

         Consideramos que a problematização da teoria do valor de Marx, a ênfase na forma do valor e, mais genericamente, o horizonte conceitual proposto pela NLM, são cruciais para uma compreensão correta do Capital de Marx. Ao mesmo tempo, consideramos que há espaço para um diálogo com, e talvez uma crítica à, NLM[58]. Este artigo tem sido até então majoritariamente expositivo, mas entendemos como necessário levantar alguns problemas. Alguns desses problemas se referem às dificuldades na própria exposição de Marx. Outros, à insistência da NLM na crítica da economia política, como se a crítica de Marx não fosse também, como certamente ele pretendia, uma economia política crítica[59]. O risco é reivindicar um Marx filósofo contra um Marx economista – uma compartimentalização acadêmica que é estranha ao próprio Marx.

         Consideramos que a NLM não se debruça suficientemente sobre as complexidades das noções marxianas de trabalho abstrato, valor e dinheiro (especialmente nos capítulos 1 a 3 do Volume I do Capital), assim como sobre a maneira como Marx fundamenta o capital como uma relação social (nos capítulos 4 a 7). Se reconstruirmos a dialética marxiana do valor, do dinheiro e do capital, observamos que a dualidade interna à mercadoria, como valor de uso e valor, corresponde à natureza dúplice do trabalho que produz mercadorias. Trabalho (como atividade) é “concreto” na medida em que produz mercadoria como valor de uso, e “abstrato” na medida em que produz valor. O problema é que valores de uso e trabalhos concretos não são homogêneos, razão pela qual são incomensuráveis. Valor, ao contrário, é, para Marx, trabalho coagulado “puro e simples”: um amontoado homogêneo, que é comensurável como tal, ao menos quando observamos não uma mercadoria singular, mas o mundo das mercadorias. A NLM se afasta de Marx quando insiste que a comensurabilidade advém exclusivamente da troca.

         Observemos essa questão mais de perto. Nos parágrafos 1 e 2 do capítulo 1, o “valor” está escondido na mercadoria e não é nada mais que um “fantasma”. Ainda será demonstrado como este ente “puramente social” adquire uma existência material. Antes da troca, parece que o que temos diante de nós são tão-somente trabalhos concretos incorporados em valores de uso definidos e incomensuráveis. No parágrafo 3, Marx prossegue na demonstração que há uma duplicação de mercadoria e dinheiro que corresponde à dualidade interna à mercadoria, valor de uso e valor. Uma vez que uma mercadoria específica – digamos, o ouro – assume o papel de equivalente universal, o fantasma do “valor” consegue “se apoderar” de um “corpo”. O dinheiro é, então, valor, incorporado no valor de uso do ouro. O trabalho abstrato contido nas mercadorias se mostra no trabalho concreto incorporado ao ouro como dinheiro, e o trabalho privado se torna social. Dinheiro é o equivalente universal, ex post validar o trabalho abstrato “imediatamente privado” (e apenas “mediatamente social”). Porém, dinheiro é também a “encarnação (Inkarnation) individual” do valor, o resultado do único trabalho que conta como imediatamente social, notadamente, o trabalho produtor do ouro (como dinheiro). Nesse sentido, “dinheiro como mercadoria” é o elo essencial que conecta o valor de volta ao trabalho. Este ponto chave não teve a atenção da NLM.

         Graças a este elo ou equivalência entre o trabalho (abstrato) produtor de mercadorias e o trabalho (concreto) produtor de dinheiro como mercadoria, Marx fundamenta a possibilidade de traduzir grandezas monetárias em grandezas de trabalho, dando forma à noção de uma expressão monetária do tempo de trabalho socialmente necessário. A NLM está correta ao insistir que essa equivalência é estabelecida através da troca no mercado, ao invés de puramente na produção. Contudo, Marx sempre insiste que a comensurabilidade não se estabelece do dinheiro para as mercadorias, mas exatamente na direção oposta. A “expressão” do valor das mercadorias no valor de uso da mercadoria-dinheiro é um movimento de dentro para fora: é uma “expressão” (Ausdruck) do conteúdo na forma. A unidade entre produção e circulação é estabelecida no mercado, mas essa unidade torna real o movimento do interno (produção) para o externo (troca). Como esta tensão pode se resolver?

         Em nossa visão, o argumento de Marx é de que os valores, como trabalho humano vivo coagulado em abstrato – após a produção, e antes da troca efetiva – contam como grandezas monetárias “ideais” para os agentes. (É uma Vorstellung). Mercadorias vão ao mercado com preço. Por um lado, a equivalência entre mercadorias e dinheiro decorre de uma equivalência na substância. Por outro, o dinheiro “ideal” é uma “representação mental” de ouro como dinheiro “real”. Dinheiro atua como a referência “externa” de medida da grandeza do valor; a medida “imanente” é o tempo de trabalho despedindo na produção (na grandeza socialmente necessária). Contudo, esta última dimensão tem que ser validada monetariamente na circulação. A troca de mercadorias é onde o ato de medida realmente ocorre[60].

         Backhaus está correto ao defender que a “circulação de mercadorias” deve ser pensada sempre como intrinsecamente monetária. Warenaustausch e Zirkulation são essencialmente monetárias. A “troca” não pode ser concebida como “troca de produtos” (isto é, como unmittelbare Produktenaustausch) semelhante a uma permuta direta. Mas nesse ponto, a determinação quantitativa marxiana do “valor do dinheiro” se torna decisiva. O valor do dinheiro é o inverso da “expressão monetária do tempo de trabalho (socialmente necessário)”: é a quantidade de tempo de trabalho contida no dinheiro. Na primeira seção do Volume I do Capital, o valor do dinheiro é fixado no ponto da produção do ouro – isto é, no ponto de entrada do outro como dinheiro na circulação. Ouro é trocado primeiramente como uma simples mercadoria, por todas as outras mercadorias. Essa troca não é monetária; é uma permuta direta. (O alemão aqui é inequívoco: unmittelbarem Tauschhandel.) Uma vez inserido no mercado desta forma, como “produto imediato do trabalho”, na sua fonte de produção (isto é, trocado por outros produtos do trabalho de igual valor), ouro funciona como dinheiro. Deste ponto em diante o valor do dinheiro pode ser considerado como dado antes da troca. A realização da troca impõe a disciplina do valor aos produtores já durante o processo de produção, antes da troca, de modo que o trabalho vivo deve ser já considerado como abstrato.

O fato de que o dinheiro é uma mercadoria na dedução dos três primeiros capítulos não é particularmente problemático. Aqui estamos no nível onde os objetos do conhecimento explícitos são produzidos como mercadorias e o dinheiro como equivalente universal. Em outras palavras, a produção é pressuposta. O argumento se torna complicado quando nos movemos para o nível onde o objeto do conhecimento é a produção capitalista de mercadorias como um processo temporal, iniciando com a compra e venda da força de trabalho e procedendo ao domínio oculto da produção. Em nossa opinião, nesse ponto, estamos num mundo onde o dinheiro não pode mais ser tomado como uma mercadoria. O desafio teórico é estender a teoria monetária do valor à teoria monetária da produção (capitalista). Seguindo estas linhas, é possível argumentar que a produção precisa ser pré-validada por uma transação financeira não-mercantil (bancária) da compra e venda de força de trabalho. Nesse caso, o trabalho vivo como abstrato se tornaria homogêneo por um processo monetário anterior à troca. O argumento de Marx acerca do movimento da produção para a circulação seria completamente resgatado. A NLM inicialmente não desenvolve este terreno e deixa as teorias da mercadoria e do dinheiro de Marx incompletas.

Outro ponto da argumentação de Marx que a NLM não se preocupa é o da constituição (Konstitution) da totalidade capitalista. Sob as relações sociais capitalistas, as inversões que caracterizam o mundo da mercadoria e do dinheiro são confirmadas e aprofundadas. No mercado de trabalho, seres humanos tornam-se as “personificações” da mercadoria por eles vendida, a força de trabalho ou trabalho “em potencial”, que é uma mercadoria de que os trabalhadores são meros portadores. Dentro da produção, o próprio trabalho vivo é organizado e moldado pelo capital como “valor em processo”. Assim, novamente, o trabalho vivo, como a atividade abstrata de trabalhadores assalariados que gera riqueza capitalista abstrata, é o verdadeiro sujeito do qual seres humanos concretos que o realizam são meros predicados.

Para ser efetivamente autônomo, o valor deve ser produzido por valor, que produz um mais-valor. Mas trabalho morto não pode produzir mais trabalho morto. O que é necessário é o capital “internalizar”, na produção, a atividade que pode transformar menos trabalho morto em mais trabalho morto: isto é, transformar seu único “outro” em trabalho morto, que é o trabalho vivo de seres humanos. O valor, como fantasma, deve se transformar em capital como vampiro. Trabalhadores são incluídos no capital (trabalho morto) como um outro interno (trabalho vivo), tomando de empréstimo a expressão esclarecedora de Chris Arthur.

A noção marxiana de capital como “valor que se autovaloriza” parece demasiadamente homóloga à Ideia Absoluta de Hegel, que busca se realizar enquanto reproduz suas próprias condições de existência. Como Adorno diria, Das Ganze ist das Unwahre. Em certo sentido, a NLM é uma longa nota de rodapé a essa frase e uma tentativa de estabelecer uma fundamentação definitiva dela na crítica da economia política. Contudo, a vida-zumbi (zombi-life) do capital depende de uma condição social: o capital deve vencer a luta de classes na produção. Ele tem que sugar a vida dos trabalhadores, de modo a ressuscitar como “morto-vivo”. Os trabalhadores podem resistir a sua incorporação como um momento interno do capital, e tal “barreira” ou “obstáculo” (Schranke) superável pode tornar-se um insuperável “limite” (Grenze) se o conflito se transformar em antagonismo. O ponto chave é que não é possível ter trabalho sem a exploração da força de trabalho. Não é possível utilizar a força de trabalho sem “consumir” os corpos dos próprios trabalhadores, como os suportes vivos de força de trabalho. O capital produz tão-somente graças a este “consumo” muito específico, que cria uma “contradição” muito específica[61]. E este é de fato o verdadeiro pilar da teoria do valor como a única teoria marxiana que conecta o novo valor criado na produção ao trabalho vivo despedindo pelos trabalhadores[62].

A anamnese da gênese – o legado de Adorno para a NLM – desenvolve-se aqui numa maneira de observar a realidade paradoxal do capital do ponto de vista de sua fonte: o trabalho vivo resultante da exploração de trabalhadores assalariados como suportes vivos de força de trabalho. Este é o discurso crítico e revolucionário na Konstitution do capital.

Riccardo Bellofiore e Tommaso Redolfi Riva


Tradução: Talles Lopes
Revisão: Moisés Rech

Original: https://www.radicalphilosophy.com/article/the-neue-marx-lekture


[1] Um problema importante que afeta a literatura não germânica sobre Marx é que pouquíssimas traduções são rigorosas no tratamento das categorias – a maioria, apesar de não todas, vindas de Hegel. Neste artigo, nós adotamos uma versão rapidamente modificada da convenção adotada por Riccardo Bellofiore em seu “Lost in Translation: Once Again on the Marx-Hegel Connection”, publicado em Marx’s Capital and Hegel’s Logic (eds. Fred Moseley e Toni Smith, Brill, 2014). Por exemplo, seguindo Hegel, Schein se refere a fenômenos superficiais considerados como essenciais. Tal descrição da realidade capitalista significa que é ilusória, um mero simulacro. O verbo scheinen aqui será traduzido como “parecer”. Erscheinung, “aparência” ou “manifestação (fenomênica)”, refere-se a como aqueles mesmos fenômenos aparecem ou se manifestam (erscheinen). É a manifestação necessária da essência; a forma em que esta última tem de aparecer ou se manifestar no nível fenomênico. Quando utilizamos “aparecer” e “aparência”, estamos nos referindo a erscheinen e Erscheinung. Darstellung será traduzido como “exposição”, “exibição” ou “apresentação” (e os verbos correlatos para darstellen). Refere-se à exposição processual do sistema, necessária do ponto de vista da reconstrução lógica da totalidade. Se o que é exposto é reconhecido como resultado de um processo complexo de mediação, então é uma “aparência” ou “manifestação”. Se não, é uma “ilusão” ou “simulacro”. Infelizmente, em muitas traduções, Darstellung é traduzida como “representação”, e darstellen como “representar”, mas isso é errado, tendo em vista que “representar” e “representação” correspondem a vorstellen e Vorstellung. Vorstellung é uma representação mental ou conceitual: uma antecipação ideal, ou como os agentes compreendem as formas capitalistas. Outras convenções sobre tradução serão apresentadas posteriormente.

[2] O termo Nova Leitura de Marx (Neue Marx-Lektüre) é usado por Backhaus na terceira parte de “Materialien zur Rekonstruktion der Marxschen Werttheorie 3” (Hans-Georg Backhaus, ed., Gesellschaft, Beiträge zur Marxschen Theorie 11, Suhrkamp, Frankfurt am Main, 1978). Os marcos da sua canonização subsequente incluem: Helmut Reichelt, Neue Marx-Lektüre. Zur Kritik sozialwissenschaftlicher Logik (VSA Verlag, Hamburg, 2008); Ingo Elbe, Marx im Westen. Die Neue Marx-Lektüre in der Bundesrepublik seit 1965 (Akademie Verlag, Hamburg, 2008); Michael Heinrich, An Introduction to the Three Volumes of Karl Marx’s Capital (Monthly Review Press, New York, 2012); e Ingo Elbe, “Between Marx, Marxism, and Marxisms – Ways of Reading Marx’s Theory”. Para uma análise aprofundada do debate alemão sobre Marx durante os anos 70, ver Roberto Fineschi, “Dialectic of the Commodity and Its Exposition: The German Debate in the 1970s – A Personal Survey”, Riccardo Bellofiore e Roberto Fineschi, eds, Re-reading Marx: New Perspectives after the Critical Edition (Palgrave, New York, 2009).

[3] Hans-Georg Backhaus, “On the Dialectics of the Value-Form”, Thesis Eleven 1, 1980, p. 99.

[4] Hans-Georg Backhaus, Dialektik der Wertform. Untersuchungen zur Marxschen Ökonomiekritik, (Freiburg, 1997, p. 29). Reichelt, Neue Marx-Lektüre, p. 11.

[5] Backhaus, Dialektik der Wertform, p. 30. A categoria da “duplicação” encontra-se também na edição de 1872 (segunda edição alemã): não na exposição da forma do valor no capítulo 1, mas nos capítulos 2 e 3.

[6] Reichelt, Neue Marx-Lektüre, p. 11.

[7] Sobre a relação entre a Nova Leitura de Marx e a teoria crítica da sociedade de Adorno, ver Werner Bonefeld, Critical Theory and the Critique of Political Economy: On Subversion and Negative Reason, Bloomsbury, London New York, 2014.

[8] Quando Marx utilizou o adjetivo gegenständlich, muito frequentemente ele pretendia dizer “tornar-se objetivo” (becoming objective), isto é, objetividade se constituindo em face dos seres humanos (algo que tem sua origem no movimento processual do trabalho como atividade). O termo é muito difícil de traduzir em inglês. Aqui, e nas páginas seguintes, nós traduziremos como “objetivo” entre aspas.

[9] Hans-Georg Backhaus, “Between Philosophy and Science: Marxian Social Economy as Critical Theory”, Werner Bonefeld, Richard Gunn e Kosmas Psychopedis, eds, Open Marxism, vol. 1, Pluto Press, London, 1992, p. 57.

[10] Theodor W. Adorno, “Introduction”, in VV.AA., The Positivist Dispute in German Sociology, Heinemann, London, 1976, p. 12.

[11] Theodor W. Adorno, Negative Dialectics, Routledge, London and New York, 2004, p. 354.

[12] Adorno, ‘Introduction’, The Positivist Dispute, p. 15. 13. Ibid., p. 12.

[13] n/d

[14] Totalidade, para Adorno, é uma categoria a parte obiecti que pré-forma o próprio objeto. O modelo de uma descrição coerente e não-contraditória da sociedade é, consequentemente, inadequado para a própria coisa. Essa é a razão pela qual o conceito de sociedade de Adorno como totalidade não pode ser confundido com a ideia trivial de Hans Albert de que “tudo está conectado com tudo”. Ver The Positivist Dispute, p. 175 n. 26.

[15] Theodor W. Adorno, Introduction to Sociology, Polity Press, Cambridge, 2000, p. 31.

[16] Theodor W. Adorno, ‘Sociology and Empirical Research’, in The Positivist Dispute, p. 80.

[17] Ibid.

[18] Theodor W. Adorno, “Über Marx und die Grundbegriffe der soziologischen Theorie. Aus einer Seminarschrift im Sommersemester 1962”, Backhaus, Dialektik der Wertform, p. 507. Uma tradução em inglês, por V. Erlenbusch e C. O’Kane, está prevista pela Historical Materialism.

[19] Adorno, Introduction to Sociology, p. 32.

[20] Adorno, “Über Marx und die Grundbegriffe der soziologischen Theorie”, pp. 507–8.

[21] Alfred Sohn-Rethel, Geistige und körperliche Arbeit. Zur Epistemologie der abendländischen Geschichte, VCH Verlagsgesellschaft, Weinheim, 1989, p. 223.

[22] Ibid., p. 226.

[23] Reichelt, Neue Marx-Lektüre, p. 30.

[24] Helmut Reichelt, “Marx’s Critique of Economic Categories: Reflections on the Problem of Validity in the Dialectical Method of Presentation in Capital”, Historical Materialism 4, 2007, pp. 6–7.

[25] Alfred Schmidt, “On the Concept of Knowledge in the Criticism of Political Economy”, VV.AA., Karl Marx 1818–1968, Inter Nationes, Bad Godesberg, 1968, p. 94.

[26] Backhaus, Dialektik der Wertform, pp. 129–212.

[27] Helmut Reichelt, “Why Did Marx Conceal His Dialectical Method?”, Werner Bonefeld, Richard Gunn and Kosmas Psychopedis, eds, Open Marxism, vol. 3, Pluto Press, London, 1995, p. 58.

[28] Helmut Reichelt, Zur logischen Struktur des Kapitalsbegriffs bei Marx, Europäische Verlangsanstalt, Frankfurt am Main, 1970, p. 24. [Edição brasileira: Sobre a estrutura lógica do conceito de capital de Karl Marx, Editora Unicamp, 2013]

[29] Schmidt, “On the Concept of Knowledge”, p. 94.

[30] Hans-Georg Backhaus, “Some Aspects of Marx’s Concept of Critique in the Context of his Economic-Philosophical Theory”, Werner Bonefeld and Kosmas Psychopedis, eds., Human Dignity: Social Autonomy and the Critique of Capitalism, Ashgate, Aldershot, 2005, p. 18.

[31] Ibid., p. 22.

[32] Ibid., p. 24.

[33] Schmidt, “On the Concept of Knowledge”, pp. 95–6.

[34] Alfred Schmidt, History and Structure: An Essay on HegelianMarxist and Structuralist Theories of History, MIT Press, Cambridge MA, 1981, p. 31; tradução modificada.

[35] Para Schmidt, esta é a razão pela qual o capítulo sobre a gênese histórica do modo de produção capitalista está no final do Volume I do Capital: “Marx não teria tido sucesso em desvelar o conteúdo dos pressupostos históricos da emergência do capital se não tivesse primeiramente apreendido o desenvolvimento teórico da essência do capital. Ele não saberia sequer onde e como estes pressupostos poderiam ser encontrados”. Schmidt, History and Structure, p. 33.

[36] Reichelt, Zur logischen Struktur des Kapitalsbegriffs bei Marx, pp. 76–7, 80.

[37] Ibid., pp. 81–2.

[38] Karl Marx, Capital: A Critique of Political Economy, Volume One, Penguin, Harmondsworth, 1976, trans. Ben Fowkes, p. 255; tradução modificada. Marx utilizou übergreifen com um duplo sentido. Seguindo os tradutores da Encyclopaedia Logic de Hegel, o primeiro significado pode ser compreendido como apreender (“to overgrasp”): a referência é Aufhebung, a compreensão especulativa, a qual “retorna e absorve em seu próprio fim” (“reaches back and embraces within its scope”) a oposição dos momentos em seu nível dialético. Assim como a universalidade “overgrasps” particulares e singulares, da mesma forma “overgrasps” o diferente no pensamento. Desse modo, o Subjekt que se desenvolve em Geist inclui objetividade e subjetividade nessa apreensão. O segundo significado é “alcançar” (“overreaching”) e “superar” (“overriding”), que beira o “dominante” – o único sentido utilizado por Fowkes.

[39] Reichelt, Zur logischen Struktur des Kapitalsbegriffs bei Marx, p. 77.

[40] Backhaus, Dialektik der Wertform, pp. 302–3.

[41] Frederick Engels, “Review of A Contribution to the Critique of Political Economy”, Karl Marx e Frederick Engels, Collected Works, vol. 16, Lawrence & Wishart eBook, 2010, p. 475.

[42] Frederick Engels, “Supplement to Capital, Volume Three”, Karl Marx e Frederick Engels, Collected Works, vol. 37, Lawrence & Wishart eBook, 2010, p. 887.

[43] Backhaus, Dialektik der Wertform, p. 277ss.

[44] Backhaus, “Materialien zur Rekonstruktion der Marxschen Werttheorie 3”, p. 150.

[45] Hans-Georg Backhaus, “Sulla problematica del rapporto tra ‘logico’ e ‘storico’ nella critica marxiana dell economia politica”, em seu Dialettica della forma di valore, ed. Riccardo Bellofiore e Tommaso Redolfi Riva, Editori Riuniti, Rome, 2009, p. 504.

[46] Reichelt, Zur logischen Struktur des Kapitalsbegriffs bei Marx, p. 151.

[47] Ibid., p. 158.

[48] Karl Marx, “The Commodity. Chapter One, Volume One, of the first edition of Capital”, Albert Dragstedt, ed., Value: Studies by Karl Marx, New Park Publications, London, 1976, p. 20.

[49] Reichelt, Zur logischen Struktur des Kapitalsbegriffs bei Marx, pp. 163–4.

[50] Ibid., p. 165.

[51] Em Marx, “preço natural” (“natural price”) é regulado pelo tempo de trabalho, assim como para os economistas políticos clássicos, mas ocorre através de desvios contínuos, devidos não apenas à concorrência capitalista e às mudanças na técnica, mas também ao papel crucial da demanda social em compartimentalizar, em setores individuais na produção, determinadas parcelas do trabalho social (isto é, total).

[52] Reichelt, Zur logischen Struktur des Kapitalsbegriffs bei Marx, pp. 245–6.

[53] Ibid., p. 250.

[54] Backhaus, Dialektik der Wertform, p. 265.

[55] Karl Marx e Frederick Engels, Complete Works, vol. 43, Lawrence & Wishart eBook, p. 69.

[56] A seguir, assim como em “Lost in Translation: Once Again on the Marx-Hegel Connection”, distinguimos caráter fetichista de fetichismo. “O Fetischcharakter – a “objetiva”, coisificada e alienada natureza da realidade social capitalista – é na verdade muito real: Erscheinung. O que é enganoso, um simulacro ou Schein, é atribuir propriedades sociais às próprias coisas como seus atributos naturais: este último é Fetischismus, fetichismo. Mas tão-somente quando é realizado fora das relações sociais do capital: dentro da realidade capitalista, as “propriedades sociais” que se ligam às coisas são dramaticamente efetivas.

[57] Backhaus, Dialektik der Wertform, p. 308.

[58] Esta seção do artigo representa as posições de um dos autores (Riccardo Bellofiore).

[59] A argumentação a seguir se baseia majoritariamente em “Lost in Translation: Once Again on the Marx-Hegel Connection” e em “Marx and the Monetary Foundations of Microeconomics”, Riccardo Bellofiore e Nicola Taylor, eds., The Constitution of Capital: Essays on Volume I of Marx’s Capital, Palgrave Macmillan, Basingstoke, 2004.

[60] Estas distinções acerca de medida/critério de medida/medição têm sido destacadas por Roberto Fineschi, Ripartire da Marx, La città del sole, Naples, 2001.

[61] Massimiliano Tomba, Marx’s Temporalities, Brill, Leiden and Boston MA, 2012.

[62] Note-se que este argumento não depende de o dinheiro ser uma mercadoria.

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